quinta-feira, 27 de março de 2008

O cinema reflexivo de João Batista de Andrade

Charge de Henfil (presente de Carlito Maia para JBA), 1978


O cineasta João Batista de Andrade dispensa apresentações. Sua intensa atividade e sua dedicação ao cinema são largamente conhecidas. Muitos de seus 17longas-metragens são referências na história do cinema nacional, como é o caso de "Doramundo" (1977), "O Homem que Virou Suco" (1979), "A Próxima Vítima" (1983), "O País dos Tenentes" (1987) e "O Cego que Gritava Luz" (1996). João Batista também é importante como documentarista e escritor, além de ser autor de dezenas de curtas e médias-metragens empolgantes, refinados, reflexivos. Vale a pena visitar seu site oficial (http://www2.uol.com.br/joaobatistadeandrade/home.htm).

O que pouca gente sabe, ou sabia, é que João Batista dirigiu um dos primeiros filmes de embate direto com a ditadura militar de 1964, o documentário Liberdade de Imprensa. Agora, 40 anos depois de ter sido realizado, o filme – apreendido pelo exército em 68 – foi restaurado pela Cinemateca Brasileira e está finalmente chegando ao público, em dois lançamentos quase simultâneos realizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Trata-se de um evento para ser comemorado e divulgado aos quatro ventos, pois não somente resgata um pedaço decisivo da história brasileira, como especialmente possibilita que a obra de um de nossos maiores cineastas venha à luz de modo integral.

Reproduzo abaixo o convite com os detalhes do evento:

Quero convidar a todos vocês para o lançamento de meu primeiro filme, “Liberdade de Imprensa”, documentário de 1967, média metragem (25min/16mm), produzido pelo movimento universitário e apreendido pelo Exército no Congresso da UNE, em Ibiúna/1968, onde estaríamos acertando a distribuição nacional do filme.

"Liberdade de Imprensa" foi agora restaurado pela Cinemateca Brasileira sob patrocínio da Petrobrás. Considero que só agora estamos fazendo o verdadeiro lançamento deste filme, 40 anos depois, como parte da programação oficial do "É tudo verdade - Festival Internacional de Documentários".

Na ocasião será também lançado o livro Cinema de Intervenção, 40 anos do documentário inaugural da obra de João Batista de Andrade, de Renata Fortes e JBA, editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, dentro da “Coleção Aplauso”.

Na mesma sessão teremos ainda a exibição do segundo filme que realizei, o curta “Portinari, um pintor de Brodósqui”, de 1968, único filme sobre Portinari (10 min/35mm).


SÃO PAULO

Data: 01/Abril/2008 – 19h

Local: Cinemateca Brasileira

Lgo. Senador Raul Cardos0, 207 - Vila Mariana


RIO

Data: 28/março/2008 – 20h

Local: Instituto Moreira Salles

Rua Marquês de São Vicente, 476 - Gávea




domingo, 23 de março de 2008

Automóveis, caminhões e votos

Por vias transversas, sem cálculo e planejamento, aos trancos e barrancos, as eleições municipais em São Paulo parecem ter ganhado um eixo de animação.

Depois de sucessivos picos de congestionamento, cada um pior que o anterior, houve como que um despertar coletivo: a cidade está parando, e do jeito que vão as coisas aquilo que se estimava como cenário futuro converteu-se em ameaça iminente. O horror ficou escancarado à luz do dia.

Como bola de neve, o tema foi se consolidando na linguagem cotidiana. Todos passaram a dele se ocupar, do usuário dos transportes coletivos aos que trafegam em automóveis particulares, dos comerciantes aos caminhoneiros e motoristas profissionais. Hoje não se fala de outra coisa.

É de se imaginar que o tema tenha sido registrado pelos homens de marketing das próximas campanhas eleitorais. A Prefeitura e a Companhia de Engenharia de Tráfego tentaram reagir, anunciando medidas concebidas para atenuar o problema. Acendeu-se uma luz de alerta para os políticos.

A imagem de uma cidade paralisada pelos automóveis deixou de ser literária para se tornar expressão de uma fatalidade, de algo que acontecerá inevitavelmente e contra o que pouco se pode fazer. Repôs-se assim um tipo específico de pessimismo paralisante, que de algum modo tem estado entranhado na experiência dos paulistanos desde que São Paulo ingressou em seu ciclo de expansão industrial, urbanização descontrolada e gigantismo. Pouco a pouco, o morador da cidade foi-se dando conta que é a cidade que o controla e o impulsiona, como uma turbina com vontade própria. Os espaços vitais – onde se pode simplesmente viver a vida, descansar, cultivar amores, prazeres, filhos e amizades – foram sendo triturados pelo mecanismo febril que faz girar a roda do progresso, do consumo, do desenvolvimento a qualquer custo. O paulistano repentinamente se viu sem uma cidade, órfão de uma polis.

Pelo menos desde os anos de 1960 há quem venha a público, periodicamente, pregar que a cidade deve “parar de crescer” se quiser de fato encontrar um padrão suportável de convivência entre vida urbana e vida econômica, entre população e espaços.

São Paulo jamais parou de crescer e não há nenhum indício concreto de que venha a fazer isso proximamente. “Parar de crescer” sugere um ato de vontade, uma decisão. Desliguemos os motores, reduzamos os investimentos produtivos, planejemos a cidade para que ele funcione com menos gente e deslocamentos. Façamos algo antes que a cidade decida, por si só, estacionar e engula seus habitantes.

Não há como imaginar, nos dias correntes, decisão semelhante. Primeiro, porque não há quem a tome ou a introduza na agenda política. Faltam estadistas para governar a cidade, faltam sujeitos coletivos organizados e capazes de ação sistemática de longo prazo. Depois, porque tudo está direcionado em sentido oposto: cresçamos mais, multipliquemos os automóveis, criemos mais empregos e interações produtivas, sejamos desenvolvimentistas. Este é o mantra do nosso tempo, e contra ele pouco podem os discursos alternativos. Até mesmo a idéia de sustentatibilidade e de um crescimento consciente, que preserve simultaneamente o meio ambiente e as pessoas, circula com dificuldade e tem pouquíssima tradução prática.

No caso específico do trânsito de São Paulo, há um agravante desesperador: a cidade nunca teve uma política inteligente e consistente de transportes. Prefeitos e governadores se sucedem sem que nada seja feito nesta direção. Já houve um tempo em que só se pensava em obras viárias: mais espaços e facilidades para a circulação. Construíram-se viadutos, túneis, minhocões, vias expressas, como se o desafogo pudesse frear, ele próprio, o desejo de cada morador de possuir o próprio veículo particular e incentivá-lo a usar o transporte público. Nos últimos anos, voltou-se a falar em melhorar os meios coletivos de deslocamento. Fala-se muito, faz-se quase nada. O metrô mal sai do papel, arrasta-se por crateras inacabadas, movido a investimentos contidos e a ações mal articuladas. De repente, as atenções se voltam para os trens metropolitanos e para a eventual cobrança de pedágios urbanos, sem que isso traga consigo qualquer inovação ou valorização dos ônibus, que continuam entregues à própria sorte: precários, sujos, lentos, barulhentos, desconfortáveis, gerenciados por empresas pouco sensíveis à coletividade e imunes ao controle social.

O fato é que nos aproximamos dramaticamente de um ponto de não-retorno. É insensato achar que nada mais pode ser feito, que tudo o que vier a ser proposto será inócuo, que a cidade segue em marcha batida para o caos. Existem técnicos competentes para projetar alternativas, nichos intelectuais capazes de reflexão crítica, núcleos associativos e pessoas dispostas a brigar pelo interesse geral. Além do mais, não é para processar demandas e interesses, construir consensos e tornar possível o impossível que existem políticos e governantes? Não é para isso que eles servem?

O processo eleitoral prestes a se abrir fornece um excelente palco para que os interessados em reinventar São Paulo se apresentem. Se os candidatos agirem segundo o padrão prevalecente nos últimos anos, dando aos eleitores tão-somente mais do mesmo – ou seja, propostas midiáticas, desconexas, carentes de um plano integrado, silentes sobre os angustiantes problemas cotidianos dos paulistanos –, daremos um passo a mais em direção ao precipício. Comportando-se como se a solução fosse eminentemente técnica e não tivesse uma dimensão ético-política incontornável, que exige a educação cívica e o envolvimento ativo das grandes maiorias, poderão até ganhar votos, mas não darão um passo sequer para mudar a cidade.

Candidatos e partidos têm uma oportunidade de ouro para fazer a diferença e plantar uma nova perspectiva para o governo da cidade. Vejamos como se sairão. (Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/03/2008, p. A2).

sexta-feira, 14 de março de 2008

Nabuco em Yale

Joaquim Nabuco foi embaixador brasileiro nos Estados Unidos entre 1905 e 1910. Morreu no cargo, fechando assim seu último ciclo de vida, depois da militância empolgante do abolicionismo (1880-1888) e dos anos de recolhimento e ostracismo (1890-1899), quando teve de digerir a derrocada da Monarquia e assimilar a consolidação da República.

Chegou aos Estados Unidos doente e frustrado por não ter conseguido ocupar uma embaixada na Europa. Mesmo assim, procurou brilhar e cumprir um papel. Seduziu os círculos diplomáticos, políticos e intelectuais de Washington e recebeu inúmeros convites para proferir conferências em círculos literários e universitários de todo o país. Continuou a se equilibrar entre a paixão intelectual e o dever profissional, buscando causas que contivessem uma boa dose de universalismo, possibilitassem vôos literários e repercutissem nos destinos do Brasil. Encontrou esta causa no pan-americanismo, que, naqueles anos, embora fortemente associado à política de potência dos EUA, sugeria um caminho para que os países latino-americanos ganhassem maior poder de fogo diante dos imperialismos europeus. Para Nabuco, a união americana teria um parceiro natural no Brasil, sempre “leal a seu continente”, e contribuiria para que se introduzisse, no mundo, uma perspectiva de maior harmonia entre ordem e liberdade. Não era uma causa destinada a ter ressonância popular, como a abolição, mas seguramente não se tratava de um súbito raio estético, descolado da realidade, estranho à lógica dura da política.

Em maio de 1908, Nabuco foi convidado para proferir duas conferências na Yale University. Falou sobre Camões, literatura brasileira e portuguesa, sentimento de nacionalidade e história do Brasil, buscando associar tais temas ao valor estratégico da amizade e da cooperação entre os países das Américas.

Para comemorar o centenário desta visita, o Departamento de Espanhol e Português e o Council on Latin American and Iberian Studies da Yale University realizarão um seminário no próximo mês de abril, cuja programação está reproduzida abaixo.

Coordenado pelo professor Kenneth David Jackson, o seminário revela o prestígio e importância de Nabuco na história das relações Brasil-Estados Unidos, além de indicar o cuidado simbólico e as preocupações acadêmicas de uma das mais importantes universidades norte-americanas. Dele participarão: João Almino; Leslie Bethell, Oxford University; Stephanie Dennison, University of Leeds; Humberto França, Fundação Joaquim Nabuco, Recife; K. David Jackson, Yale University; Jeffrey Needell, University of Florida; Marco A. Nogueira, UNESP; Paulo Pereira, PUC-SP; John Schulz, Brazilian Business School; Norman Valencia, Yale University.

JOAQUIM NABUCO AT YALE

Brazilian Statesman, Author, Ambassador

A Centenary Commemoration (1908-2008)

Conference Program

2:00 p.m. Friday, April 4, 2008

Sterling Memorial Library, Lecture Hall


Welcome and Opening

K. David Jackson, "A Statesman in the Academy: Joaquim Nabuco at Yale"

Stephanie Dennison, "A Aproximação das Duas Américas: Joaquim Nabuco's promotion of Brazil in US Universities"

Leslie Bethell, “Joaquim Nabuco and the Abolition of Slavery in Brazil

João Almino, "The Earthenware and the Iron Pot: Nabuco’s Utopia for the Two Americas."


Reception, 5:00-6:30 p.m.

Ezra Stiles College, 19 Tower Pkwy


10:00 a.m. Saturday, April 5, 2008

Sterling Memorial Library, Lecture Hall


Norman Valencia, "Joaquim Nabuco and Camões"

Marco A. Nogueira, "Do abolicionismo à diplomacia, um liberalismo multifacetado"


Humberto França, "Joaquim Nabuco e Elihu Root, A viagem pan-americana”



2:30 p.m. Saturday, April 5, 2008

Sterling Memorial Library, Lecture Hall


Paulo Pereira, "The Role of Joaquim Nabuco at the Brazilian Embassy in Washington (1905-1910): Between Idealism and Pragmatism"


John Schulz, “Nabuco and the Failure of Social Reform”


Jeffrey Needell, “Glory at Dusk: Nabuco’s Activism, His Meditation, and the Choice for Diplomacy.”