sábado, 24 de julho de 2010

Apoios e problemas

É compreensível o empenho do Presidente Lula para fazer de Dilma Rousseff a próxima governante do país. Deveria haver menos calor moralizante nas acusações que a ele se fazem. Afinal, não há ocupante de cargo de comando que não queira ver em seu lugar, na impossibilidade de nele continuar, alguém que o suceda de modo positivo, isto é, como continuidade, sem ajustes de contas e com os devidos encômios. Quem está prestes a sair de um cargo move-se pela pretensão de projetar nele uma sombra, sente-se responsável pelo que virá. Faz isso mesmo sabendo que depois, passados os primeiros meses do novo governo, o sucessor dele se distanciará, ou para alçar vôo próprio ou para corresponder às mudanças de conjuntura ou de correlação de forças.

Todo governante enfrenta esse dilema quando se aproxima o desfecho de seu mandato. Para ajudá-lo a não cair em tentação, os Estados republicanos valem-se de mecanismos de controle e moderação – no caso brasileiro, os tribunais eleitorais, por exemplo –, bem como da disseminação, na população e especialmente na classe política, de uma cultura específica e de uma ética pública, imune a invasões espúrias ou particularistas.

Certos aspectos da conduta de Lula estão associados a essa relação do governante com o Estado. Não são de ordem moral. São éticos e políticos.

Um deles é o da transgressão da legislação eleitoral, que veta o uso da máquina pública (e, portanto, da palavra, dos atos e do gestual do Presidente) para promover e favorecer candidaturas ou coalizões eleitorais. Indiferente aos rigores e às penas da lei, Lula tem sido recorrente na violação das regras e dos limites legais. Foi advertido e multado, pediu desculpas, mas não se abalou. Sua campanha em favor de Dilma ultrapassou a dimensão republicana que se espera seja considerada por qualquer executivo público.

Esse é um item já bastante destacado pela crônica política. Não é o caso de explorá-lo ainda mais ou de submeter o Presidente a um tribunal. Mas dele derivam duas consequencias principais, que precisam no mínimo ser consideradas.

A primeira é a banalização da lei, a disseminação de uma imagem de que a lei só vale para os outros, de que sempre se pode dar um jeito de escapar de suas restrições. Lula dá um péssimo exemplo ao país, que fica ainda pior por vir do alto, de uma liderança que goza de extraordinário prestígio e popularidade. Ele, a rigor, não precisaria se dar a tais exageros. Poderia se preservar e com isso transferir mais valor para nossa República. Seria aplaudido por todos. Como se costuma dizer, é de cima que devem vir os melhores exemplos. Ou, nas palavras de Marina Silva, candidata do PV, “quanto mais amigo do rei, mais alta é a forca”.

Lula tem se incomodado com o que julga ser um cerco à sua liberdade de opinião e ação, uma tentativa de inibi-lo para que “finja não conhecer” sua candidata. "Há uma premeditação para me tirarem da campanha para impedir que eu ajude a Dilma", disse ele dias atrás. Parece não levar na devida conta certas obrigações do cargo que ocupa.

A segunda consequencia é a fragilização da candidatura Dilma. Ela vem ganhando impulso sem se desvencilhar da acusação de que não consegue andar com as próprias pernas – de que é uma marionete do Presidente ou mera criação de marketing, alguém cercado de dúvidas e indefinições. A recente frase da candidata, a esse respeito, só faz pôr mais lenha na fogueira: “sou produto feito pelo governo do presidente Lula, um dos maiores governos que este país já teve".

Pode-se ponderar o quanto for, mas a fragilidade da candidata de Lula é real e subsistirá enquanto ela não revelar seus próprios recursos, em suma, mostrar-se de corpo inteiro, sem suportes externos ou maquiagem.

Não é difícil imaginar quantos governantes foram eleitos, aqui e no mundo, com apoios ostensivos de líderes prestigiosos. Apesar disso, nem sempre conseguiram fazer bons governos. Muitos foram fracos, confusos, anódinos, como se se ressentissem da saída de cena daqueles que lhe deram vida. Talvez não tenham causado maiores estragos em suas sociedades. Mas certamente contribuíram negativamente tanto para a instituição Governo quanto para a própria governança. Fizeram com que seus países ficassem girando em círculos, sem resolver seus problemas e sem definir um rumo para o futuro.

Não se pode dizer que Dilma Rousseff, se eleita, venha a ser uma presidenta fraca. Não há elementos cabais que atestem ou sugiram isso. Mas também não há nada, até agora, que diga o contrário, ou seja, que comprove sua independência, sua capacidade e sua liderança. O fato de ter, por trás de si, o apoio dedicado de Lula e do PT não lhe concede nenhuma virtude adicional. Essa ela terá de mostrar na prática, quer dizer, indo à luta com os próprios recursos. O discurso continuísta é confortável, mas insuficiente. E a pressão presidencial a seu favor distorce a democracia eleitoral.

A boa prática de um governante não começa somente quando se inicia seu governo. Começa antes: na sua biografia política, nos apoios que é capaz de agregar, em seu preparo técnico e também no modo como conduz a campanha que o levará ao cargo. Não se trata de exibir “experiência administrativa”, mas de fixar uma imagem de autonomia, coerência e consistência.

A democracia, aliás, espera que todos os candidatos a postos executivos demonstrem ter ideias próprias, capacidade pessoal de liderar o sistema político e de interpelar a sociedade, força magnética para articular apoios e imprimir novos rumos ao país, determinação para fazer frente aos interesses poderosos que tentam retirar soberania do Estado. É essa exigência democrática que continua a dar aos governantes condições de governar com os olhos no conjunto da população e especialmente naqueles que são mantidos em níveis indignos de subsistência e exploração. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/07/2010, p. A2]

domingo, 18 de julho de 2010

A herança africana em fotografia


Meu amigo Leandro Rosa, de quem fui professor na Unesp anos atrás, é hoje Assessor para Gêneros e Etnias da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Nessa condição, participou ativamente do projeto "África em Nós", uma maravilhosa campanha lançada em 2009 para incentivar fotógrafos amadores e profissionais a registrar aspectos variados da presença e da herança africana no nosso cotidiano.

Mais de 7 mil fotos foram enviadas, número que por si só revela o impacto da campanha e a força da cultura afro-brasileira. Posteriormente, 101 fotos foram selecionadas pelo fotógrafo Walter Firmo e reunidas num catálogo e numa exposição. Ambos, catálogo e exposição, são uma obra de arte, que merece muito ser conhecida e apreciada. Ganhei de Leandro o Catálogo, que folheei embevecido e diversas vezes nos últimos dias.

Na apresentação que redigiu para o Catálogo, ele observou:

"Vemos que o exercício do olhar, que a sensibilidade dos fotógrafos e fotógrafas amadores/as ou profissionais que responderam a nosso chamado, seja com uma máquina de última geração, seja com o celular ou mesmo revirando seus baús em casa, foi uma ação consciente, foi o desvelar de um cotidiano. Os rostos, sorrisos, paisagens, situações, mostram um país único, mas cheio de contrastes. Percebemos que, no ato de valorizar a herança africana, acabamos por valorizar todas as outras heranças presentes e constituintes de nossa nação. É fácil perceber, nas fotografias enviadas, que a herança africana não está mais só, ela se juntou a outras e influenciou e foi influenciada, mas que sobretudo está presente, vigorosamente presente em nossas vidas".

Disse tudo, e com propriedade.

Quem puder, deve procurar o Catálogo . Na sede da Secretaria de Estado da Cultura (Rua Mauá, 51, 2º andar), no bairro da Luz, em São Paulo, deve-se passar na Assessoria de Gêneros e Etnias, preencher um cadastro e retirar o livro. Gratuitamente! Mas é preciso correr, pois existem somente poucos exemplares.

Quem conseguir, deve comemorar. É uma beleza.

domingo, 11 de julho de 2010

E España ha arribado!

Uma vitória merecida. Não só pelo que fez durante os 120 minutos da partida final, mas pelo que foi acumulando ao longo dos últimos anos. A Espanha veio de baixo, quer dizer, da base, dos sub-20, cultivados pacientemente. Xavi, Iniesta, Alonso, Marchena, Pedro, Navas, quem sabe a maioria, foram sendo encaixados e acabaram por fornecer o eixo de uma equipe que sabe o que fazer com a bola. Que combina espírito tático, controle do jogo e genialidade individual. Quem tem Xavi e Iniesta tem muita coisa.
A partida final foi uma partida final: calculada, disputada, tensa, definida em detalhes e em oportunidades perdidas. Uma bela final. Talvez uma partida não muito bonita, mas seguramente uma partida para quem vê o futebol como uma totalidade dialética, uma competição agonística em que nem sempre vence o melhor mas na qual o melhor fica evidente.
A Espanha merece festejar. Como está no lead da edição digital do El País:
"El 11 de julio ya es un día histórico en el deporte nacional. España ha ganado su primer Mundial. Un golazo de Iniesta a cuatro minutos del final de la prórroga ha acabado con un partido agónico, en el que hubo oportunidades para ambos y Holanda jugó con mucha dureza. Ochenta años después de que echara a andar la Copa Jules Rimet, España es la octava campeona. El sueño ya es realidad."

quinta-feira, 8 de julho de 2010

E agora?

O que parecia difícil, aconteceu: e com direito a exibição de gala da Espanha. Vicente del Bosque, o técnico, entortou a Alemanha. Geniais Xavi, Iniesta e Xabi Alonso. Garra pura de Puyol. Uma grande partida, com pouquíssimas faltas. A Espanha teve de tudo: paciência, habilidade, disciplina tática e dedicação, além de alguns jogadores excepcionais. Bálsamo para o futebol!
Com o que jogou contra a Alemanha, a Espanha ganhou cara de campeã. Mas a Holanda é um time articulado, com muitas reservas técnicas, Snejder e Robben, frieza absurda e determinação para ganhar um título que já deveria ter vindo. Promessa de grande jogo na final. Difícil arriscar palpite. Mesmo em termos de torcida, fico dividido, pois as duas seleções são simpáticas e estão afiadas. Se vencer a Holanda, será a correção de uma injustiça com a genial "Laranja Mecânica" e as gerações de Cruyf, Neskens, Van Basten, Rijkaard, Bergkamp e os irmãos De Boer... Se for a Espanha, prêmio para a persistência e para o futebol bem jogado, com bola no pé, toques criativos e inteligência.

sábado, 3 de julho de 2010

Cartuns para pensar

Bem, agora teremos mais dois dias sem Copa. Abstinência forçada. Menos mal que não precisaremos ficar à espera de mais uma exibição triste da seleção brasileira, que volta prá casa com o rabo entre as pernas, sem glória nem caneco. Se Joachim Löw conseguiu montar uma Alemanha com ginga brasileira, Dunga nos fez amargar o pior pesadelo, ao armar um time previsível e burocrático bem ao estilo do futebol europeu dos anos 6o e 70.

Serão duas grandes partidas, com ingredientes épicos e espetaculares. Quatro equipes que estão praticando um excelente futebol, no qual se combinam equilíbrio emocional, eficiência técnica e tática, talento individual e garra. Mereceram chegar.

Enquanto aguardamos, nada melhor que ir aos cartunistas e humoristas, esses geniais artistas da imagem e da palavra que, com suas canetas, seu nanquim e seu papel schoeler nos ajudam a refletir sobre o que passou e o que virá.

Afinal, como escreveu o Tutty Vasquez, há uma agenda positiva a ser explorada: "Entre as lições que a eliminação da Copa vai deixar nesse grupo, Kaká aprendeu a dizer palavrão novo durante o jogo contra a Holanda".

O grande Liberati marca presença sempre com estilo: sua Vovózela é maravilhosa.

A amostra termina com o contundente traço do J. Bosco.


Azedou - por J. Bosco