terça-feira, 9 de setembro de 2014

Como escolher seu candidato




Nas últimas semanas, tenho feito palestras e participado de debates (ao vivo e nas redes)  com jovens, estudantes e pessoas que não são “especialistas” em  política. Invariavelmente me fazem uma pergunta: mas como escolher um candidato nesta confusão que está aí? São noticias demais, posições demais, acusações demais, gente demais falando sem parar. É difícil demais, para qualquer cargo que se considere: presidente, governador, senador, deputado estadual e deputado federal, como nas atuais eleições.
Imaginei então redigir um pequeno "roteiro" com as respostas que tenho tentado dar. Não sei se podem ajudar alguém a esta altura do campeonato, mas sempre que as apresento o resultado parece ser bom. Claro que não esgota a discussão e pode ser questionado. Lá vai ele.
1.         Mantenha-se informado e busque informações confiáveis. Hoje, há informações aos montes, é preciso selecioná-las. Não acredite em tudo o que se fala. Em época de eleições, muitas notícias são forjadas para fins eleitorais. Há montanhas de boatos. Não se deixe levar por eles, nem por denúncias, memes e trocas de acusação. Numa eleição, tudo está contaminado. Muita gente fala na lata, sem parar prá pensar, sobretudo nas redes sociais, onde a manipulação rola solta e há muitas notícias inventadas ou parciais. Há palpites de sobra. Etiquetam-se candidatos com enorme facilidade, sem maiores explicações e com o uso de palavras fortes, ofensivas. Há verdadeiras campanhas profissionais para espalhar boatos, embelezar a imagem de uns e desconstruir a imagem dos adversários. Procure, por isso, analisar a biografia do candidato, descobrir algo da sua trajetória, o que fez de bom ou de mau. É um bom método para ponderar os elogios fáceis e as acusações doidas que se fazem contra ele.
2.        Sempre que der, assista aos debates. Eles ajudam a que a gente conheça os candidatos. Mas procure assisti-los de modo crítico e reflexivo. Leve em conta que os candidatos estão sob pressão, não têm muito tempo para responder e são sempre vítimas de pegadinhas e armadilhas de seus adversários. Hoje, sobretudo quando são muitos os candidatos participantes, os debates tendem a ser fragmentados e a dificultar a formação de uma boa visão comparativa. Além disso, em todos os debates sempre há candidatos inexpressivos, franco-atiradores, que só comparecem para ganhar visibilidade ou mesmo para prestar serviços para outros candidatos mais fortes.
3.        Ler jornais e revistas é fundamental. Em papel ou na net. Não acredite que a mídia minta o tempo todo, nem que ela seja neutra e imparcial. A mídia contra o governo é tão ativa quanto a mídia a favor do governo. Ela é parte do jogo, somente. Falha como todos. Tem paixões, simpatias e ódios, como todos. Um consumo atento do que fala e mostra a mídia pode ajudar bastante a que se separe o joio do trigo. Leve em conta que hoje não há somente a grande mídia, mas milhares de sites, posts e blogs que atuam lançando informações e formando opiniões.
4.        Ponha-se criticamente diante de todos os candidatos, sem exceção. Procure vê-los como candidatos, ou seja, como políticos que representam um papel para conseguir votos e que farão o impossível para consegui-los. Todos estão tentando te seduzir. Alguns conseguem, outros te causam repulsa. Procure baixar a bola, respire fundo e veja o que há por trás de cada fala ou gesto.
5.        Tente decifrar as estratégias de marketing. Todos os candidatos têm seus marqueteiros. Todos, mesmo aqueles que parecem mais sinceros e espontâneos. Mesmo os pequenos. Podem não ter marqueteiros profissionais ou que custem caro, mas eles estão ali, a seu lado. Todo candidato cuida da imagem e constrói um tipo, uma persona. Faz caras e bocas, vai ao cabelereiro, pinta a boca, passa blush e usa um colarzinho maneiro, deixa a barba desgrenhada de propósito ou usa um crucifixo no peito para parecer religioso. Além disso, todos têm suas frases de efeito. Como não contam com muito tempo para se mostrar ao público nos debates e aparições, definem slogans e rótulos na expectativa de que, ao serem martelados incansavelmente, façam a cabeça das pessoas.
6.        Procure compreender como funciona o sistema político. Ele é complexo, o que significa que impede atos simples. Toda decisão política ou governamental é construída em um processo complicado de tratativas e interações. Um Presidente, por exemplo, não pode tudo: aliás, pode bem pouco, quem pode muito é o Congresso Nacional. Um candidato pode prometer mundos e fundos, mas não caberá a ele, se eleito, garantir o cumprimento da maioria de suas promessas. Qualquer Presidente (ou governador, ou prefeito) terá de negociar, buscar aliados, conceder aqui e ali, ganhar tempo. Ele não poderá jamais simplesmente bater na mesa e dizer: “Faça-se!”. Se fizer isso, será um ditador, não um governante democrático. Desconfie, pois, daqueles que dizem “no meu governo”, “por minha determinação” isso acontecerá ou deixará de acontecer.
7.        Nosso sistema é presidencialista. Nenhum Presidente conta com maioria no Congresso. São 513 deputados e 81 senadores, pertencentes a + ou - 23 partidos políticos. Ou seja, um todo bastante diferenciado, no interior do qual existem bons parlamentares, alguns picaretas, gente que pensa de um modo tosco, gente com ideologia e opinião, pessoas que estão ali para defender um pequeno interesse regional, local ou estadual e outras que estão a serviço de grandes empresas e de poderes fortes. Este conjunto é que faz a legislação, trabalhando por comissões técnicas, de constitucionalidade e de justiça, e deliberando por quóruns simples e qualificados. Ganhar votações ali dentro é sempre algo muito complicado e difícil.
8.       A tradição presidencialista brasileira é a da coalizão governante. Nos últimos tempos (digamos, desde os anos 1990), ela tem sofrido uma forte inflexão: as coalizões são formadas cada vez mais mediante troca de favores. O compromisso programático ou ideológico dos partidos que se coligam quase nunca se manifesta. O que prevalece são os interesses e a obtenção de recursos políticos para fazer política: cargos, aprovação de projetos, verbas, indicações políticas. Isso é parte do jogo, não é propriamente imoral, mas não é o único modo de fazer coligações. Os políticos brasileiros deveriam se preocupar mais com isso. Não precisam se deixar envolver por tantas pressões e chantagens. Presidentes ou governadores que têm boa votação popular podem condicionar mais suas alianças: fazer com que sejam mais coerentes e menos predatórias. E sobretudo não deveriam admitir que a governabilidade tenha de passar por compra e venda de votos.
9.        Vivemos numa democracia representativa. Isso implica algumas coisas. Democracia tem custo. Não é somente paz, palavras e sonhos. Passa por muita luta. E tem regras. Exige flexibilidade, revezamentos, revisões e mudanças de posição, negações de princípios e dogmas. Um candidato que não admite mudar de posição, que diz que “pensa como sempre”, que não admite erros e não volta atrás, que não tem dúvidas ou inquietações, é um cara perigoso. Desconfie dele. Ele provavelmente não estará muito disposto a levar em conta a tua opinião e a opinião dos cidadãos e de suas organizações.
10.    Um presidente, um governador ou um prefeito não é um gerente que vive a tocar obras e a cuidar das contas. Têm assessores para fazer isso. O principal papel deles é coordenar decisões e fixar prioridades, articular os interesses das sociedades que governam e ajudar a que se tenha uma ideia de futuro que possa facilitar a integração de todos, promover igualdade e justiça social. Quanto mais gente ele envolver nesse processo de coordenação, mais afinadas e democráticas serão as decisões. Poderá consumir mais tempo no processo, mas aumentará a qualidade dele.
11.     Já os deputados e senadores existem para ajudar a sociedade a processar suas reivindicações, interesses e necessidades. Processar, neste caso, significa organizar as demandas de modo a fazer com que elas possam ser atendidas. Eles também atuam para ajudar a sociedade a controlar os excessos e as falhas do Poder Executivo. São os olhos e os ouvidos do povo nas cúpulas do sistema político. Devem se orientar pela vontade manifestada pelos eleitores que os elegeram, mas também seguem orientações dos partidos que integram. Não é incomum que parlamentares fiquem com os eleitores e não obedeçam aos partidos, e vice-versa. É um complicador, que muitas vezes é estigmatizado como “traição”.
12.    A agenda atual da sociedade é ampla. Queremos tudo e mais um pouco. Há demandas relacionadas ao crescimento econômico e ao emprego, ao clima, ao desmatamento e à poluição, à educação, à saúde, ao emprego, aos direitos civis e sociais, à democracia, à igualdade, e assim por diante. Como combinar e compor tudo isso? Como decidir quando o leque de temas é assim tão grande? Se atender a uma reivindicação haverá como atender a outra? Existem recursos para cobrir os gastos de tudo? A questão mais importante é: podem um partido ou um governo, pelo fato de terem vencido uma eleição, tomar todas as decisões sozinhos, como se soubessem tudo, ou o melhor seria que eles consultassem a sociedade sempre que possível, e não só em épocas eleitorais? A ideia de se ter mais participação popular passa por aí. Quem a aceita, admite que ninguém sabe tudo e que os diferentes interesses precisam ser sempre levados em conta e apresentados de viva voz pelos interessados. Assim também as ideias que defendem mais referendos e plebiscitos
13.    Em épocas eleitorais, o papel e o microfone aceitam tudo. É muito bom que os candidatos apresentem claramente seus programas e propostas, pois isso ajuda a que as pessoas saibam o que pensam. Mas leve em consideração que programas são feitos para sinalizar: não querem dizer que serão rigorosamente aplicados no caso de vitória do candidato. Muitas propostas entram nos programas como balões de ensaio, ou seja, para testar a receptividade que terão ou para confundir os adversários. Candidatos costumam dizer que o que está escrito ou o que foi feito antes por eles são coisas sagradas. Exageram. Eles – todos eles – mudam muito de posição, revisam as propostas feitas, incorporam sugestões que vão contra suas ideias iniciais, dobram-se a pressões. Os melhores assumem isso com clareza, corrigem os erros e admitem falhas. A maioria, porém, não age assim.
14.    A época em que vivemos sugere que é melhor termos governos que dialoguem, e não governos que tomem decisões sem cessar.  Governos que dialogam são governos mais lentos, que discutem mais, que têm mais dúvidas, que voltam atrás e reconhecem erros, que buscam chegar a consensos consistentes, sustentáveis. Algo difícil de acontecer em política, que é o território por excelência das pessoas que não têm dúvida e que lutam por poder. Mas não é por serem difíceis que estes governos que dialogam não devam ser desejados ou não possam existir.  É uma boa utopia, daquelas com que vale a pena sonhar e lutar.
15.     Democracia implica não ter receio de mudar. Revezamentos e trocas de governos fazem parte dela em lugar de destaque. O empenho em prolongar a permanência de um grupo ou partido no poder também faz parte da dinâmica democrática, não deveria ser tão criticado, a não ser quando se confunde com a vontade de se ter sempre mais poder, o poder pelo poder. Sociedades complexas como a nossa, porém, são dinâmicas e plurais e é de se esperar que partidos e governos não consigam acompanhar aquilo que muda e se agita nas bases sociais. Partidos e governos são pesados, estão entrelaçados com muita coisa e tendem a cair na rotina. Uma rotatividade entre eles na coordenação governamental é saudável e pode ajudar revitalizar a democracia. Por mais risco ou incerteza que possa trazer.

2 comentários:

L. S. Boynard disse...

Parabéns, professor, pela transparência nas ideias e pelos conselhos imensamente valiosos. Conheci seu blog e suas ideias há pouco tempo, mas quem dera tê-lo feito antes, pois tal lucidez merece ser partilhada. Obrigado.

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Obrigado, Leandro. Fico feliz com tua avaliação. Abraço