domingo, 22 de fevereiro de 2009

Repúdio e solidariedade



Um recente editorial da Folha de S. Paulo (17/02/2009) mostrou o que não deveria ser feito por uma imprensa livre, democrática e rigorosa.

Ao se referir ao regime autoritário de 1964, o jornal empregou a expressão “ditabranda” – um trocadilho gratuito e de muito mau gosto, com o qual se insinuou uma tentativa de dar início à “revisão histórica” daquele período. Passando batido pelos fatos e acontecimentos hoje já estabelecidos pela historiografia e pelo próprio Estado brasileiro, o editorial atropelou a verdade, desrespeitou a luta e o sacrifício de todos os que lutaram contra a ditadura e lançou uma nuvem de obscurantismo sobre as novas gerações. Foi como se, sob um texto aparentemente “desinteressado”, dedicado a criticar Hugo Chávez e o “novo autoritarismo latino-americano”, se ocultasse a idéia de que a violência política e institucional do regime de 64 pode ser mensurada e posta em um nível mais “baixo” em termos comparativos.

Alguns leitores escreveram ao jornal manifestando seu repúdio aos termos usados no editorial. Entre eles, os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victória Benevides. A nota da redação em resposta a tais manifestações foi ainda pior do que o editorial. Apresentando-se como respeitadora da opinião dos que dela discordam, atacou os dois conhecidos e importantes professores, por ela desqualificados como portadores de uma “indignação obviamente cínica e mentirosa”.

O abaixo-assinado abaixo reproduzido foi a reação encontrada por alguns intelectuais para demarcar uma posição de repúdio ao jornal e de solidariedade aos professores gratuita e injustamente atacados. Ele é também um brado de alerta contra tentativas injustificadas e atabalhoadas de “revisionismo histórico”. Merece obter a adesão dos democratas das mais diferentes famílias políticas e ideológicas.


“Repúdio e solidariedade”

Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio à arbitrária e inverídica ‘revisão histórica’ contida no editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro último. Ao denominar ‘ditabranda’ o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ‘ditabranda’ é, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964.

Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a ‘Nota da redação’, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta às cartas enviadas à seção ‘Painel do Leitor’ pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis à atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante às insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.

Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.”

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Lula, o PT e a Era Vargas


Luiz Werneck Vianna é um dos principais analistas políticos do país. Professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), autor de vários livros de relevância estratégica para a compreensão da história brasileira, Werneck vem há décadas elaborando uma rica e sugestiva teoria sobre os dilemas e promessas da modernização capitalista do Brasil, com foco concentrado na dimensão mais imediatamente político-cultural. Como marxista arejado, de forte inspiração gramsciana, um intelectual democrata de esquerda, opera sempre em um registra que ultrapassa os parâmetros formais da ciência política que se pratica entre nós. Seus textos e suas diferentes intervenções públicas, apaixonadas e muitas vezes polêmicas, trazem sempre um enfoque rigoroso, criativo, sem concessões. Não por acaso, têm servido de referência para que se alcance um melhor entendimento da política nacional. Muitas delas podem ser encontradas, por exemplo, na revista eletrônica Gramsci e o Brasil.

No dia 15 de fevereiro, Werneck Vianna concedeu bela entrevista ao jornalista Wilson Tosta, de O Estado de S. Paulo, na qual reitera a originalidade e a força de seu raciocínio e de seu posicionamento. O centro de suas considerações está ocupado pela reposição da política: se vivemos, em escala mundial e também no Brasil, o desafio da regulação do sistema financeiro, então estamos diante de uma nova presença da política.

Por determinações históricas específicas, o Brasil parece mais bem equipado para enfrentar a crise. Ao longo das últimas décadas, manteve o “atraso” sobre controle democrático, impossibilitando-o de dirigir o país mas, ao mesmo tempo, sem romper frontalmente com ele. Incorporando-o, por assim dizer. Deste ponto de vista, soldaram-se os fios que ligam o Brasil do século XXI com o Brasil de Vargas. “O PT recuperou a era Vargas. Lula é um Vargas. Há muito tempo”.

Por este motivo, mas não só, Lula permanecerá como decisivo ator na política brasileira. Contra tudo e contra todos, caso seja necessário. “Lula já se desprendeu do PT. Governa o partido e, agora, com relações cada vez mais doces com o governador de São Paulo”. É um mapa tentativo para que se comece a olhar com maior argúcia para 2010.

A íntegra da entrevista pode ser lida neste link.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Paz e união por meio da música


Que podemos encontrar de tudo (ou quase) na internet é algo que todos sabem. Mas a grande rede não cansa de nos surpreender e de nos oferecer bons motivos para olhar o mundo atual com mais esperança, generosidade e emoção.

Nas últimas semanas, milhões de pessoas foram ao youtube para assistir a um vídeo sensacional, no qual músicos de rua de diversas partes do mundo foram reunidos virtualmente para cantar e tocar "Stand By Me", conhecido clássico de Ben E. King. Valendo-se da tecnologia e de uma idéia simples mas poderosa, Mark Johnson e Jonathan Walls gravaram a performance de cada músico, mixaram e editaram tudo em um único clip. O resultado é simplesmente espetacular.

A iniciativa é do movimento multimídia Playing For Change, que foi criado “para inspirar, conectar e trazer paz para o mundo por meio da música”. O cover de “Stand By Me” faz parte do documentário Playing For Change: Peace Through Music, a ser lançado em 2009. O criativo e inteligente trabalho revela a singularidade de diferentes artistas, povos e culturas, mostrando o modo como cada um se relaciona com a música e dela faz uma forma de expressão. Fica assim evidente que, desta diversidade e da potência envolvente da música, uma linguagem comum se constitui.

Para conhecer o movimento, vá a sua página.

Para assistir particularmente a “Stand By Me”, vá ao youtube.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Entre Davos e Belém


O sociólogo francês Alain Touraine, 83 anos, diretor de pesquisas da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris), é um dos grandes nomes das ciências sociais contemporâneas. Bastante conhecido no Brasil, tem vários de seus livros aqui publicados, como Crítica da modernidade, Poderemos Viver Juntos? e O novo paradigma. A América Latina e a história brasileira sempre estiveram no centro de suas preocupações, assim como os movimentos sociais. Touraine defende a prevalência da liberdade sobre os determinismos e postula a “ação social” como fulcro da sociologia, com o que tem se mantido atento a tudo que diga respeito aos distintos sujeitos sociais da modernidade atual.

No último dia 1 de fevereiro, Touraine concedeu extensa entrevista a Laura Greenhalgh e Ivan Marsiglia, do jornal O Estado de S. Paulo (Caderno Aliás), na qual foi convidado a falar sobre a crise mundial e os recentíssimos fóruns de Davos e Belém. Seu diagnóstico insiste na gravidade da crise, cujo eixo repousaria numa crescente separação entre economia e política: “após um período inicial de desenvolvimento, o sistema financeiro se descolou completamente do corpo da economia, para atuar num campo fora das possibilidades de ação social e coletiva, campo este onde ele poderia ser reequilibrado e corrigido”. Em decorrência, a desigualdade social aumentou generalizadamente e a regulação se tornou quase que impossível.

Em que pese sua convicção de que a “ação da sociedade” é a chave para a modelagem de qualquer sistema social, Touraine não acredita que ela tenha se estruturado de modo suficiente, a ponto, por exemplo, de moderar e disciplinar o mercado. Na sua opinião, é preciso investir em política: “não adianta apenas reforçar partidos e Parlamentos. Claro, eles são importantes e têm sua função no mundo da economia moderna, mas é vital reinventar instâncias de contestação e criar um movimento de opinião pública forte. Aí está a força da política”.

No segundo semestre de 2008, Touraine publicou um livro reunindo diversos “encontros por escrito” que manteve com Ségolène Royal, ex-candidata do Partido Socialista francês à Presidência. O título escolhido – Si la gauche veut des idées [Se a esquerda quer idéias] – é bem indicativo de suas preocupações atuais.

A íntegra da entrevista, bastante interessante, pode ser lida aqui.