sábado, 24 de outubro de 2009

Homenagem a um grande intelectual público


Luiz Palma, O Aleph

A morte do cientista social Carlos Estevam Martins, aos 74 anos, ocorrida duas semanas atrás em São Paulo, privou a intelectualidade brasileira de uma de suas aves raras.

Carlos Estevam foi daqueles intelectuais de visão abrangente, refinada, avessa a modas, especializações e formalidades. Não atuou somente como professor, ainda que sua carreira docente tenha sido brilhante, tanto na USP quanto na Unicamp. Recusou-se a seguir passivamente os cânones da academia, escapando de suas armadilhas e de sua arrogância. Mergulhou no mundo da gestão e da política, atuando durante anos como diretor de projetos da FUNDAP e sendo Secretário de Estado da Educação por duas vezes, na primeira metade da década de 90, durante os governos do PMDB. Nascido no Rio de Janeiro, trabalhou no ISEB e foi um dos fundadores, o primeiro diretor e o autor do manifesto do Centro Popular de Cultura, da UNE, criado em 1962. Ali, ao lado de Vianinha, Leon Hirszman e Ferreira Gullar, dentre outros, experimentou os caminhos da arte popular. Depois do golpe de 64 e do fechamento do CPC, mudou-se para São Paulo e participou da formação do CEBRAP em 1969, juntamente com Fernando H. Cardoso, Francisco Weffort, José A. Giannotti e Francisco de Oliveira.

Carlos Estevam rejeitou a torre de marfim da especialização e dos princípios abstratos sem se converter em mero operador tecnopolítico. Foi um intelectual público, bem próximo daquela figura que o marxista italiano Antonio Gramsci tornou famosa: um agente de atividades gerais que é portador de conhecimentos específicos, um especialista que também é político e que sabe não só superar a divisão intelectual do trabalho como também combinar “o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade”. Ave rara.

Foi também escritor talentoso, que escrevia para ser lido por todos, não somente pelos pares ou iniciados. Publicou dezenas de ensaios sobre história das idéias, política externa brasileira, redemocratização, sistema político, Estado e capitalismo no Brasil. Alguns de seus livros são preciosos, como A tecnocracia na história (1975), Capitalismo de Estado e modelo político no Brasil (1977), O circuito do poder (1994).

A polêmica foi sua marca registrada, impulsionada por uma inventividade exuberante.

Quando, em 1977, saiu Capitalismo de Estado e modelo político no Brasil, a discussão correu solta. Choveram aplausos e questionamentos. Passado o primeiro temporal, Carlos Estevam escreveu um artigo em resposta às críticas, “A democratização como problemática pós-liberal”, publicado pelo Cebrap. Queria ampliar a discussão, explicitar as “alegrias e dores de cabeça” trazidas pelo livro. Elaborou um texto sintomático do seu modo de ser, saudando os “intelectuais capazes de dar o devido valor ao debate de idéias, audazes trapezistas dispostos a passar por cima das divergências de opinião, que sempre existem, para ir buscar a compreensão empática do ponto de vista alheio”. Nele, declarava sua disposição de dialogar com a sociedade. “Os mandarins são misantropos, comunicam-se com o público impessoalizado ou com os discípulos, jamais com o próximo”.

Foi uma oportunidade de ouro para que se clareassem posicionamentos e estilos: “Nunca consigo fugir à tentação de imaginar que há outros fatos além dos dados disponíveis, assim como não resisto à propensão de supor que qualquer teorização pode ser refeita por meio de mudanças de ênfase, graças à introdução de novos elementos conceituais até então não incluídos na estrutura do marco teórico”. Não duvidava do valor e da utilidade das pesquisas empíricas, mas não admitia que seus resultados pudessem resolver questões e pendências que se alojavam em outras dimensões da vida real. Para ele, o mais importante era interrogar o “presente como fluxo”, buscando as “oportunidades, promessas e ameaças que ele encerra para o futuro dos diferentes grupos e classes sociais”.

O rigor com palavras e conceitos foi outra de suas preocupações. Numa das últimas intervenções, em 2005, na revista Lua Nova, manifestou sua perplexidade “face ao que se diz e se prega a respeito de democracia, cidadania e temas conexos”. A situação derivada da hegemonia neoliberal e da emergência de uma “nova esquerda romântica” degradara o vocabulário. Em tempos de despolitização, tudo tenderia à diluição. “Nova esquerda” e direita neoliberal se confundem sempre mais e estabelecem “relações homólogas” (isto é, de equivalência, ainda que não de identidade), que ajudam a despojar a política de critérios razoáveis de embate e compreensão. A questão passa a ser a defesa da “sociedade contra o Estado e os partidos políticos”, como se existisse um “Partido Único da Sociedade Civil” que dispensaria tudo o que está institucionalizado.

Daí a “maldição” lançada contra conceitos e valores essenciais para a democracia: Estado, burocracia, nação, partidos políticos, representação. No lugar deles, formando uma espécie de discurso único, um outro léxico estruturado pela dupla mercado e sociedade civil. Como então esperar que a democratização se desenvolva “numa sociedade em que a opinião pública é levada a hostilizar toda uma série de elementos ideais, quadros institucionais e mecanismos operacionais” sem os quais a democracia não pode funcionar?

Carlos Estevam Martins foi um “pessimista da inteligência”, mas em nenhum momento deixou de acreditar que seria possível lutar por um futuro melhor, tarefa para a qual seria imprescindível a presença de uma esquerda “menos subdesenvolvida, que não deixe tanto a desejar”. Como escreveu em 2005, nunca teremos “um vigoroso pensamento de esquerda se cada linha de esquerda não tiver o direito de cumprir o seu dever, qual seja, o de explicitar sua identidade, definir seus antagonistas, cultivar sua tradição e criticar e atualizar sua trajetória no campo da teoria, assim como no da prática política”.

Fará muita falta. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/10/2009, p. A2.]

Eleições e meios digitais



Depois da aprovação das novas regras eleitorais, a chamada minirreforma política feita pelo Congresso Nacional, a internet entrou de fato na dinâmica das eleições. Em 2010, quando serão eleitos os governadores de estado, deputados, senadores e o Presidente da República, teremos excelente oportunidade de verificar o peso real que as novas tecnologias de informação e comunicação terão em nossa vida política. A expectativa é grande, mas são poucos os que conseguem, hoje, dimensionar com rigor o efeito político e eleitoral dos meios digitais. Terão eles alto ou baixo poder de decisão? Ajudarão a consolidar e aperfeiçoar a democracia ou serão nova arena de disputa dos grandes interesses econômicos? Modificarão o modo como os candidatos dialogam com os cidadãos, tornando o discurso político mais inteligente e mais próximo dos problemas cotidianos e das necessidades das pessoas?

No último dia 23 de outubro, o jornal Valor Econômico publicou um ótimo artigo da minha amiga Dora Kaufman e de Pedro Cabral sobre o assunto. Nele, em linguagem qualificada e direta, são apresentadas as inflexões mais importantes do tema, com foco privilegiado na situação brasileira. Vale a pena lê-lo, pois registra com clareza os novos termos do jogo eleitoral, que refletem os novos termos do jogo social, ou seja, do modo como estamos vivendo.

Vejam aqui.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A política como prática cotidiana


Foi com esse mote que o jornal A Gazeta, de Vitória, ES, apresentou a entrevista que concedi ao jornalista Vitor Vogas, publicada na edição de 12 de outubro de 2009.

Por que defender a política? Isso não seria o mesmo que defender os políticos, coisa que, hoje em dia, parece mesmo indefensável? Com as instituições políticas em pronunciada crise ética, como falar de política sem se associar imediatamente ao mal ou ao mundo do poder, com sua dupla face de pressão e sedução? Na esteira dessas perguntas, muitas vezes não respondidas, os cidadãos vão se afastando da política e acabam por empurrá-la para um baú de coisas inúteis.

Mas será que justamente por ser essa a situação não é hora de remar contra a maré? De insistir na idéia de que, por mais desacreditada que esteja a política, cada cidadão deve procurar praticá-la cotidianamente e aprimorá-la naquilo que está a seu alcance? A hipótese é de que esse pode ser o caminho para evitarmos um mergulho na barbárie.

A entrevista pode ser acessada nesse link.

domingo, 4 de outubro de 2009

Gracias a la vida, Mercedes Sosa




Mercedes Sosa, "La Negra", foi mais que uma grande cantora. Defensora apaixonada dos direitos humanos, tornou-se um símbolo da esquerda latino-americana, que sempre apoiou.

Nascida na província argentina de Tucumán, começou a cantar aos 15 anos. Nunca mais parou. Foi censurada e perseguida durante os governos militares. Em 1979, em plena ditadura, foi presa no meio de um show na cidade de La Plata, juntamente com o público presente. Dias depois, partiu para um exílio em Paris e Madri, até 1982, quando voltou para a Argentina.

Gravou inúmeros sucesos: Si Se Calla el Cantor, Volver a los 17, Los Hermanos, La Carta, Sueños Con Serpientes. Gravou diversos duetos com artistas brasileiros, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gal Costa, Milton Nascimento, Fagner e Beth Carvalho. Era considerada uma das maiores difusoras da obra da cantora e compositora chilena Violeta Parra, depois de transformar "Gracias a la vida" em seu tema emblemático.

Mercedes lançou recentemente o álbum duplo "Cantora", indicado esse ano para o Grammy Latino. Nele, dividiu espaço com Caetano Veloso, Shakira, Gustavo Cerati, Charly García, Fito Páez, Julieta Venegas, Joan Manuel Serrat, Joaquín Sabina, Lila Downs e Calle 13.

Deve ser um belo CD. Gracias a la vida.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Antídoto contra eleitores desmotivados


Está no site do Espaço Cultural CPFL o podcast com o áudio da entrevista que concedi a eles, em agosto, na ocasião dos encontros em torno do tema Política para que te quero?”, integrante da série Invenção do Contemporâneo de 2009

Qual o papel da política em nossa vida? Ainda precisamos dela para o convívio em sociedade? Em tempos de crise no senado, o que podemos esperar dos políticos e das instituições políticas?

A entrevista explora a idéia de que o Brasil hoje não se interessa pelo assunto muito por causa do comportamento de seus governantes. Mas não somente por isso. O modo de vida atual está dissociando a política do cotidiano das pessoas, que não conseguem ser suficientemente envolvidas por ela. Há uma crise de convicção na utilidade da política. Porém, apesar disso, e paradoxalmente, a política ainda segue sendo o melhor antídoto para a construção de sociedades integradas e mais igualitárias. Se os cidadãos estão apáticos, “política neles".

A entrevista também toca na questão da influência da internet nas disputas eleitorais. Ainda que muita coisa possa mudar com a utilização das tecnologias digitais nas campanhas, o fator decisivo ainda segue sendo outro. "As eleições continuam sendo vencidas por dinheiro, marketing e relações".

O podcast da entrevista pode ser acessado e baixado aqui.