sábado, 28 de abril de 2012

Desenvolvimento e democracia


Tomie Ohtake, Acrílicas
Parece maduro um novo ciclo de desenvolvimento no país.
Ainda que não se deva simplificar e nem relativizar as importantes distinções que existiram entre os diferentes governos que se sucederam a partir de 1994, trata-se de uma fase que deriva, antes de tudo, da fixação de um padrão de política econômica que já se estende por mais duas décadas. Isso possibilitou a aquisição pelos gestores governamentais, por empresários e trabalhadores, de uma mentalidade mais racional no que diz respeito à gestão econômica, além de ter consolidado a estabilidade monetária e o controle da inflação, que são decisivos para o desenvolvimento.
A fase também está determinada por aquilo que se conseguiu em termos de sincronia de certas potencialidades inscritas nas esferas econômica, social e política. O país tem conseguido retomar o crescimento econômico e ao mesmo tempo reduzir a pobreza e fortalecer a democracia. Desarmaram-se os freios neoliberais.
Fortalece-se uma ideia de desenvolvimento mais estrutural, menos aprisionada a modelos prontos e sustentada por uma articulação específica entre Estado e mercado.  Na sua base, imagina-se um tripé de políticas: responsabilidade fiscal, juros moderados e câmbio competitivo, tudo combinado com uma vigorosa política de transferência de renda que reduz desigualdades sociais e impulsiona o ingresso de grandes contingentes populacionais no mercado interno. É o que alguns chamam de “novo desenvolvimentismo” e outros, de “social-desenvolvimentismo”. Em nome dessa orientação, alimenta-se o pacto político que tem dado sustentação aos governos ao menos desde 2003 – uma espécie de concertação social entre o Estado, o empresariado industrial, os trabalhadores e vastos setores da classe média.
O modelo construído ao longo das duas últimas décadas aponta para um crescimento voltado para o mercado interno, com tendência à expansão das exportações e sustentado pela estabilidade, pela expressiva presença do Estado e pela busca de autonomia empreendida pela política externa. É por isso que há tanta tensão quando se discute a taxa de juros. A economia brasileira está internacionalizada e privatizada.  O “capitalismo dependente” de que se falava na década de 1960 parece ressurgir, com o crescimento econômico se apoiando sempre mais em uma articulação do Estado com grandes empresas multinacionais e algumas poderosas empresas nacionais. Respirando ares globalizados, nossa soberania estatal se afirma de modo compartilhado. A dependência virou interdependência estrutural.
Com base nisso tudo, armou-se quase espontaneamente um sistema de cooptação da sociedade pelo Estado. Seja como resultado das políticas adotadas, seja pelas idiossincrasias do sistema político e pela má qualidade de seus principais protagonistas, seja enfim pela reorganização “em rede” da sociedade, o fato é que o Brasil se converteu num país com pouca participação social autônoma e uma democracia política muito aprisionada aos ritos eleitorais. Há uma inegável democratização da vida social e a conflitualidade está à flor da pele, mas isso transcorre num ambiente marcado pelo poder magnético do Estado, do Executivo, que é no fundo o único articulador. Não espanta que as oposições ao governo federal se revelem frágeis e incapazes de ação eficiente. Estado e sociedade estão próximos, mas a ausência de dialética entre eles faz com que essa proximidade seja mais aparente que real. Tudo funciona de modo regular e estável, mas sem emoção. Ou seja, com pouca política.
Estão aí os principais elementos que dificultam a ação governamental. É que os governos atuam em um sistema que impede sua articulação expressiva com a sociedade, roubando-lhe precisamente os elementos que poderiam ensejar uma governabilidade democrática sustentável. Governa-se de modo até certo ponto inercial: menos pela dinâmica governamental e mais pela falta de movimento autônomo da sociedade. No caso do governo Dilma, também há uma ajuda indireta das oposições, que não conseguem agir como projeto alternativo.
Parte desta situação aparece nas tensões que atravessaram o governo em seu primeiro ano de vida e que não parecem destinadas a arrefecer. São tensões internas ao sistema, que nascem nas bases parlamentares do governo e em seu círculo operacional. A maioria que o apoia não se mostra confiável e lhe transfere permanentes demandas fisiológicas (por cargos, verbas, controle de recursos políticos), muitas vezes paralisando-o ou dificultando sua ação. O sistema também permitiu que muitos esquemas de corrupção se alojassem no coração da máquina governamental, com a consequente produção de uma mixórdia de relações escusas entre o sistema político, o Estado e organizações criminosas, o que desgasta e cria atritos no interior do governo.
O sistema político funciona mal e está aquém do que necessita a sociedade. Não reflete seu dinamismo nem é capaz de assimilar suas agendas. Tem pouca eficiência no processamento dos conflitos e das demandas sociais, está corroído pelo baixo nível e sobrecarrega as operações governamentais. Apesar disto, não se vislumbra nenhuma iniciativa voltada para a reforma política, o que piora a qualidade da democracia. No entanto, enquanto o governo continuar reiterando e expandindo as políticas que têm feito seu sucesso, permanecerá no comando.
Nenhum governo, porém, tem como controlar tudo. A vida social continua a se tornar sempre mais complexa e diversificada. Está meio entorpecida pelo poder de iniciativa do Executivo e sem saber direito como entrar no jogo político. Mas permanece como reserva essencial da democracia e da democratização, podendo fazer com que os ventos mudem a qualquer momento. O que, bem ponderadas as coisas, não beneficiará necessariamente as oposições. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/04/2012, p. A2).

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Da militância política, e além


Em uma época de transformações profundas e aceleradas como a nossa, em que a política perde algumas de suas referências tradicionais e adquire outras novas, em que grupos, classes e instituições parecem não mais estruturar e agregar os indivíduos, ainda é possível falar em militância política? O militante, entendido como alguém que se dispõe ao engajamento disciplinado em causas de longo prazo, ou, ainda mais, ao estabelecimento de vínculos estáveis com partidos e associações, já não se mostra mais como um personagem dos dias atuais. No entanto, a exigência de militância permanece, a impulsionar ética e politicamente os cidadãos. Ela acompanha os sinais do tempo: investe mais na “política-vida” que na “política-poder”, faz-se sem entregas incondicionais e sem invadir espaços individuais, privilegia agendas amplas e usa intensivamente as tecnologias de informação e comunicação. Precisamos assimilar o novo patamar da militância política, que revela muito das sociedades em que vivemos e do modo como passamos a fazer política.
Com base nessa proposição, fiz uma conferência, seguida de debate, no espaço da CPFL Cultura, em Campinas. O evento ocorreu ontem, 26 de abril de 2012.
Os que tiverem interesse na temática podem acessar AQUI o vídeo da conferência. No mesmo link, existem caminhos para outros vídeos da programação, como, por exemplo, o de Renato Lessa, "Reinvenções do Brasil Republicano", que integrou o mesmo ciclo.