quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Davi e Golias




Fariam bem os apoiadores e simpatizantes de Marina Silva se vestissem as sandálias da humildade e não cantassem vitória antes da hora. Não há nada definido no país.
Depois de crescer forte nas duas últimas semanas, mudando a qualidade do processo político e do debate eleitoral, Marina entrou em outro ritmo. Não caiu, mas não continuou a subir freneticamente como antes. Comeu o pão que o diabo amassou com a pancadaria que recebeu dos adversários. Foi atacada por todos: petistas, tucanos, evangélicos, conservadores, ultra-progressistas, esquerdistas, grande mídia, mídia governista, blogues e redes sociais. Viraram a mulher de ponta-cabeça. Quando conseguia se defender de um jab ou desviar de um upper, vinha um golpe de MMA na testa. Ficou de pé, mas não sem arranhões.
Se considerarmos que a caixa de ferramentas e maldades das campanhas Dilma e Aécio, do PT, do PSDB e das máquinas governamentais ainda nem entraram em ação, dá para prever que dias duros e sangrentos virão pela frente.
Para Marina, claro, sobretudo, mas também para o debate político democrático.
Como sabem todos, campanhas eleitorais estão sempre sujeitas e chuvas e trovoadas. Não são para amadores, nem para pessoas de fino trato. Primeiro, porque os candidatos cometem erros. Segundo, porque shit happens, acidentes acontecem e fatos inesperados aparecem. Terceiro, porque disputas eleitorais são processos de lutas e embates, de tiroteio explícito, nos quais vencem os que machucam e ferem com mais contundência. O realismo inerente a este tipo de luta recomenda sempre que o importante é derrotar o adversário por completo, sem dó nem piedade. A correlação de forças entre os lutadores, portanto, tem peso expressivo.
Candidatos mais ricos, que controlam mais recursos políticos, tendem a operar com enormes vantagens. Recursos políticos: grana, postos e cargos governamentais, mecanismos de propaganda, redes parlamentares, máquinas governamentais, partidos estruturados, tempo de rádio e TV. Golias dificilmente perdem para Davis.
Pode, porém, acontecer. Basta que um dos fatores apontados acima se manifeste, ou por desejo da Fortuna ou pela Virtù, ou por alguma inusitada combinação das duas. Além disso, o uso prolongado do poder nem sempre beneficia. O poder, como descreve ampla literatura, vicia, inebria e deforma. Induz a erros, que são difíceis de serem expurgados: os políticos não são seres treinados para reconhecer erros, não lidam bem com eles. E erros, quando não são devidamente expurgados e processados, penalizam.
Uma longa convivência com o poder não só pode levar à saturação como também a um envolvimento desgastante com um sistema de trocas e apoios, ao convívio cotidiano com uma rede de interesses variados, à perda de contato com o mundo externo (as pessoas da sociedade), o que produz desgaste de imagem, mesmice e cansaço cívico. Com isso, um candidato em princípio poderoso, rico em recursos, pode ter dificuldades de sobrepujar um adversário que venha com o símbolo da novidade no peito e a promessa de um futuro diferente nas mãos. É muito difícil, mas pode acontecer.
A atual disputa Dilma vs. Marina passa em boa parte por aí.

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