sábado, 28 de agosto de 2010

O discurso ausente

Chega a intrigar que em plena campanha para a renovação de toda a cúpula do sistema político brasileiro nenhum candidato ou partido fale em reforma política.

A reforma ocupa o cenário nacional desde a Constituinte de 1988. Ora com estardalhaço, ora discretamente, tem sido vista tanto como necessidade da democracia, quanto como panacéia para resolver o mal que a política causaria aos cidadãos: um recurso para moralizar a atividade dos políticos e colocar a política no devido lugar.

Seria de se esperar que surgisse com pompa e ênfase na propaganda dos candidatos e nos debates entre eles.

Não é o que acontece. De política mesmo, os candidatos falam pouco, e quase sempre sem usar a palavra. Seus discursos concentram-se em realizações, passadas e futuras. Dedicam-se à conquista do governo, apresentado como instrumento para mudar o mundo. É um modo de falar de política, mas não o melhor modo, pois deixa de fora o que realmente importa: as relações entre o poder e os cidadãos, seja no sentido de controlar os excessos e a força do poder, seja no sentido de civilizar as lutas por sua conquista, ampliar e democratizar o acesso a ele e orientá-lo para um exercício socialmente justo e responsável.

Enquanto isso, em crescentes segmentos da opinião pública, permanece a expectativa de que a próxima legislatura faça algo para moralizar a política, punir os corruptos e aumentar a dose de democracia direta e participação no sistema representativo.

É constrangedor que os candidatos não falem de política no momento mais nobre da política, quando se acredita que muitas coisas possam ser modificadas.

É constrangedor, mas dá para entender.

O silêncio dos políticos em relação à política traduz a crise da política, mais que do sistema político. Expressa uma falta de consenso sobre o que fazer para melhorar a política e sobre a escala de prioridades em que deve vir a reforma. Não se sabe bem o que deve ser mudado, nem como ou quando mudar.

O silêncio reflete também o receio dos candidatos de que perderão votos se trouxerem a política para o centro do palco. Acredita-se que, se o fizerem, irão contra a expectativa das pessoas, que prefeririam políticos que não fazem política, tocadores de obras e distribuidores de benefícios palpáveis. Os candidatos, nesse quesito, copiam Lula. Ou melhor, se deixam pautar por ele, com seu estilo de governo “positivo”, de realizações, conversas e movimentações em cascata, que se apresenta como dedicado a proteger e amparar o povo, um estilo tão voltado para animar o imaginário popular e montar um “grande e único Brasil” que terminou por anestesiar a oposição, encantar a todos e fazer de sua candidata a sucessora natural.

O fato é que a política se converteu em assunto incômodo.

Mas não é verdade que ninguém ligue mais para ela ou que todos estejam desinteressados do Estado e das decisões públicas.

O que ocorre é que os ambientes políticos típicos – casas legislativas, partidos, mandatos parlamentares, órgãos governamentais – não são alcançados pelas pessoas. Grupos e indivíduos querem participar, mas só conseguem fazê-lo “fora” do Estado. Aderem a fóruns, seminários, assembléias, instâncias participativas, movimentos, que parecem mais receptivos à dinâmica social vigente. São novas formas de politização, que ajudam a ofuscar e pôr em dúvida as antigas.

O modo de vida atual é participativo. Antes de tudo porque cada um tem de lutar praticamente sozinho para organizar a cabeça, os códigos de conduta e a própria biografia. Não dispomos de suportes sociais consistentes, sejam eles provenientes da família, do Estado ou das igrejas. Estamos no mercado, ou seja, naquele ringue em que se briga palmo a palmo por espaço. Fora daí, há evidentemente vida e coletividade, mas isso pesa pouco no cômputo geral. Para modelar suas vidas, os indivíduos precisam ficar atentos e se mexer. A participação tornou-se um valor, muito mais relevante, por exemplo, do que a igualdade. Participar é bom, correto, meritório.

Impulsiona-se assim a contestação do sistema representativo. Queremos que nossos representantes sejam iguais a nós, limpos, transparentes, produtivos. E ao percebermos que os atos e atitudes dos políticos não são assim, fuzilamos os representantes em bloco, viramos-lhes as costas e passamos a pedir reformas que estanquem a corrupção e intimidem os políticos. 

Uma expectativa de reforma que se volte para moralizar a política está fadada à frustração, porque elege um alvo equivocado e parte do pressuposto, igualmente equivocado, de que a representação deve imitar a vida cotidiana. Produzirá mais estragos que consertos, porque ajudará a diminuir o valor da política e a mantê-la permanentemente às portas dos tribunais.

Claro que é preciso dar uma perspectiva moral à vida pública, impedi-la de fugir do controle. Mas não se conseguirá isso nem com mordaças judiciais, nem com reformas políticas, por mais que essas últimas sejam importantes. Resultados efetivos somente virão se houver fortalecimento do sistema representativo, educação política e mobilização da sociedade. A Lei da Ficha Limpa é interessante, mas é controvertida, e sozinha fará quase nada.

Uma reforma política digna do nome não pode privilegiar a moralização. Seu eixo é o fortalecimento democrático das instituições, a busca de coerência dos partidos, a lisura dos pleitos, a expressão facilitada e equilibrada das preferências da população, a inclusão de novos eleitores. Sua razão de ser é a revitalização das relações entre as pessoas, a sociedade civil e o Estado. É a recuperação do valor da política.

Porque para se ter política mais “limpa” e de melhor qualidade, é preciso ter também mais política. A reforma de que necessitamos será um caminho para que a sociedade se articule melhor com o sistema político, projete nele seu modo de viver, pensar e fazer política. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/08/2010, p. A2].

domingo, 22 de agosto de 2010

A provocante sociologia de Ulrich Beck


Publicado originalmente na Alemanha em 1986, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade, de Ulrich Beck, tornou-se uma espécie de clássico contemporâneo da sociologia. Traduzido por Sebastião Nascimento, chega agora ao Brasil, num lançamento da Editora 34.

Na próxima terça-feira, dia 24 de agosto, às 17h, o fato será registrado na mesa-redonda "Globalização e sociedade de risco: a sociologia política de Ulrich Beck", a ser realizada na PUC de São Paulo.

Beck (1944) é professor de Sociologia na Universidade de Munique, na London School of Economics and Political Science e doutor honoris causa por diversas universidades europeias. É editor do jornal Soziale Welt e da coleção Edition Zweite Moderne [Segunda Modernidade] da editora Suhrkamp, e diretor-fundador do centro de pesquisas "Reflexive Modernisierung" [Modernização Reflexiva], na Universidade de Munique.

Participarei da mesa-redonda juntamente com Luiz Eduardo Wanderley (PUC) e Maria Helena Oliva Augusto (USP). Ela ocorrerá no Auditório 134C, do prédio novo da PUC. Fará parte da programação da Semana de Ciências Sociais, numa promoção conjunta dos cursos de Ciências e Relações Internacionais da universidade.

Escrevi um pequeno texto para as abas da capa da edição brasileira do livro de Beck. Transcrevo abaixo o texto.



A primeira edição de Sociedade de risco foi publicada na Alemanha em 1986, logo após o acidente de Tchernobil: inesperadamente, uma usina nuclear construída para fins pacíficos e em regime de segurança máxima foi pelos ares naquela cidade ucraniana, espalhando caos e pavor pela Europa e suspendendo a respiração do planeta.
O livro de Ulrich Beck chega ao Brasil comprovando sua atualidade e o vigor de sua argumentação. Afinal, ele coincide com a reiteração de um circuito diabólico integrado por catástrofes, crises e tragédias que se sucedem em âmbito global, inquietam e intrigam. Se incluirmos no circuito a escalada da violência banal, do terrorismo e dos crimes hediondos, a sensação de mal-estar que impregna a vida cotidiana, o retorno de doenças que se acreditava controladas, o desemprego estrutural, a desorientação dos jovens em relação ao futuro e o desequilíbrio ecológico, entre tantas coisas, vemo-nos num cenário que exige explicações no mínimo audaciosas.
Seria esse cortejo de horrores e dificuldades a expressão de acidentes normais, de falhas sistêmicas passíveis de prevenção ou da “vingança” de uma natureza cansada de superexploração? Ainda que tais motivos possam ser plausíveis, não há como descartar a hipótese principal que emerge do presente livro: passamos a viver em meio aos efeitos colaterais de uma civilização — a modernidade capitalista industrial — que regurgitou e saiu dos trilhos, voltando-se contra si própria e escapando dos controles que visam ordená-la.
Mobilizando de modo consistente uma admirável rede de conhecimentos e informações, o livro de Beck converteu-se num clássico contemporâneo. Tornou-se obrigatório para quem deseja entrar em contato com a realidade do mundo atual sem cair na mesmice das denúncias ocas contra a globalização ou o neoliberalismo e sem repetir monotonamente os lugares-comuns das boas e velhas teorias clássicas.
Beck trabalha num espaço de transições. Admite que ainda não vivemos plenamente — em todas e em cada sociedade humana — numa civilização fundamentada no risco, mas também que já não estamos mais ancorados na sociedade industrial vinda do século XIX. Seguimos céleres rumo a uma outra modernidade: tardia, globalizada, radicalizada, reflexiva, que nos conecta numa mesma experiência mundial e, com isso, distribui e socializa todos os ônus e oportunidades. Nessa nova modernidade, “emerge um novo tipo de destino adscrito em função do perigo, do qual nenhum esforço permite escapar”. Os sistemas concebidos para proteger e racionalizar convertem-se em forças destrutivas. Ameaças vêm a reboque do consumo cotidiano, infiltradas na água, em alimentos, nas roupas, nos objetos domésticos. Tudo é processado reflexivamente, quer dizer, mediante discussão, elaboração, troca de informações, que voltam a turbinar o circuito. Trata-se de “uma civilização que ameaça a si mesma”, na qual a incessante produção de riqueza é acompanhada por uma igualmente incessante “produção social de riscos”.
Como então compreender a vida seguindo as mesmas pegadas de antes? Como explicá-la com os conceitos e categorias de sempre? Precisamos urgentemente de interpretações que “nos façam repensar a novidade que nos atropela e nos permita viver e atuar com ela”.
O convite feito por Ulrich Beck nesse livro luminoso e contagiante não se dirige aos que pensam que o mundo está acabando, mas aos que sabem que a vida segue, sempre. Sociedade de risco contém sugestões teóricas poderosas. Provoca-nos com achados inusitados. Impulsiona-nos a olhar além. Projeta-nos no olho do furacão.

domingo, 15 de agosto de 2010

Reforma do Estado e crítica do gerencialismo

Frederico Lustosa da Costa, professor da Ebape/FGV do Rio de Janeiro, é meu amigo desde o início dos anos 1990, quando nos conhecemos como professores do Programa de Gestão Social desenvolvido pelo governo brasileiro em diversos estados da federação. É um grande cara e um excelente pesquisador, cuja marca registrada é a procura permanente da reflexão crítica.
Precisamente por isso, Fred não se deixa levar pelos cantos de sereia, pelas últimas modas, nem pelos discursos fáceis. Em tudo o que diz e escreve sobre o Estado, um de seus temas mais fortes, transpira reflexão e criatividade.
Acabo de saber que saiu um novo livro dele, Reforma do Estado e contexto brasileiro, no qual certamente encontraremos uma análise competente desse tema que não sai da agenda pública nacional. Fred sempre defendeu a ideia de que reformar o Estado é algo que pode produzir mudanças nas estruturas de poder mas é mais que isso: é também uma forma de alterar os parâmetros da gestão pública e mudar a performance da burocracia estatal. Ou seja, é algo que se confunde com a política democrática.
O subtítulo do livro também não deixa margem a dúvidas sobre o foco da análise. Fred deseja fazer a crítica do paradigma gerencialista, que tanto sucesso fez anos atrás.
É um livro seguramente instigante, que precisa ser lido com urgência.
O lançamento está previsto para o próximo dia 18 de agosto na Livraria da Travessa, Rua Visconde Pirajá, 572, Ipanema, Rio de Janeiro.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Nabuco em Pernambuco


No ano em que se comemora o centenário de morte de Joaquim Nabuco, Pernambuco não poderia deixar de marcar presença em grande estilo. Na terra natal do abolicionista, que por lá tem o status de herói popular, a Fundação Joaquim Nabuco-Fundaj realizará um grande seminário nacional nos dias 19 e 20 de agosto.

Será uma nova oportunidade para que se analisem a obra e a trajetória de Nabuco.

Para isso, a Fundaj convidou um elenco qualificado de estudiosos e especialistas, que abordarão diferentes aspectos do pensamento e da atuação de Nabuco, recobrindo seus momentos mais importantes e sua biografia política e intelectual.

Haverá transmissão on-line pelo site www.fundaj.gov.br/seminarionabuco.

Informações pelo telefone 81-3073.6579 ou seminarionabuco@fundaj.gov.br

Dois dias antes do seminário, será inaugurada a exposição "O Recife de Joaquim Nabuco", no Museu do Estado de Pernambuco. Certamente será primorosa. Visitarei sem falta.

domingo, 8 de agosto de 2010

Fundap debate reforma política


Depois do primeiro debate presidencial, que frustou muita gente, não houve quem não pensasse que estamos mesmo precisando de uma boa reforma política.
Independentemente de saber se é esse o caminho para que se aumente a qualidade da democracia brasileira e das competições eleitorais, a reforma política é um tema em aberto na vida política brasileira.

Ocupa posição de destaque na agenda do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, na academia e na mídia. E não de hoje: o debate acompanha o processo de construção e aperfeiçoamento das instituições democráticos ao menos desde a Constituinte de 1988.

Nessa discussão, a Ciência Política tem contribuído com estudos sobre as regras atuais e suas consequências para a democracia brasileira e com análises de modelos de democracias históricas e modernas. Na imprensa, a reforma política frequentemente aparece como panacéia para as distorções políticas, mas também com importantes contribuições para o debate a partir de diferentes campos ideológicos. No âmbito da sociedade civil, a reforma política está inserida em um contexto mais amplo, que diz respeito a mudanças no sistema político, na cultura política e no próprio Estado.


Pensando nisso, a Fundação do Desenvolvimento Administrativo-Fundap, órgão técnico vinculado ao Governo de São Paulo, realizará um importante seminário na próxima terça-feira, 10 de agosto. Terei a honra e o prazer de moderá-lo, com o propósito de contribuir para o alcance de melhores percepções do problema.


O seminário acontecerá dia 10 de Agosto de 2010, terça-feira, das 14h às 17:30h, no Auditório da Fundap: Rua Alves Guimarães, 429 5º andar. Pinheiros. SP


Vejam a programação abaixo. Inscrições poderão ser feitas no
site da Fundap.

Programa

1. Reforma política: histórico e estágio atual no Congresso Nacional
Márcio Nuno Rabat
- Membro da Consultoria Legislativa, órgão institucional de assessoramento da Câmara dos Deputados.

2. Sistemas políticos: modelos internacionais comparados
Marcelo Barroso Lacombe - Membro da Consultoria Legislativa, órgão institucional de assessoramento da Câmara dos Deputados. Sociólogo e Mestre em Ciência Política (UNB). Doutor e PHD em Política (New York University).

3. Avaliação e proposições no campo político
José Genoíno - Deputado Federal pelo PT.

4. Avaliação e proposições no campo político
Roberto Freire - Presidente nacional do Partido Popular Socialista (PPS) e primeiro suplente de senador pelo estado de Pernambuco.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O 7º Encontro da ABCP


Entre os próximos dias 4 e 7 de agosto, a cidade do Recife sediará o 7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política-ABCP. Centenas de cientistas sociais participarão de diferentes sessões de apresentação de trabalhos e assistirão a numerosas mesas-redondas, numa programação que recobre os principais eixos de reflexão e pesquisa em ciência política.

Organizado em torno do tema "Política, desenvolvimento & inclusão social no Brasil: Desafios da próxima década", o encontro será uma ótima oportunidade para se dimensionar a contribuição que essa importante área das ciências sociais vêm dando para a compreensão do mundo contemporâneo, do brasileiro em particular.

Terei a possibilidade de participar diretamente de dois momentos do Encontro.

Na sessão de abertura, dia 4, 18h, integrarei a mesa que prestará uma justíssima homenagem a Carlos Estevam Martins, Gildo Marçal Brandão e Jorge Tápia, importantes cientistas políticos que faleceram nos últimos meses.

No dia 5, das 9h às 10h45, estarei na mesa-redonda organizada pelo Grupo de Pesquisa Linhagens do Pensamento Social e Politico Brasileiro (USP/Unicamp/UFRJ/UFSCar/Unifesp/CEDEC), na qual será feito um registro do legado intelectual de Gildo Marçal Brandão. A mesa terá o seguinte formato:

MR27 - Continuidades e descontinuidades: métodos e temas nas linhagens do Pensamento Social e Político Brasileiro
Coordenadora: Vera Alves Cepêda (UFSCar/Cedec)
Expositores:
Luiz Carlos Bresser Pereira (FGV-EESP)
Marcelo Jasmin (IUPERJ)
Marco Aurélio Nogueira (UNESP)

Será com certeza uma bela e importante discussão.

Informações sobre o Encontro podem ser obtidas em http://www.abcp2010.sinteseeventos.com.br/