terça-feira, 23 de setembro de 2014

Divisões para dar e vender




O que se mostrava como probabilidade foi confirmado pelas pesquisas deste início de semana: Aécio Neves parou de crescer (19%), Dilma ganhou fôlego e bateu na casa dos 38% e Marina estacionou com uma pequena tendência de queda (29%). Para o segundo turno, a simulação do Ibope prevê empate em 41% das duas candidatas. Há margem, ainda, para algumas alterações, mas, faltando cerca de 12 dias para as urnas, o indício mais forte é de que este quadro persista até o final.
Ele pode ensejar várias reflexões, atentas sobretudo ao jogo eleitoral em sentido estrito, com as manobras e as armadilhas que as campanhas tenderão a realizar na expectativa de produzir efeitos sobre os adversários.
Outro tipo de reflexão tenta observar o quadro de uma perspectiva mais panorâmica, com os olhos mais no futuro e no modo como o sistema político brasileiro funciona. Trata-se de um sistema marcado pela fragmentação, mas que tem conseguido funcionar com estabilidade, ainda que com baixa produtividade.
Hoje, aquilo que era comum entre os partidos de esquerda mais tradicional (digamos, orientadas por perspectivas revolucionárias anticapitalistas e pela ideia de luta de classes) virou patrimônio nacional. Divisões, disputas fratricidas entre irmãos de sangue, proliferação de dissidências, incapacidade de valorizar o que é comum e mais importante, foco concentrado na conquista do poder, maximização dos planos particulares de cada um: tais práticas cristalizadas pela história, sempre fizeram a esquerda perder posições como força autônoma, desperdiçar oportunidades e se entregar a alianças espúrias para conseguir ir em frente. Faltou a ela a perspectiva política da unidade na diversidade, que no melhor dos casos (o do Partidão) foi feita para além dos muros da esquerda, privilegiando os democratas e os nacionalistas. O próprio Partidão jamais conseguiu estancar a sangria de dissidências que o acompanhou ao longo do tempo.
Deu-se algo parecido com o PT, embora ele nunca tenha podido se vincular claramente ao terreno da esquerda típica: sua trajetória foi mais a de um partido trabalhista que emergiu contestação as tradições, constituiu ele próprio uma tradição e se acomodou na posição de centro-esquerda. No PSDB, que nasceu socialdemocrata mas jamais se deslocou do centro político, a dissidência e a luta interna se camuflaram, graças à própria natureza do arranjo partidário.  
Essa falha constitutiva da dissidência permanente se propagou para todo o universo político. Para começo de conversa, estraçalhou o que poderia ter sido um experimento socialdemocrata de peso. PT e PSDB, do berço comum derivaram para a mais completa animosidade. Depois, mediante o embaralhamento da competição política. Oposições incapazes de se unir para enfrentar a situação e situações obrigadas a fazer coalizões sem pé nem cabeça para enfrentar as oposições.
Em São Paulo, por exemplo, partidos que são aliados no plano nacional (PT e PMDB) não conseguem se entender para enfrentar o PSDB, que beneficiado pela divisão vai navegando em águas plácidas. Ficará mais quatro anos no governo, sem sequer sentir o sopro da contestação. Que existe, é expressivo, mas não se traduz politicamente. O PSDB paulista se reproduz graças à incompetência das oposições – a mesma incompetência que ele, PSDB, exibe onde é oposição.
No plano nacional, partidos que deveriam caminhar juntos (PSDB. PPS e PSB) e acomodar seus apetites para se viabilizarem, batem-se como moleques na porta da escola. Por nada, ou por muito pouco: querem somente saber quem chegará, machucado, quebrado e lambendo as feridas, ao segundo turno, momento em que, combalidos e extenuados, terão dificuldades até para recuperar as forças consumidas na refrega.
Enquanto isso, o PT ensaia uma guinada à esquerda para atrair eleitores recalcitrantes, mas não larga o discurso pró-mercado que lhe garantiu um longo ciclo de 12 anos vividos quase sem reclamação ou contestação por parte do sistema. Uma esquerda moderada que só mostra os dentes para outras esquerdas. Que desmobiliza a sociedade mediante a cooptação de tudo o que respira (menos as esquerdas). E que durante três governos sucessivos não demonstrou desejo e competência para propor uma articulação política que contemplasse maior convergência e cooperação entre partidos reformadores, aí incluídos os de esquerda tradicional. Aliou-se ao que havia de pior no cenário político, desinteressando-se da formação de coalizões de novo tipo e perdendo impulso reformador. Agiu de forma autocentrada, desperdiçando uma grande oportunidade de alterar certas regras do jogo que travam as reformas. Como os demais partidos reformadores nada fizeram para mudar este quadro (foram igualmente autocentrados), o PT foi modelando a agenda e tomando conta de tudo. Distanciou-se da esquerda como ideia e programa. Hoje, não detém capacidade de hegemonia (posto que não educa a sociedade e nem dirige culturalmente), mas domina a política. Com a ajuda de oligarcas e fisiológicos, e sem o concurso dos partidos de esquerda. Nesta toada, sobreviverá aos tempos.
Como não é de se esperar que este roteiro se modifique, ao final de outubro teremos um novo Presidente, mas o quadro caótico de fragmentação persistirá, agravado pelo embrutecimento cívico da população, tratada pelas campanhas como uma massa de boçais desprovidos de opinião e vontade política. Seja quem for o próximo Presidente, a degradação dos partidos principais (PT, PSDB, PMDB) prosseguirá, eles talvez percebam que será preciso ensaiar uma reformulação, novos partidos surgirão (a Rede) e os demais permanecerão como se nada os incomodasse, agarrados a seus nichos de subsistência.
Quanto às propostas de reforma e aos compromissos de mudança, de que tanto falaram as campanhas, continuarão em marcha lenta. Sem solução de continuidade, porque o País necessita delas, mas sem ímpeto vigoroso.
Ou não?

4 comentários:

Marcia Regina Victoriano disse...

Em primeiro lugar, gostei do retorno a esse espaço.
Concordo plenamente e só gostaria de reforçar que para mim o PT tem um papel preponderante nessa situação, desde que seu "projeto político" se esfumaçou no ar. Era dele o papel reformador da política e não de outros.
No mais, gostei do que ouvi esses dias, que seria interessante a vitória de Marina para colocar o PT no "cantinho do pensamento" por um tempo!!!

V. SILVA disse...

Parabéns Professor pela excelente e lúcida análise de nossas misérias políticas e eleitorais.
Ah! Se tivermos de nos conformar que nossos Partidos Jacob Tavares se desculpem dizendo que a verdade absoluta é incompatível com um estado social adiantado, e que a paz das cidades só se pode obter à custa de embaçadelas recíprocas...

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Obrigado, Marcia. Concordo com vc: o PT perdeu a perspectiva reformadora. Poderá recuperá-la, claro. Mas terá de trabalhar com firmeza. Abraço

Marco disse...

Olá, li o comentário da Marcia, sobre o PT, eu estudei com ela na PUC-SP, já uns 30 ou mais anos, eu concordo com ela, votei na Mariana, sempre fui PT, mas sinto que ele acabou entrando na "vala comum" do poder em si.....meu nome Marco Antônio Ribeiro
sifmarco@hotmail.com