terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Nada será como antes

Caricatura de Fabrício "Manohead" R. Garcia
Nunca antes na história desse país houve um presidente como Luiz Inácio Lula da Silva. Encerrada sua dupla presidência, nada será igual. O país que ele nos deixa é outro, para o bem e para o mal. Nem melhor, nem pior, simplesmente diferente.
Lula fez e desfez, aconteceu, circulou e apareceu, mudou o discurso do poder e o modo como a opinião pública se relaciona com seus governantes, pacificou e articulou os mais distintos interesses sociais, a ponto de sair de cena como uma espécie inusitada de glória nacional. Deixou marca tão forte na política, na administração pública e no imaginário popular que será preciso um tempo para assimilarmos sua ausência.
Lula não teve a grandiosidade fundacional e paradigmática de um Vargas, verdadeiro artífice do Brasil moderno, que ele forjou mediante um padrão de intervenção estatal e um “pacto” ainda hoje vigentes. Não trouxe o charme nem o dinamismo de JK, com sua fantasia industrializante de recriar o país, fazendo cinqüenta anos em cinco. Sequer seria justo aproximá-lo de Fernando Henrique Cardoso, cujo refinamento intelectual fazia com que conhecesse a estrutura do país que pretendeu administrar.
Mas Lula foi diferenciado. A começar do estilo. Falastrão, debochado, emotivo, avesso a protocolos e a regras gramaticais, demarcou um território. Líder metalúrgico, filho humilde do Brasil profundo, encontrou uma fórmula eficiente de dialogar com as grandes multidões, valendo-se da exploração de uma espontaneidade que o levou a ser tratado como um brasileiro igualzinho a você, predestinado a promover a ascensão dos pobres graças à magia de uma identificação imediata. Por ter vindo “de baixo” e carregado a cruz do sofrimento, Lula saberia como atender aos pobres. A precariedade da formação intelectual e a falta de gosto por leituras ou estudos sistemáticos seriam compensadas pela percepção intuitiva das carências sociais. Ponha-se nisso uma pitada de sagacidade e se tem a lapidação de um mito.
O estilo Lula de ser presidente caminhou sempre de braços dados com glorificação e a autoglorificação. Foi assim, aliás, que ele abriu caminho no PT. Soube usar a aura que o cercou no final dos anos 1970, quando despontou como expressão de um “novo sindicalismo” que irrompia numa sociedade silenciada pela ditadura e disponível para se emocionar com a movimentação dos operários do ABC paulista. Criou-se assim o signo do trabalhador que se impõe a políticos, estudantes e intelectuais para fundar um partido diferente, uma política de outro tipo, um novo discurso, um distinto modo de deliberar e agir. O bordão “nunca antes na história”, na verdade, nasceu ali, colando-se à sua trajetória.
O estilo sempre esteve próximo da egolatria e da auto-suficiência, combinadas com uma enorme vontade de agradar a todos. Lula nunca reconheceu erros ou cultivou a modéstia. Sua vida teria transcorrido numa sucessão de eventos positivos, modelados por seu discernimento, seu sacrifício e seu espírito de luta. Outros erraram, companheiros inclusive, ele no máximo foi enganado ou ficou imobilizado por perseguições e preconceitos.
Mas é impossível diminuir o tamanho real do personagem. Num país em que as elites políticas, econômicas e intelectuais, apesar de não terem conseguido governar o país com generosidade, nunca largaram as rédeas do governo, a irrupção de um metalúrgico no Planalto deve ser compreendida sem ira nem ressentimento. Tratou-se de um fato excepcional, desses que podem efetivamente sinalizar que algo novo começou a trepidar no chão da vida cotidiana.
A chegada de Lula ao poder não foi obra do desígnio divino, nem derivou exclusivamente de seu carisma ou mérito pessoal. Muita gente se empenhou para isso e a operação exigiu algum sacrifício. O PT, por exemplo, trocou sua identidade operária pela possibilidade de projetar um operário na cúpula do Estado. Depois de ter se recusado a jogar o jogo da redemocratização do país, o partido passou a defender as regras formais e informais do sistema político. Afastou-se dos compromissos de esquerda. Depurado de combatividade e eixo, ficou refém de seu mais conhecido expoente. Alguma semelhança com o papel desempenhado por Luiz Carlos Prestes no velho PCB não é mera coincidência.
A estratégia foi auxiliada pelos fatos da vida. Houve o governo FHC, que venceu a inflação e lançou a plataforma de uma sociedade mais educada para a racionalidade econômica e mais sensível à necessidade de centralizar a questão social. Lula beneficiou-se, também, da consolidação democrática, da expansão da economia internacional e do que isso trouxe de espaço para o crescimento da economia brasileira. Tudo ajudou a que as políticas públicas ganhassem nova preeminência e incluíssem o combate às zonas de miséria e pobreza que devastam a sociedade.
Exagera-se muito na avaliação que se faz de Lula. Na apreciação do que há de positivo em seu governo, nem sempre se dá o devido valor à equipe técnica e política que o assessorou. O bloco de sustentação e a amplíssima coalizão de interesses que montou não se deveram a uma incomum habilidade de negociador, mas sim à recuperação do Estado como agente, à disseminação de práticas generalizadas de composição parlamentar e a uma “racionalidade” dos próprios interesses, que pactuaram para ganhar um pouco mais ou perder um pouco menos. Uma “nova classe média” apareceu, impulsionada pelas facilidades do crediário, pelos programas de transferência de renda e pela impressionante mobilidade da sociedade. Mas não mudou a face do país.
A presidência Lula se completou com a eleição de Dilma Rousseff, sua maior criação. O “animal político” nascido no ABC mostrou que tem corpo e vontade própria. Já não depende mais de um partido para se afirmar e pode almejar ser fiador do novo governo.
Mas nada é tão simples como parece. Todo governante constrói sua biografia e a lógica da política o impele a buscar luz autônoma. Uma hipótese realista sugere que haverá um suave descolamento entre Lula e Dilma. Disso talvez nasça um governo mais ponderado e equilibrado, capaz de substituir a presença de um líder carismático e intuitivo pela determinação e pelo rigor técnico que são indispensáveis para que se possa construir uma sociedade mais igualitária.
Lula entrou para a galeria política brasileira. Mas não inventou a roda, nem começou do zero. Não fará tanta falta quanto imagina ou imaginam. Sua passagem para os bastidores do sistema, ainda que temporária, poderá propiciar uma lufada de oxigênio na política e na dinâmica social, ajudando-as a adquirir mais espontaneidade e a pressionar por agendas de novo tipo.
Nada será como antes, é verdade, mas ninguém lamentará nem se vangloriará disso. [Publicado no caderno Aliás, O Estado de S. Paulo, 26/12/2010, p. J3].

Seguir em frente

Caricatura: Fabrício "Manohead"  R. Garcia
Ano de eleições gerais nunca termina como os demais. Dezembro surge animado e cheio de promessas, menos como fim de período e mais como porta de entrada de um novo ciclo, carregado de esperanças. Há dúvidas e incertezas também, é evidente, mas o clima é de reveillon. O tradicional balanço do que se fez e passou é substituído pela excitação de decifrar o que vem pela frente.
A movimentação frenética dos vencedores é reveladora. No curto espaço de tempo que separa a apuração dos votos da posse dos novos governantes, atiram-se todos na disputa por cargos, na formatação do ministério e dos secretariados estaduais, na distribuição das fatias nobres e das migalhas do poder. O país assiste a tudo parado, com mãos e bocas travadas, entre o indiferente e o curioso. A hora é dos políticos, não dos cidadãos. É quando se destacam os mais hábeis, os mais insistentes, os mais persuasivos, quando fica claro o real poder de fogo das coalizões que irão governar.
O momento também ajuda a que se perceba quem coordenará as ações dos novos governos e decidirá sobre a vida e a morte, isto é, terá a ultima palavra. No plano federal, a pergunta reverberou durante todo o mês: dado o protagonismo e o brilho acumulados por Lula, que papel exercerá ele no governo de Dilma Rousseff e, portanto, nas definições que precederão seu inicio efetivo? Sairá de cena ou permanecerá nos bastidores, influenciando, pressionando, "aconselhando"? Terá cargo compatível com sua estatura real ou presumida? Conseguirá se manter em evidência, de modo a se valorizar como candidato para 2014? Agirá como "reserva moral" da nação ou como "partidário", como homem público ou como cidadão comum?
A resposta a essas questões respinga evidentemente no que se imagina estar reservado à presidenta Dilma Rousseff. Terá ela força suficiente para se descolar de seu antecessor e provar que uma criatura pode muito bem ter vida autônoma perante seu criador? Imprimirá marca pessoal a seu governo, seja em termos de estilo e linguagem, seja em termos de políticas e escolhas?
Estamos há duas décadas vivendo um ciclo virtuoso no Brasil. Sua tônica tem sido a continuidade, não a ruptura ou a mudança de padrão. O segundo Lula deu maior visibilidade à questão social -- ainda que não propriamente à política social -- beneficiado pela recuperação da racionalidade econômico-financeira alcançada por FHC. Ambos contribuíram para ajustar o Estado e imprimir mais profissionalismo à administração pública. Projetaram o país no mundo, dando nova consistência à política externa. Diatribes partidárias à parte, trabalharam na mesma direção e se complementaram. Não fizeram mais porque se deixaram consumir por uma obstinação mal calibrada de acumular recursos de poder. Os dezesseis anos de FHC e Lula só não foram excepcionais porque seus principais operadores -- o PSDB e o PT -- não estiveram à altura do momento.
Nada indica que esse ciclo esteja para se romper, ainda que já se possam notar sinais de saturação. A sociedade quer mais, necessita de governos melhores, que se mostrem mais sensíveis às suas demandas e expectativas. Embora tenhamos progredido bastante, continuamos toscos na arte de governar. Faltam-nos estadistas, lideranças respeitáveis, cidadãos ativos e partidos qualificados para estruturar as correntes de opinião da sociedade e delinear um rumo para o país. Carecemos de políticas públicas mais criativas, especialmente na área social, que viveu os últimos anos à sombra da benevolência e das coreografias presidenciais e ameaça se acostumar a isso.
A partir de 2011, com uma presidenta que não poderá repetir o figurino Lula e será obrigada a inventar um guarda-roupa afinado com sua personalidade e sua biografia, tenderão a ganhar preeminência dois elementos que ficaram secundarizados nos últimos oito anos. A política, por um lado, será mais exigida e os políticos precisarão mostrar mais seriedade e competência. O Brasil está mais complexo e depende, agora, de operações que articulem seus grupos, classes e interesses no plano da representação política, sem pagar preço alto demais para as coalizões de conveniência. Por outro lado, não haverá nenhum encantador de serpentes no Planalto, mas uma governante treinada para agir de modo pragmático e com menos propensão a querer agradar a todos. Uma dose extra de racionalidade técnica poderá impregnar seu governo, com impactos no desenho das políticas e no discurso com que se buscará legitimá-las.
Com mais política e mais racionalidade técnica, maior espaço haverá para a recuperação de alguns fios que se perderam no decorrer dos últimos dezesseis anos. Fios que não se romperam, mas que permaneceram desatados, atrasando o desfecho de certos processos vitais. O fio do desenvolvimento sustentável, por exemplo, que foi bloqueado pela fúria de um desenvolvimentismo mal compreendido. O da justiça social, que não progrediu satisfatoriamente e não se aproximou com firmeza dos parâmetros dos direitos de cidadania, confundindo-se com assistencialismo e generosidade. O da democracia política, que embora tenha se consolidado, ainda deixa a desejar, seja porque não dispõe de uma boa cultura política, seja porque carece de instituições atualizadas e não tem sido embebida do necessário protagonismo social.
Desenvolvimento sustentável, justiça social e democracia política formam o tripé mágico que pode, mais que as habilidades e os atributos de um líder acima do bem e do mal, abrir caminho para a consecução da etapa mais importante da modernização capitalista brasileira, que conduzirá o país ainda marcado pelo passado colonial, pela dependência econômica e pela mediocridade política para a condição de Estado fundado em um livre pacto de cidadãos.  
São conjecturas e especulações de um dezembro aberto para o futuro. Adequadas, portanto, ainda que não necessariamente corretas e factíveis.
Bom ano novo a todos. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/12/2010, p. A2].

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Perguntas retóricas para um fim de ano intrigante


Lula sai glorificado da Presidência por que fez um bom governo, por que é um bom comunicador, por que conseguiu desagradar a poucos, por que conseguiu estabelecer um vínculo de identificação com as massas, ou pela somatória disso tudo e mais um pouco?
Sempre impliquei com a expressão "populismo". Com o passar do tempo, passei a achar que a implicância era dura demais. A expressão pode ganhar o status de conceito, desde que reduzida ao mínimo lógico: estilo de liderança que dispensa mediações institucionais vigorosas e busca permanente interlocução direta com as massas. Desse ponto de vista, é um estilo que se dissemina com facilidade hoje em dia, flutuando sobre os escombros  institucionais do Estado democrático, a desorganização das estruturas de classe e a natureza sempre mais midiática da política. Hoje me pergunto: o populismo atual é a maturação de um estilo que merece respeito ou deriva tão-somente da ruptura dos laços entre partidos e sociedade? É uma falha sistêmica ou somente a lapidação de um procedimento tão antigo quanto andar prá frente?
O destaque e o prestígio de Lula são ou não são proporcionais à desmoralização e à desimportância dos partidos políticos? Teriam acontecido se acaso os partidos continuassem a ser estruturas consistentes, com personalidade própria e capacidade de decidir coletivamente?
Lula deixará saudades ou dentro de alguns meses não será mais que uma lembrança em processo de desmanche?

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Um ano para Nabuco


Foi um centenário para não se botar defeito. 2010 reservou atenção especial a Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos principais pensadores do Brasil profundo e formulador sofisticado de uma importante vertente de explicação da história do país.

Certamente por ter pesquisado bastante o pensamento político de Nabuco, em torno do qual fiz meu doutoramento em 1983, e beneficiado pelo lançamento da segunda edição do livro que dediquei a ele (O encontro de Nabuco com a política. As desventuras do liberalismo. Paz e Terra), pude participar de diversas comemorações. Fui a muitos seminários, congressos e lançamentos. Re-visitei o autor com que convivo há tanto tempo e consolidei algumas das minhas teses sobre ele. Reformulei algumas outras também, felizmente.

Nabuco ocupou grande espaço na imprensa escrita, foi objeto de várias reportagens televisivas, de documentários e de muitas publicações. No dia 5 de dezembro, Ângela Alonso fez uma ótima retrospectiva da movimentação editorial que o acompanhou. Está na Ilustríssima, da Folha de S. Paulo. A constatação de Ângela é inquestionável: a presença do pensamento de Nabuco "transcende o teor protocolar da efeméride e se impõe como chave de interpretação do Brasil do século 21". Muito bom o balanço.

Também vale a pena ler o dossiê por ela organizado para a revista Novos Estudos, do Cebrap, que pode ser acessado aqui, e do qual participei com um texto que passarei a disponibilizar  nesse blog, na seção de artigos e ensaios.

Dos diversos comentários que foram feitos ao meu livro, destaco a excelente resenha crítica elaborada por Bernardo Ricupero na Revista Brasileira de Ciências Sociais, da ANPOCS. (Leiam aqui.) Dialogando de forma fina com o argumento básico do livro -- Nabuco teria estado na "vanguarda da revolução burguesa" que se ensaiava no Brasil do final do século XIX --, Bernardo fornece um rigoroso panorama da pesquisa empreendida. Apesar disso, não se furta a observar que o livro "também tem suas oscilações". Apesar de lidar com maestria com os diferentes Nabucos, mostrando a unidade básica subjacente a seu pensamento e a sua atuação, o livro "não deixa de ter seu Nabuco preferido: o de Nogueira é especialmente o Nabuco da campanha abolicionista". O que não é, na sua visão, propriamente um defeito, já que o autor de O abolicionismo "foi, como poucos, capaz de perceber os traços constitutivos de um país como o Brasil. País alicerçado na escravidão, instituição cuja influência continua a se fazer sentir nos dias que correm, principalmente na dificuldade de se implantar plenamente a cidadania entre nós. Este é, não por acaso, o principal motivo para que Nabuco continue a nos interpelar".

Uma bela resenha, dessas que fazem a gente se convencer de que valeu a pena reeditar o livro. 

domingo, 5 de dezembro de 2010

Morros, guerras e paradigmas

A operação militar no Complexo do Alemão continua causando perplexidade, atenção crítica e repercussões variadas. Não poderia ser diferente. Há muita coisa inédita nela, a começar do esboço de um novo tipo de vínculo entre forças armadas e população, parte importante do que veio a ser considerado o sucesso da operação. Efeito colateral disso foi a recuperação, por parte dos militares, de uma imagem positiva deles próprios perante a sociedade e o Estado. Saídos manchados de sangue dos anos de chumbo da ditadura de 1964, os militares estão agora em condições de repor de forma plena o papel que desempenharam em muitos momentos da história, um papel muito mais de construtor da nacionalidade e de defesa do território do que de fiador da autoridade e do arbítrio estatais. É uma oportunidade e tanto, pronta para ser efetivamente aproveitada.

Um saudável e importante debate seguiu-se aos momentos mais dramáticos da ocupação, quando prevaleceu a passionalidade imagética da cobertura televisiva, em especial daquela modelada pelo padrão Globo. Estudiosos e especialistas estão hoje em atividade, apurando o foco de uma crítica particularmente fundamental, sem a qual os avanços terão muito mais dificuldade para ocorrer.

Luiz Eduardo Soares, um dos principais analistas da questão da segurança pública e da violência urbana, postou em seu blog um excelente texto sobre o tema, que é de leitura indispensável. "A crise do Rio e o pastiche midiático" (veja aqui) reitera a profundidade e as hipóteses com que aborda a questão, sobretudo aquela que insiste no intrincado e espúrio relacionamento de cumplicidade entre traficantes, criminosos e policiais: "O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia", observa. É algo para se destacar como plataforma de reflexão e de intervenção pública. Foi esse, aliás, o centro da excelente entrevista que Luiz Eduardo concedeu ao programa Roda Viva, no último dia 29/11, igualmente disponível no blog.

A edição de hoje, domingo, do Estadão, repercute com riqueza e competência toda a operação. Fernando Henrique Cardoso, num interessante texto publicado na página 2, defende a necessidade de uma integração positiva entre sociedade e Estado para que se possa seguir em frente: "Se agora no Rio de Janeiro as ações combinadas das autoridades políticas e militares abriram espaço para um avanço importante, é preciso consolidá-lo. Isso não será feito apenas com a presença militar, a da Justiça e a do Estado. Este está começando a fazer o que lhe corresponde. Cabe à sociedade complementar o trabalho libertador". A sua é uma posição polêmica, mas precisamente por isso corajosa e estimulante: "Enquanto houver incremento do consumo de drogas, enquanto os usuários forem tratados como criminosos, e não como dependentes químicos ou propensos a isso, enquanto não forem atendidos pelos sistemas de saúde pública e, principalmente, enquanto a sociedade glamourizar a droga e anuir com seu uso secreto indiscriminadamente, ao invés de regulá-lo, será impossível eliminar o tráfico e sua coorte de violência". Vale muito a leitura (veja aqui).

Na mesma edição, o caderno Aliás publica dois excelentes textos de Francisco de Oliveira ("A surda guerra oculta") e de Renato Lessa ("Paradigma do voo rasante", reproduzido do seu blog). Ao passo que o primeiro lembra, com propriedade, que "sob o mantra do combate ao crime organizado, o que se oculta é uma surda guerra de classes", Lessa joga luz sobre a "adrenalina cognitiva" despejada sobre os cidadãos pelo "paradigma Globocop", composto de "um narrador onipresente, dotado da capacidade de tudo prescrutar, e de uma rede de intérpretes fiéis e fidelizados". Trata-se de um paradigma que "opera no vácuo e na ausência de instituições de controle social sobre os agentes do poder executivo, para não falar da rarefação do mundo da representação política". Muito bem sacado.

No Aliás, há ainda uma entrevista muito esclarecedora com a antropóloga Mariana Cavalcanti ("Um espelho no morro").

Em suma, não falta material para que se trate a questão com seriedade e se a insira de modo sustentável na agenda democrática do país.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Cátedra Luiz Werneck Vianna e seminário na UFJF


Com um grande e importante seminário a ser realizado entre os dias 29/11 e 3/12, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) lançará a Cátedra Luiz Werneck Vianna.

Trata-se de uma homenagem, mas sobretudo de um justo e merecido reconhecimento. Werneck Vianna é um dos mais importantes e influentes cientistas políticos brasileiros, autor de obra substantiva, da qual derivou uma consistente teoria política do Brasil.  Sua posição sempre foi singular, especialmente porque soube articular, de forma inteligente e dialética, todas as eventuais "duplas dicotômicas" com que se queira abordar a realidade: atores e circunstâncias, processos e projetos, modernidade e tradição, Estado e sociedade civil, participação e representação. Além do mais, Werneck é um cientista social público, que não somente se dispõe o tempo todo à polêmica, como também busca interpelar os atores e interferir nas batalhas políticas. 

Sua sugestões e perguntas abrem clareiras de compreensão, mesmo quando não trazem consigo respostas prontas e acabadas. Ou talvez precisamente por isso. Sua teoria sobre os dilemas e promessas da modernização capitalista do Brasil, com foco concentrado na dimensão mais imediatamente político-cultural, é de uma riqueza a toda prova. Como marxista arejado, de inspiração gramsciana, um intelectual democrata de esquerda, Werneck Vianna opera num registro que ultrapassa os parâmetros formais da ciência política que se pratica entre nós. Seus textos e suas diferentes intervenções públicas, apaixonadas e muitas vezes de difícil compreensão, trazem sempre um enfoque rigoroso, criativo, sem concessões. Têm servido de referência para que se alcance um melhor entendimento da política  e da história brasileira.  

Gosto muito de uma de suas questões recorrentes: poderá o Brasil moderno se afirmar sem o apoio da tradição? Terá condições de comandar e dirigir a tradição? Se tiver, como Werneck sugere, só poderá fazê-lo se a política estiver no comando. Uma política bem compreendida, não reduzida a ação estatal e governamental nem a "política social", especialmente na versão que tem prevalecido nos últimos anos, qual seja, a de uma política "produzida de cima para baixo, que subestima a capacidade da sociedade de se auto-organizar sem a indução benevolente de um governo compadecido". 

A programação do Seminário é a seguinte:

Segunda-feira (29/11)
19h30 — Conferência: José Murilo de Carvalho.

Terça-feira (30/11)
13h30–16h30 — “O processo de constituição da sociedade Brasileira”, com Gisele Araújo (UniRio), João Marcelo Ehlert Maia (CPDOC/FGV), Robert Wegner (Fiocruz) e André Gaio (UFJF).

18h30–21h30 — “Pensamento social brasileiro”, com Sérgio Miceli (USP), Lilia Schwarcz (USP), Maria Arminda do Nascimento Arruda (USP), André Botelho (UFRJ) e Nísia Trindade (Fiocruz).
Quarta-feira (01/12)
14h–17h — “Modernização, mundo do trabalho e desigualdade”, com Jessé Souza (UFJF), Rogério Dultra (UFF), Antonia de Lourdes Colbari (UFES) e Eduardo Magrone (UFJF).

19h–21h30 — Conferência: Francisco Weffort.

Quinta-feira (02/12)
10h–12h — “Direito e democracia”, com Gisele Cittadino (PUC-Rio), José Eisenberg (UFRJ), Marcelo Burgos (PUC-Rio) e Juliana Magalhães (UFRJ).

14h–17h — “Teoria política, república e Brasil”, com Rubem Barboza (UFJF), Cícero Araújo (USP), Antonio Carlos Peixoto (UERJ) e Raul Magalhães (UFJF).

19h–21h30 — “Perspectivas da democracia no Brasil”, com Maria Alice Rezende de Carvalho (PUC-Rio), Renato Lessa (UFF) e Marco Aurélio Nogueira (UNESP).

Sexta-feira (03/12)
9h30–12h — “Tradição e mudança no Brasil”, com Lúcia Lippi (CPDOC/FGV), Marcelo Jasmin (PUC-Rio e IESP-UERJ), Maria Emilia Prado (UERJ) e Ricardo Benzaquen (PUC-Rio e IESP-UERJ).

14h–17h30 — “Esquerda e democracia”, com Milton Lahuerta (UNESP), Cesar Guimarães (IESP-UERJ), Marcelo Camurça (UFJF) e Luiz Sergio Henriques (Gramsci e o Brasil).

19h– Conferência de Encerramento: Luiz Werneck Vianna (IESP-UERJ).

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Zumbis da representação política

Salvador Dalí - Niño geopolítico mirando el nacimiento del hombre nuevo (1943)
Depois do triste espetáculo de mediocridade que exibiram durante a campanha eleitoral, os partidos políticos brasileiros estão obrigados a prestar contas e esclarecer dúvidas que estão a martelar a cabeça dos cidadãos. Para que servem, o que pretendem fazer, o que podem acrescentar à vida política do País?
Não se esperem cenas de imolação em público. Partidos não são seres dispostos ao sacrifício ou à autocrítica. Funcionam como motores focados num objetivo que subordina tudo a si: o poder, sua conquista e seu uso. Quando perdem, dizem que não foi bem assim; quando vencem, que tudo foi mérito seu e resultado do descortino dos dirigentes.

Partidos são mais como o PMDB, que, nem bem terminadas a campanha e as comemorações, já arrumou novos amigos e constituiu um bloco parlamentar para interferir na montagem do próximo governo, largando pela estrada o PT e a presidente Dilma, até então tidos como seus parceiros incondicionais.

Os partidos ficaram assim: criam problemas para os aliados do coração, traem em nome da amizade, pelas costas, como se tudo fosse normal e natural. Questionados a esse respeito, esclarecem que só agiram com o intuito de colaborar.

Partidos são como boa parte dos políticos: cuidam de seus interesses. Fazem como o prefeito Kassab, que de juras de amor incondicional ao candidato presidencial do PSDB passou à posição "realista" de cortejar o PMDB, em busca de uma vaga mais qualificada nas próximas eleições.

Mas, mesmo que sejam personagens melífluas obcecadas por poder e influência, partidos são estruturas vivas que querem se reproduzir. Sabem quando estão em risco. Percebem quando os cidadãos os convertem em elemento da paisagem e motivo de escárnio ou piada. Sentem que precisam fazer algo para não naufragarem e não perderem espaço político, prestígio ou poder de veto.

Podem então tomar duas atitudes: ou maximizam os recursos de poder de que dispõem para manter alguma força e ensaiar uma "repaginação", ou vão de cabeça erguida para a berlinda, reconhecem os erros e se esforçam para ressurgir. Se a primeira atitude costuma ter sucesso no curto prazo, é trágica no tempo largo, pois cristaliza o que existe de pior nos partidos e os condena à condição de mortos-vivos. É na segunda atitude, portanto, que estão as melhores esperanças e perspectivas.

A época atual não tem sido generosa com os partidos. Não os favorece como estruturas abrangentes, dedicadas à conquista do poder e à organização da sociedade, à agregação de consensos e interesses, à formulação de projetos e ideias. Em vez disso, a época os desconstrói, fazendo que se convertam em zumbis da representação política, que só respiram quando agarrados ao Estado.

A época está tomada pela recriação acelerada e incessante, que os partidos não conseguem acompanhar nem decifrar. Rouba-lhes substância, porque os obriga a se concentrarem no processamento de informações de baixa qualidade e porque quebra os vínculos com classes e movimentos que deram força e sentido aos partidos de massas até os anos 80, mais ou menos. Os partidos de hoje estão afastados da população e dos cidadãos ativos. Não têm militantes, só funcionários. Fazem coisas, mas ninguém sabe bem quais são.

Brigam entre si, mas não deixam claro o que os diferencia. Gastam enorme energia para executarem o básico. Consomem montanhas de recursos e consomem-se nisso, ficando sem tempo e foco para cuidar da própria identidade, da relação com a sociedade, do diálogo com a cultura e a ciência.

A campanha eleitoral de 2010 foi uma vitrine de tudo isso. Nossos partidos estão em sintonia com a grande turbulência que atingiu os partidos e os sistemas partidários no mundo todo. Têm suas singularidades, que correspondem à nossa modernidade capitalista. Ainda praticam, por exemplo, formas arcaicas de clientelismo e mandonismo, fortes em nossos grotões, e não se perturbam em seguir cardápios assistencialistas e paternalistas quando chegam ao governo. Mas são muito piores do que jamais foram.

O que farão agora?

Não dá, evidentemente, para equiparar os desafios do PT e do PMDB, que endossam os louros da vitória, com os do PSDB e do DEM, que mal digeriram a derrota sofrida. Mesmo entre estes dois últimos há boas diferenças, pois não perderam do mesmo jeito nem com a mesma intensidade. Não é à toa que os peessedebistas falam em "revitalização" e os liberais não conseguem disfarçar profunda crise de identidade.

Todos, no entanto, incluídos os menores, terão de esclarecer se têm algo a oferecer. Se quiserem trabalhar para fortalecer a democracia e introduzir padrões dignos de distribuição de renda no País, não poderão mais ficar em silêncio programático, desprezando a inteligência dos cidadãos e evitando os temas fundamentais da vida, da política e da sociedade. Não poderão mais fingir que tudo vai bem quando estão no governo e que problemas só existem porque as oposições são más e incompetentes. Terão de levar a sério a complexidade da época, a gravidade dos problemas nacionais e as dificuldades do Estado democrático atual.

Sem reduzir ou ocultar suas diferenças, estão chamados a celebrar um pacto de novo tipo. Não para dar condições de governabilidade a quem quer que seja ou preparar as próximas eleições, mas para recuperar a dimensão republicana e democrática do Estado. Não para entregar seus discursos ao marketing e ao mercado eleitoral, mas para recuperar e dignificar o valor da palavra, da argumentação e do convencimento racional. Não para tomar posse de cargos e espaços públicos como se fossem coisas particulares, mas para zelar por sua integridade, lisura e eficácia.

Precisamos de um pacto contra a mediocridade, seja no sentido da falta de mérito, seja no sentido da mesmice ordinária. Se os partidos fizerem algo nessa direção, mostrarão que podem voltar a ter vida plena. Farão com que ganhem todos, e não somente os que captarem mais votos nas próximas eleições. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/11/2010, p. A2]

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O discurso, agora em vídeo



Posto o vídeo como um recurso a mais para documentar a solenidade de outorga do título de Professor Emérito a Nilo Odália e a José Aluysio Reis de Andrade, mencionada no post anterior, que também reproduz a discurso na íntegra.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Para Nilo e José Aluysio, meus mestres, com carinho

Foi uma solenidade em grande estilo. Em 23 de novembro de 2010, a Congregação da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Campus de Araraquara, reuniu-se com pompa e circunstância para outorgar o título de Professor Emérito a 3 de seus antigos professores, Nilo Odália (in memoriam), José Aluysio Reis de Andrade e Dante Tringali.
Na vida acadêmica, a figura do mestre não se limita às salas de aula. Expande-se para fora delas, desdobrando-se num exemplo de vida, conduta e postura intelectual. Alcança os estudantes e os jovens, e não tão jovens, docentes e pesquisadores. Os grandes mestres são mais que professores. São lideranças intelectuais: educadores.

Na FCL comecei de fato minha carreira universitária. Em 1976, portanto muito jovem. E sem a companhia, as orientações, a amizade e o exemplo de professores como Nilo e José Aluysio, certamente eu não teria seguido em frente, nem chegado onde cheguei. 

No início de 2004, num artigo escrito para o Jornal da Tarde com o propósito de salientar a importância de professores como Octavio Ianni, Alberto Tosi Rodrigues e Nilo Odália, escrevi que Nilo,  "filósofo, historiador e professor da Unesp, nascido em 1929, encarnou como poucos a universidade clássica, humanista, ciosa de sua missão social, científica e educacional. No correr de sua longa militância docente, foi um homem de princípios, um intelectual e um construtor institucional, um apreciador do diálogo e das boas conversas, defensor intransigente da dimensão pública da educação. Fez com que o ensino e a pesquisa fossem práticas valiosas em si mesmas. Lutou, como tantos outros, pela democratização da vida universitária, seja em termos de poder e de estruturas, seja em termos de ensino e de convivência. Simbolizou, de forma plena, a universidade de debate, estudo e ideais". 

Agora, na solenidade que lhe outorgou o título de Professor Emérito, tive a honra de fazer um discurso de saudação à sua memória, que reproduzo abaixo.
Feliz é a universidade que pode celebrar os professores que hoje homenageamos.
Felizes as instituições acadêmicas que conseguem perceber a falta que faz um intelectual como Nilo Odália, a cuja memória tenho a honra de me referir nessa solenidade.
Instituições são essencialmente as pessoas que as integram. Não são sistemas abstratos, burocráticos. Instituições têm história, constroem-se e se reconstroem ao longo do tempo. As pessoas que por elas passam, quando não lhes são indiferentes, deixam nelas as marcas de sua personalidade, de sua inteligência, de seu modo de ver e compreender o mundo. Transferem para elas seus valores, sua idiossincrasias, sua paixão, seus conhecimentos, seus estilos.
O professor Nilo Odália fez parte de uma geração que tive o privilégio de conhecer e com a qual pude conviver e aprender. É a mesma geração de meu mestre José Aluysio Reis de Andrade, também hoje homenageado. Não se tratou de uma geração como tantas outras, mas de uma geração diferenciada. Estava impregnada daquilo que havia singularizado em chave positiva o ciclo de fundação da universidade brasileira, mas também olhava firme para o futuro. Uma geração de passagem, com a envergadura ética e moral que costumam ter as gerações que atuam como elos de ligação. E foi com essa envergadura que enfrentou o desafio de fazer a UNESP se tornar realidade.
Fiel ao que distinguia essa geração, o professor Nilo foi um construtor institucional. Muito do que há de grandioso na FCL atual nasceu nos anos em que ele aqui atuou. Muito da UNESP de hoje é fruto das sementes plantadas quando Nilo esteve em ação, em Assis, em Araraquara, nos embates inaugurais da Associação de Docentes, na Reitoria, na Fundunesp. Podemos falar o mesmo do professor José Aluysio.
Com eles e com seus companheiros de geração aprendemos que uma universidade honra seu nome quando compartilha e exibe saberes e experiências, não quando desfila títulos, bolsas e índices de produtividade. É forte quando assume o caráter de uma comunidade de destino, não de um agregado humano movido por interesses e apetites. Uma universidade existe de fato quando seus integrantes não passam ao acaso por ela, sugando-a o quanto podem, mas vivem nela de forma ativa, confundem-se com ela, doam-lhe mais do que recebem: têm mais “custos” que “benefícios”, como se diria com a esquisita linguagem de hoje.
Histórias institucionais não são feitas somente de glórias e vitórias. Também conhecem derrotas e tropeços, momentos de refluxo, nos quais se constatam certa fadiga de material e uma perda momentânea de foco. Os representantes da geração que homenageamos hoje enfrentavam esses momentos com determinação, empenho e liderança intelectual. Mobilizavam seus melhores recursos pessoais e buscavam reunir e organizar o que cada instituição tinha de melhor, usando para isso um elenco de valores, princípios, afetos e critérios de nítida configuração coletiva.
Talvez não consigamos mais segui-los nesse particular. Nossa vida institucional se individualizou e se particularizou excessivamente para comportar ações comunitárias ou agregações superiores. Mas podemos muito bem tê-los como referência, buscar neles a inspiração e a energia para prosseguir em condições razoáveis de temperatura e pressão.
Afinal, se as instituições são o resultado do que nela fazem as pessoas ao longo do tempo, então elas não esquecem por completo o produto alcançado por suas sucessivas gerações. E especialmente não se separam do legado deixado por seus construtores, por seus grandes nomes, por suas referências.
Se hoje a FCL e a UNESP têm a grandeza de outorgar o título de Professor Emérito a Nilo Odália e José Aluysio Reis de Andrade, então é de se acreditar que continuam no rumo certo, lutando contra o vento e apesar de todos os pesares e dificuldades.

sábado, 13 de novembro de 2010

Na UFRJ, Simpósio discute pensamento e teoria política

O Núcleo de Teoria Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ realizará nos dias 17 e 18 de novembro, períodos da manhã e da tarde, seu III Simpósio de Teoria Política. 
Coordenado por Cristina Buarque, Ivo Coser e Bruno Carvalho, o Simpósio privilegiará esse ano 3 eixos centrais: Religião, literatura e sociedade no pensamento brasileiro, Cultura, política e pós-colonialismo, Teoria Política Contemporânea. 

Na ocasião, será lançada a Revista de Estudos Políticos.
As sessões ocorrerão no Salão Nobre do IFCS, Largo de São Francisco, nº 1, no centro do Rio de Janeiro.

Inscrições gratuitas poderão ser feitas pelo e-mail  nutep@ifcs.ufrj.br

Veja a programação:

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Unesp discute direitos humanos em Bauru, SP

 Entre os dias 16 e 28 de novembro, em Bauru, interior de São Paulo, será realizada a Jornada Bauruense pelos Direitos Humanos: Educação, Arte e Comunicação.

Organizada pelo Observatório de Educação em Direitos Humanos da UNESP, coordenado pelo professor Clodoaldo Meneguello Cardoso, da programação da Jornada constam palestras, debates, exposições e apresentações artísticas, lançamentos de livros e programas de rádio e TV.

Eis o que diz o texto que acompanha a divulgação:

Quando falamos em Direitos Humanos, estamos nos referindo àqueles valores, conquistados ao longo do tempo, que consideramos fundamentais para a garantia de uma vida digna para todos os seres humanos. Por isso, o desrespeito aos Direitos Humanos é violentar a humanidade que existe em cada um de nós.

São violações dos Direitos Humanos: a tortura, a violência contra a mulher, a criança, o adolescente e o idoso;- o trabalho escravo, a exploração sexual infantil e o tráfico humano; o racismo, o preconceito social, sexual e a discriminação à pessoa com deficiência; a miséria, a fome, o anafabetismo e outras formas de exclusão social; a opressão, o autoritarismo e o cerceamento da liberdade individual e coletiva.

A Jornada Bauruense pelos Direitos Humanos – fruto de parceria entre Poder Público, Instituições da Sociedade Civil, Movimentos Populares e Mídia – tem como objetivos:
  • reconhecer o respeito aos Direitos Humanos como uma vivência coletiva em múltiplas situações cotidianas e de variadas formas;
  • proporcionar, em diferentes espaços e com distintos grupos da sociedade bauruense, experiências, atividades e reflexões nas quais os Direitos Humanos possam contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária.
  • reunir os defensores dos Direitos Humanos da cidade de Bauru, estreitando o diálogo entre eles e a sociedade para somar esforços na luta pelos Direitos Humanos de todos. 

É uma bela iniciativa.
Maiores informações e contatos: 
Site: http://www.observatorioedudh.unesp.br/
Blog: http://jornadadhbauru.wordpress.com
E-mails: jornadadh@gmail.com / oedh@unesp.br

domingo, 7 de novembro de 2010

Colóquio na UFScar discute a política hoje


Nos próximos dias 10 e 11 de novembro, a Universidade Federal de São Carlos-UFScar, em São Paulo, realizará um oportuno e importante colóquio para discutir a atual situação da política. 

Promovido pelos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política e em Filosofia, o encontro terá exposições dos seguintes pesquisadores da UFScar, Unesp, Unicamp, Unifesp e FGV: Eduardo G. Noronha, Wolfgang Leo Maar, Ingrid Cyfer, Denilson Werle, Milton Lahuerta, Nathalie Bressiane, Rúrion Melo, Marcos Nobre e Marta Machado.

Coordenadas por Marisa Lopes, Vera Cepêda e Carla Martelli, as 3 sessões do Colóquio examinarão diferentes aspectos da teoria das instituições e da teoria crítica da política e da democracia, bem como questões relacionadas à justiça, aos movimentos sociais, ao direito e à sociedade civil.

As mesas de discussão ocorrerão  nos Auditórios 1 e 2 da Biblioteca da UFSCar, períodos tarde e noite.

Mais informações:
Secretaria Pós-Graduação em Ciência Política: ppgpol@ufscar.br
Secretaria Pós-Graduação em Filosofia: ppgfmc@ufscar.br
Vale a pena acompanhar e participar.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Lançamento em homenagem a Gildo Marçal Brandão


Na próxima sexta-feira, dia 5 de novembro, em São Paulo, será lançado o aguardado livro com textos de Gildo Marçal Brandão. 

O evento ocorrerá no Centro Universitário MariAntonia, da USP (Rua Maria Antonia,  294, Vila Buarque), a partir das 19 horas. Um pequeno debate enriquecerá ainda mais a noite, concebida também como uma homenagem ao Gildo, falecido no início do ano.

Organizado por Simone de Castro Tavares Coelho e prefaciado por Luiz Eduardo Soares, Brasílio Sallum e Denis Bernardes, o livro contém diversos textos publicados em jornais, livros e revistas, organizados em 3 blocos temáticos: Pensamento Político, Pensando a Política e Teoria Política. Incorpora também o Memorial e a Aula com os quais Gildo se apresentaria ao concurso para Professor Titular da USP.  Reúne, portanto, amplo material com reflexões argutas e profundas sobre o mundo, a política, o Brasil e a trajetória intelectual do autor.

O livro ainda conta com um caderno de fotos apresentado pela organizadora e com um DVD da última entrevista concedida por Gildo para o Instituto Wladimir Herzog.
 
Como observa Simone Coelho, o livro reflete um esforço coletivo que, "embora dolorido, é uma forma de registrar e evidenciar a rica e fértil trajetória intelectual de Gildo".

Gildo Marçal Brandão: itinerários intelectuais será lançado juntamente com outros títulos da Coleção Pensamento Político-Social, dirigida por Élide Rugais Bastos, André Botelho & Gabriela Nunes Ferreira para a Editora Hucitec. 
 
Um belo e oportuno evento.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A sociedade superior à política

 Muitos eleitores votaram em 3 de outubro com a expectativa de um segundo turno que calibrasse o debate eleitoral e reformulasse o modo como os dois principais candidatos ao Palácio do Planalto se apresentaram ao país. Acreditou-se que, com mais tempo de exposição, Dilma e Serra disporiam de uma situação que o primeiro turno inviabilizara. Teriam melhores condições de anunciar e detalhar suas propostas, pondo-as frente a frente num confronto substantivo.
No entanto, as três semanas de campanha que se teve até agora não podem ser comemoradas. Tudo nelas foi decepcionante.
Serra e Dilma atuaram como se fossem candidatos a gerentes do país. Não contribuíram para que a população compreenda que todo governante é um político, não um técnico ou um pai, nem muito menos a “mãe” a que Lula se referiu recentemente, dedicada a cuidar de seus filhos. Responde pela gestão pública, mas também coordena inúmeras atividades, zela pela Constituição, toma decisões de impacto coletivo e deve liderar a sociedade mediante um projeto que sirva de guia para a cooperação, o bem-estar e a auto-realização de todos. Em vez de assim se apresentarem, Dilma e Serra abusaram da primeira pessoa, prometeram mundos e fundos, falaram em metas e planos, mas pouco esclareceram. 
Foram arrogantes e presunçosos. Não trataram os eleitores como partícipes da ação governamental, mas como espectadores, aos quais, se tudo der certo, serão distribuídos alguns direitos, benesses e vantagens.
Nenhum deles falou em democracia política, por exemplo, a não ser de modo genérico e abstrato. Não se ficou sabendo a que conceito de democracia se associam, que compromissos democráticos concretos estão dispostos a fazer, que tradução prática pretendem dar aos governos democráticos que farão. Elogiaram a democracia e seus valores, é verdade, mas nada além disso. Sequer a luta histórica dos brasileiros pela redemocratização veio à tona, só sendo mencionada como detalhe biográfico dos candidatos.
Também não se discutiu política. Nada se falou sobre o sistema político ou sobre como o futuro presidente lidará com o Estado, a administração pública, os direitos, as liberdades, os parlamentares, os adversários, a política externa e as relações internacionais. Ambos mantiveram-se distantes da política: ela seria mais um problema que uma solução. A começar do PT e do PSDB, que mal apareceram. Os candidatos parecem ter concluído que falar em política – mesmo que com P grande – implicaria perda de votos e apoios, que seriam obtidos e consolidados num território alheio à política. Jogaram fora, com isso, excelente oportunidade para ajudar a população a compreender as dificuldades da vida real, a complexidade do ato de governar, a natureza agonística da política. Reduzida, no palco do debate, a troca de acusações, a política se deteriorou ainda mais aos olhos do eleitor.
Dilma e Serra são quadros democráticos de qualidade, posicionados em dois pontos distintos mas convergentes da social-democracia. Suas biografias contam a favor deles. Têm preparo técnico para governar o país, sabem do que falam e pesam nas respectivas coligações. Como entender que tenham deixado suas campanhas naufragar num oceano de mediocridade, absurdos e baixarias?
Uma explicação fácil, mas não equivocada, é dizer que cederam passivamente aos apelos do marketing, deixaram-se formatar sem reação, ainda que tenham centralizado as decisões de campanha e controlado seus respectivos staffs de comunicação e propaganda. Prova disso foram os debates de que participaram. Assimilados para constranger e difamar o adversário, pressioná-lo ou desequilibrá-lo, foram politicamente desastrosos e eleitoralmente discutíveis.
Outra hipótese é que ambas as campanhas se deixaram sugar pelo novo significado que vem sendo assumido pela política: política como sinônimo de gestão e acesso ao poder, por um lado, e como fardo, esperteza e trucagem, por outro. É um significado que brota da era em que vivemos, movida a globalização, consumo, desconstrução social e individualização, na qual tudo ganha dimensão espetacular e por isso necessita aparecer como espetáculo, mais pelo efeito que pelo conteúdo. Guerra de bastidores, pequenas e grandes agressões, artimanhas oportunistas de teor obscurantista e muito protagonismo paternalista dominaram o drama que se buscou encenar, impossibilitando a discussão aprofundada dos importantes temas que foram postos na mesa, do aborto à questão social, do desenvolvimento à reforma política.
Porém, por mais que se tenha desperdiçado uma chance de ouro para a renovação da política e do discurso eleitoral, o país que sairá do segundo turno não será necessariamente pior. A sociedade resistiu à política de má qualidade exibida pelas duas campanhas. Vetou a lógica plebiscitária e maniqueísta que se tentou imprimir às eleições, mostrou que sabe pensar além de ganhos imediatos e neutralizou a introdução enviesada de temas morais e religiosos, ainda que nesse último caso também tenha deixado se excitar parcialmente por eles.
Ainda teremos uma semana pela frente, e algum fato novo sempre poderá surgir.  Mas, salvo acidentes inesperados, a sucessão presidencial será cumprida sem atropelos ou tensões, seja quem for o vencedor. Desse ponto de vista, a sociedade amadureceu. Mostrou ser uma plataforma consistente, que pode se impor. A ruindade do debate, a indigência política das campanhas e as táticas empregadas não impediram que o país enfrentasse com serenidade e espírito cívico o processo eleitoral.
A expectativa, agora, é que a mesma sociedade que soube ser superior aos candidatos consiga processar o declínio político que estamos assistindo e, com isso, crie condições para que a política renasça e empreste maior qualidade à democracia. Se algo assim vier a acontecer, os eventuais efeitos colaterais da disputa serão amortecidos e desarmados. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/10/2010, p. A2].

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Instituto Nabuco de Estudos em Governo e Diplomacia



Durante o 1º Congresso de Escritores Brasileiros em New York, intitulado “Nabuco e o Novo Brasil”, a ser realizado entre os dias 20 e 22 de outubro, o anfitrião e organizador do evento, Domício Coutinho, presidente da Brazilian Endowmente for the Arts (BEA), e o coordenador adjunto, Humberto França, lançarão o Prêmio de Literatura Joaquim Nabuco e o projeto do Instituto Joaquim Nabuco de Estudos Avançados de Governo e Diplomacia. 

É algo a ser comemorado,pois consolidará o importante trabalho de difusão da cultura brasileira feito pela BEA nos Estados Unidos e contribuirá para a aprofundamento e a multiplicação de pesquisas e estudos na área de relações internacionais. 

O encontro será inaugurado na sede da Americas Society, em 20 de outubro, e irá acontecer também nos espaços culturais da West Point Military Academy, no dia 21,  e, na Columbia University, no dia 22.

O Congresso contará com a participação dos conferencistas Gregory Rabassa, da CUNY; David Jackson, da Yale; Marco Aurélio Nogueira,  da UNESP; Charles Coutinho, Ph.D NYU;  Maria Helena Machado, da USP;  Daniel Piza, do jornal O Estado de S. Paulo; Humberto França, da Fundação Joaquim Nabuco; Mary Del Priore; Lourival Holanda, da UFPE; Antônio Arnoni, da Unicamp; Wander de Melo, da UFMG; Joshua Enslen, da West Point Academy e Steven Topik, da California University-Irvine.
Mais informações sobre o Congresso podem ser obtidas pelo telefone (212) 371-1556, pelo e-mail: congresso.bea@gmail.com  ou na sede da BEA, 240 East 52nd Street (entre a 2nd e 3rd Ave).

sábado, 9 de outubro de 2010

Nabuco em Nova Iorque


                                  
Numa nova demonstração da importância e do prestígio de Joaquim Nabuco nos Estados Unidos, a Brazilian Endowment for the Arts, associação cultural e artística sediada em Nova Iorque, promoverá entre os dias 20 e 22 de outubro próximo um interessantíssimo seminário sobre o pensamento e a trajetória desse que foi o primeiro embaixador brasileiro na América.

Contando com a participação de diversos intelectuais e estudiosos da obra de Nabuco, o seminário terá sessões em três diferentes locais: na Americas Society (dia 20), na Academia Militar de West Point (dia 21) e na Columbia University (dia 23).

A Brazilian Endowment for the Arts é uma organização sem fins lucrativos que visa desenvolver e preservar as artes, as letras e a cultura brasileira na América. Presidida por Domício Coutinho e tendo Humberto França como vice, a BEA está localizada no centro de Manhattan e promove regularmente eventos de natureza artística e cultural. Também abriga a Biblioteca Machado de Assis, com acervo de mais de 3 mil títulos.

Para informações sobre a BEA, clique aqui.  Para obter detalhes do seminário, escreva para congresso.bea@gmail.com

domingo, 26 de setembro de 2010

A política em estado de sofrimento


A poucos dias da ida de milhões de brasileiros às cabines de votação, não há festa cívica no país. Nunca antes tivemos um processo eleitoral tão insosso e despolitizado, tão vazio de elementos para que se entendam o mundo em que vivemos e o ciclo em que ingressaremos, seja quem forem os próximos governantes.

Não vale a pena investir contra os políticos, ainda que a responsabilidade deles deva ser apontada. Talvez eles estejam sem forças, não tenham sabido reagir e se deixaram engolir pela pasmaceira geral. Pode ser que somente sejam o produto da prevalência de um modo de fazer política que se deleita em disputar a atenção dos mais pobres em troca de promessas ilimitadas de abrigo e proteção – um populismo atualizado e matreiro, mas nem por isso menos deletério. Embalado pela adesão generalizada das massas e das elites do país, esse modo de fazer política encurralou a oposição democrática, fazendo dela uma caricatura, um corpo sem pernas e sem cabeça, erraticamente em busca do tempo perdido.

O mal-estar que acompanhou a campanha não é um produto mecânico da má qualidade dos políticos, nem uma falha das instituições. Tem dimensão universal, pode ser sentido em outras partes do mundo. A perda de confiança na política, o desinteresse da opinião pública pelos políticos, a sensação generalizada de que trabalham mal, que mais criam do que resolvem problemas – tudo isso parece entranhado na cultura da época. Estamos perante um problema que está além de responsabilidades pessoais ou institucionais.

Há vida aqui fora. Os problemas e dificuldades se repõem sem cessar, agravando desníveis e desigualdades. A sociedade manifesta sua insatisfação e suas contradições de diferentes maneiras, mas sua voz não assume forma política, não consegue se unir nem definir com clareza o alvo a atingir. Faltam-lhe operadores e recursos organizacionais. A política entrou em estado de sofrimento, a representação parece levitar, como se não tivesse bases de sustentação.

É o preço que se está pagando pelo ingresso da humanidade numa nova fase do capitalismo, movida a velocidade, tecnologia, consumo, fluxos ininterruptos de informação, conectividade permanente.

No caso brasileiro, para complicar, o Estado e a política estão confundidos pelo cruzamento de modernidade tardia e condição periférica: ficamos excessivamente modernos sem deixarmos de ser pobres, desiguais e atrasados. A mistura desses dois universos é terrível. Embaça tudo. As instituições políticas se mantêm, mas perdem eficácia e qualidade. Soltam-se da sociedade e passam a afastar os cidadãos das decisões referentes à coletividade. Os eleitores flutuam, sem saber ao certo o destino real de seu voto e sem compreender a lógica do sistema eleitoral.

Os políticos, por sua vez, não se mostram à altura dos tempos. Estão sem estatura técnica e intelectual, lealdade ao povo e uma idéia de país. Vítimas não inocentes desse sistema, os partidos sobrevivem, mas não participam das eleições como forças ideológicas ou programáticas coesas, não se comportam como expressão de movimentos orgânicos de opinião. Reduziram-se à luta pelo poder.

Os bons parlamentares – sim, eles existem – não parecem possuir peso e articulação suficientes para dar às casas legislativas a expressão que precisam ter, nem para desfazer a imagem negativa que as cercam. Com isso, os cidadãos ficam despojados de uma instância confiável de representação política e de processamento democrático de demandas e reivindicações.

A propaganda eleitoral acentuou a gravidade da situação. Mais uma vez, foi marcada pelo mais puro bestialógico. Teve alguma serventia na parte dedicada aos cargos executivos, mas foi patética no caso dos candidatos às Assembléias Legislativas e ao Congresso Nacional. Apresentou-os a contragosto, como personagens secundários, aprisionados em camisas-de-força que os transformaram em marionetes e ventríloquos. Não deram espaço para debates que valorizassem o trabalho legislativo e explicassem sua importância para a população, ou que ao menos indicassem ao eleitor a relevância que esse ou aquele candidato tem no partido a que está vinculado.

Vista como medida de alto impacto democrático por facilitar a comunicação dos políticos com os cidadãos e abrir espaços para todos os candidatos, a propaganda eleitoral gratuita sofre as consequencias de um efeito não-desejado: quanto mais é controlada e formatada pelo marketing, mais escapa do discernimento dos políticos, mais os degrada e mais rebaixa o discurso político. Apequena a política, entregando-a a jogos de cena histriônicos, acusações bombásticas, revelações sensacionalistas, traições inusitadas.

A política, no fundo, ajustou-se às exigências da época: também ela se tornou “visual” e “imagética”, repleta de luzes e mercadorias. Ao fazer isso, passou a correr o risco de deixar de ser exatamente aquilo que mais se espera dela: um espaço de reflexão crítica sobre o Estado, de agregação cívica de interesses e expectativas, de firme confronto de idéias. Se a política não puder ser isso, se não privilegiar o debate público e não for uma espécie de viga que não se dobra nem à vontade dos poderosos nem aos hábitos passivos dos cidadãos, então se converte em mera luta pelo voto e em “gestão”. Ou seja, vira quase nada.

Para descobrir porque as atuais eleições foram tão sem graça, podemos ponderar que, diante de propostas que não lhe falaram à razão, que oscilaram entre a autoglorificação, o radicalismo verbal abstrato e o tecnicismo gerencial, que exibiram candidatos desencarnados de partidos ou correntes de idéias, o eleitor optou pela acomodação. Em vez de terem criado condições para uma reflexão coletiva sobre o país e o mundo, as eleições empurraram o cidadão para um conservadorismo defensivo e meio alienado. Talvez isso nos ajude a entender o que sairá das urnas. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/09/2010, p. A2.]