segunda-feira, 31 de maio de 2010

Polarizações a partir da mesma matriz


O cientista político Luiz Werneck Vianna agora é colunista semanal do Valor Econômico. Com isso, ganham todos os que apreciam suas finas e sempre criativas análises políticas. Ocupando espaço a cada semana, ele estreitará sua abordagem crítica da conjuntura, mas não deixará de apresentar uma visão abrangente do país.
No artigo desta semana (31/5), Werneck retoma sua consagrada tese da hegemonia que São Paulo passou a ter na política nacional, depois dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula. O texto é muito bom, especialmente porque considera a longa duração e procura decifrar a trajetória dos dois grandes partidos que prevalecem hoje, o PT e o PSDB. Filhos da mesma situação objetiva -- os nascentes movimentos sociais que no início dos anos 1980 faziam parte da resistência ao regime militar --, ambos os partidos viriam ao mundo com muitas ideias comuns sobre o que seriam os males do país. Ambos assimilaram, por exemplo, a tese de que seria necessário romper com a "herança ibérica" que teria amaldiçoado a modernização do país, amarrando-a à prevalência do Estado e, por extensão, ao autoritarismo político, às políticas de clientela e ao burocratismo parasitário. Com isso, passaram a agir contra os efeitos do "patrimonialismo" e em nome do que Werneck chama de "matriz do interesse".

Por serem expressão de setores sociais distintos, mas também por efeito da competição política e eleitoral em que se engajaram, PT e PSDB se distanciaram com o tempo: "Nascidos no mesmo solo, com vários pontos em comum, essas duas florações da social-democracia brasileira, partindo de São Paulo, igualadas em força aí, mais do que aproximar as suas convergências, se entregam a uma dura luta por território".

Apesar disso, nunca deixaram de estar próximos, até mesmo nas recorrentes tentativas de atrair para si os setores mais atrasados da sociedade e da política brasileira. Chegando ao governo, o PT precisou se aliar com a direita e o fisiologismo para ter base de apoio parlamentar e abriu mão da denúncia do imposto sindical e da CLT, que atrelaria os sindicatos ao Estado e roubaria assim a autonomia sindical. O PSDB o acompanhou nesse quesito, algumas vezes sob a forma do silêncio e da omissão.

A frase de Werneck é perfeita: "Com isso, os impulsos modernizadores vindos de São Paulo são moderados pelo cálculo político que preside a disputa entre seus grandes partidos - um deles, o PSDB, governando o Estado há vinte anos e pretendente a governá-lo por mais quatro. Para cada qual importa, além das questões inarredáveis de suas agendas, capturar o maior número possível de forças aliadas, indiferentes ao atraso político e social que representam, como no caso, por exemplo, do Maranhão do clã de Sarney, cobiçado pelo PT, ou do PTB de Roberto Jefferson, objeto de desejo do PSDB".

O artigo na íntegra pode ser lido clicando aqui.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Lançamento de livro e palestras em Campo Grande




No dia 28 de maio, sexta-feira, em Campo Grande, MS, participarei de eventos relacionados ao lançamento da segunda edição do meu livro sobre Nabuco, O Encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo, publicado pela Editora Paz e Terra. Na ocasião, também farei a palestra “Joaquim Nabuco e a reforma social como estratégia de desenvolvimento”.


O lançamento e os eventos são promovidos pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP/MS), em parceria com o Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e com o Departamento de História da Universidade Católica Dom Bosco.


Às 9h, o encontro será no Anfiteatro do CCHS da UFMS (Cidade Universitária). Mais tarde, às 19h30, no Anfiteatro do Bloco A da UCDB (Av. Tamandaré, 600, Jardim Seminário).


Certeza de boas discussões, além de ambiente simpático e produtivo.

sábado, 22 de maio de 2010

Sai na Itália o "Dicionário gramsciano"

É uma iniciativa que passará à história das ideias políticas.

Coordenado por Guido Liguori e Pasquale Voza, professores e pesquisadores vinculados respectivamente às universidades da Calabria e de Bari, na Itália, o
Dicionário gramsciano 1926-1937 apresenta, pela primeira vez, todo o léxico específico do marxismo de Gramsci, reconstruindo e detalhando o significado das palavras e dos conceitos presentes nos Cadernos do cárcere e nas Cartas do cárcere. A edição é de Carocci Editore, Roma (http://www.carocci.it).

Trata-se de um esforço coletivo, que mobilizou o trabalho de dezenas de colaboradores de vários países (Brasil incluído). São 600 verbetes, que conjugam rigor científico e clareza de texto, operações essenciais numa obra que pretende contribuir, ao mesmo tempo, para o estabelecimento de parâmetros teóricos mais consistentes e a divulgação do pensamento de Gramsci.

A linguagem de Gramsci é específica. Traduz as reflexões criativas feitas pelo dirigente comunista no cárcere, concentradas na reelaboração teórica do marxismo e particularmente de sua teoria política. Como explicam Liguori e Voza, o léxico gramsciano "inventa palavras novas e reinventa palavras velhas mediante a incorporação enriquecedora de significados distintos". É uma linguagem que surpreende, instiga, força à reflexão e ao uso da imaginação. Multicolorida, nem sempre sistemática, aberta a múltiplas interpretações: quer dizer, sujeita a uma plasticidade que dificulta o estabelecimento preliminar de entendimentos categóricos. Um dicionário, portanto, torna-se parte estratégica de toda operação intelectual dedicada a emprestar rigor ao relacionamento crítico com a obra de Gramsci.

O Dicionário gramsciano irá se tornar obra de referência fundamental. Os que se remetem ao pensamento de Gramsci, e com ele dialogam de diferentes maneiras, só terão a ganhar com a difusão da iniciativa. No caso dos brasileiros, valem o empenho e a torcida para que o Dicionário seja rapidamente traduzido e publicado no Brasil.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Marina Silva, além dos partidos


Por Fraga, Zero Hora, Porto Alegre
Marina Silva, candidata do PV à Presidência da República, mandou muito bem na entrevista que o Estadão publicou no último domingo, 16/5. Mostrou que tem o que dizer e que está bem assessorada.
Algumas de suas respostas foram direto ao que me parece ser o mais grave problema da política contemporânea: o vazio de projetos: "Faço a defesa de um projeto político para o Brasil, já que os partidos, inclusive o PT, não foram capazes de atualizar seu pensamento". Para isso, Marina acredita que é preciso buscar interações permanentes com o que chama de “comunidades de pensamento”, ambientes que estariam acima de partidos políticos e se sustentariam por vínculos com “causas e princípios”. Por esse caminho, acrescente, pode-se chegar a uma “nova visão de como resolver os problemas do Brasil”, identificando as conquistas que os sucessivos governos (nomeadamente FHC e Lula) conseguiram alcançar.
Ela também foi firme na questão dos direitos humanos: "A defesa dos direitos humanos não pode ser relativizada. O caso de Cuba é claro. Reconhecemos que, antes da revolução, havia a ditadura de Batista, que aviltava os direitos humanos. Do ponto de vista das conquistas sociais, a revolução foi importante. Mas, se é bom para o Brasil ter democracia e liberdades políticas e de expressão, deve ser bom também para os cubanos".
E, por fim, abordou aquilo que não quer calar: "Creio em Deus como 95% dos brasileiros e acredito que Deus criou todas as coisas. Não preciso de teoria científica para justificar isso e não coloco nenhuma teoria científica para contrapor a ciência em relação a isso. Não acho que se deva fazer contraposição entre fé e ciência".
Foi uma fuga pra frente. Ela revela não ter opinião muito clara ou definida sobre o tema do criacionismo, mas reitera a tese criacionista básica, para então frisar que ciência é ciência, fé é fé. Com o que ficar? Ao que tudo indica, está aí o principal ponto frágil da candidata. Ela parece pressentir isso, ao insistir bastante na defesa de um Estado laico e ao afirmar que “em relação aos princípios de fé, defende a vida”.
Seja como for, a entrevista fornece um retrato abrangente de Marina Silva, sugerindo que ela poderá interferir positivamente no debate presidencial.
A entrevista pode ser lida aqui.

sábado, 15 de maio de 2010

Entrevista: Nabuco e a política brasileira, hoje


Vandeck Santiago é jornalista em Recife. Escreve reportagens especiais para o Diário de Pernambuco, entre outros jornais. No último dia 13 de maio, publicou um alentado Caderno dedicado a Joaquim Nabuco. Repleto de fotos e informações sobre o líder abolicionista, a reportagem traz também um artigo de Silviano Santiago e duas entrevistas, uma com José Murilo de Carvalho e outra, comigo.
No texto em que apresenta ao leitor a reportagem ("12 páginas sobre um personagem do século 19, morto há exatos 100 anos"), Vandeck não perde a oportunidade de observar, "de um lado, que nadar contra a corrente da modernidade midiática não é proibido por lei; e, de outro, que a grande reportagem não tem prazo de validade".

Seu Caderno Especial quer evidentemente prestar uma "homenagem à altura de um brasileiro que sonhou com um Brasil sem desigualdades e com uma Política feita com P maiúsculo". Vandeck tem razão quando enfatiza que "o destino de figuras do porte dele é virar busto, repousar em estantes empoeiradas e circular apenas em um seleto grupo de iniciados". A reportagem em questão pretende tirá-lo daí, partindo do suposto de que Nabuco, "intérprete do enigma chamado Brasil", deixou o legado de uma obra e de um engajamento que mantêm gritante atualidade.

Vale a pena lê-la e socializá-la, clicando aqui.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Do liberalismo de Nabuco ao liberalismo atual

O liberalismo hoje está na defensiva – ou se proclama agressivamente neoliberal, o que dá no mesmo –, não tanto porque lhe sobram adversários e acusações, mas sim porque lhe faltam proposições à altura dos tempos. Muito diferente, portanto, do liberalismo da época de Joaquim Nabuco, que era esgrimido com a força de uma convicção fundamental.

Essa foi uma das principais conclusões do debate realizado no Instituto Fernando Henrique Cardoso (São Paulo, 29/04/2010) em torno do meu livro O Encontro de Joaquim Nabuco com a Política. Cerca de 100 pessoas acompanharam o evento, que contou com a participação do historiador Ricardo Salles, autor do belo e importante Joaquim Nabuco, um pensador do Império, e foi intermediado por Sérgio Fausto, diretor executivo do IFHC. Gripado, Fernando Henrique não pode comparecer.

Animado pela reconstrução que foi feita da trajetória de Nabuco, com destaque para o modo como ele fez política em sua época e se entregou à causa da abolição, o debate explorou intensamente as características mais marcantes do meu livro, valorizando seu pioneirismo quando da primeira edição (em 1984) e sua capacidade de sobreviver ao tempo. Em minha intervenção inicial, procurei destacar que o interesse por Nabuco cresceu no decorrer das últimas décadas, refletindo tanto o amadurecimento e a ampliação da agenda de pesquisa das ciências sociais brasileiras quanto a própria plasticidade do personagem, que passou a ser valorizado em sua abrangência e na multiplicidade de suas facetas.

Foi um evento dinâmico, simpático e produtivo.

Valeu muito a pena.