sábado, 29 de agosto de 2009

A arquitetura getuliana do PT



Uma entrevista de Luiz Werneck Vianna, professor titular do IUPERJ, deve sempre ser saudada e lida com atenção. Imagino que muitas pessoas tenham feito isso ao abrir o caderno Aliás, do Estadão de domingo passado, dia 23/08/2009. Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, porém, dou o link para ela aqui. Vale muito a pena.

Werneck reitera os pontos de resistência de sua análise da política brasileira recente, fortemente ancorada numa visão abrangente da história do país. Passa a limpo a trajetória errática do PT que chegou ao governo, com seus acertos e erros. O diagnóstico é duro: "2010 é para o PT de hoje questão de sobrevivência. (...) Como eu digo sempre, partidos não morrem, mas podem diminuir, se apequenar. Aquele PT pré-2002 já é um capítulo do passado". Um capítulo do passado que, na visão de Werneck, dialoga cada vez mais com o passado. Não somente porque levou ao limite a aliança com o PMDB mais oligárquico, mas porque "incorporou a arquitetura getuliana que antes criticava". Voltou-se todo para o governo, desistiu de ser autônomo em relação a ele e, pior, entregou-se por completo à presença dominante de Lula, que fez do partido um seu instrumento. É o que Werneck chama de "o Estado novo do PT".

A entrevista explora os cenários que estão a se construir para 2010. Vai fundo na análise das oportunidades e das circunstâncias com que os atores terão de lidar. Reitera o instigante convite à reflexão que tem marcado sua obra: terá o Brasil moderno força suficiente para se afirmar sem o apoio da tradição? Terá condições de comandar e dirigir a tradição?

A entrevista está aqui. Ela completa uma outra, longa e excelente, feita por Caetano Araujo e Luiz Sergio Henriques para a revista Política Democrática e reproduzida em Gramsci e o Brasil. As duas compõem um perfil precioso.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O dia de amanhã


Seja qual for o desfecho da crise que atingiu a medula do Senado brasileiro e se esparramou pelo Planalto, ela ao menos prestou para nos lançar numa situação paradoxal.

Não é de se esperar que a solução que se consiga alcançar tenha potência suficiente para expelir por completo as toxinas que contaminaram a casa, algumas das quais produzidas ao longo de um tempo histórico dilatado e, portanto, enraizadas nas profundezas da experiência social e das práticas políticas. Não haverá potência sequer para que uma eventual “bancada do bem” – cuja existência, de resto, terá de ser explicitada – cresça como liderança e imponha, no curto prazo, o reerguimento ético e institucional de que tanto se necessita.

Exacerbemos essa impotência e veremos que o único desfecho possível tem muito mais a forma de um armistício do que de uma solução verdadeira e própria.

Mas, por outro lado, o desgaste do Senado – e, por extensão, do Legislativo, do Executivo, dos parlamentares e dos partidos – mostrou ser tão profundo, chegou tão perto do osso, que terminou por produzir uma saturação e criar um ponto de inflexão. Mesmo que não estejam presentes todas as evidências, dá para admitir que uma nova agenda está a se anunciar em meio aos escombros que se acumulam.

Muitas vezes, como se sabe, as sociedades precisam chegar à beira do precipício para reunir forças, curar suas feridas e voltar a construir o futuro. A história brasileira recente é bastante rica a esse respeito. Foi preciso, por exemplo, que a ditadura de 1964 chegasse aos extremos selvagens e arbitrários de 1975 para que se começasse a falar em distensão e a redemocratização ganhasse fôlego para aos poucos empolgar a sociedade. Foi preciso que se atingissem os 230% de inflação anual em 1985 para que tivesse início, com o Plano Cruzado, todo um esforço técnico e político dedicado à estabilização monetária, que finalmente obteria sucesso alguns anos depois. Foi preciso que a lama da corrupção, das negociatas e das camarilhas escorresse pelas frestas do Palácio do Planalto para que se delineasse o caminho do impeachment do Presidente em 1992 e se desse a largada para a inauguração de outro ciclo político no país.

Reconhecer isso não significa aceitar a existência de uma lei férrea, que se manifestaria com força inflexível,. Trata-se somente de admitir a presença de uma tendência inscrita na lógica dos fatos, de uma probabilidade. Houve momentos graves na história recente em que a ultrapassagem não ocorreu, como sabemos. Seria fácil lembrar da crise do mensalão, em 2005, por exemplo. Apesar de ter feito tremer as estruturas da Presidência e do sistema político, ela não impediu que Lula se reelegesse em 2006 nem possibilitou a eliminação dos maus hábitos que impregnam e atropelam as relações entre o Executivo e o Legislativo. Mesmo naquela circunstância, porém, não se saiu com as mãos abanando nem tudo terminou em pizza: uma certa magia se desfez e pelo menos um partido teve de enveredar por uma trilha árdua e desgastante para tentar se reencontrar com a própria história.

Na crise atual, há ingredientes explosivos e o nível do debate desceu tão baixo que dá para aceitar que alguma reação fundada no bom senso e na inteligência política se manifeste no dia de amanhã. Afinal, não estamos num barco inteiramente à deriva, nem se pode dizer que o país consumiu todas as suas reservas de iniciativa, lucidez e criatividade.

Esse, porém, não é o fator mais importante. O combustível principal está em outra parte do mapa. A crise coincide com uma fase aguda de desinteresse social pela política tal como organizada e instituída. A sociedade está se convencendo de que a vida pode ser vivida sem um sistema político ativo. Olha para o sistema atual e percebe que quando ele funciona somente aborrece e cria problemas, e quando não funciona não faz a mínima diferença. Havendo um “pouco” de Estado para prover alguns serviços básicos de segurança, saúde e educação, especialmente para os mais pobres, acredita-se que a vida até melhore.

Tal sentimento avança na sociedade. Perigosamente, aliás, pois pressiona em favor de uma vida menos coesa e solidária, mais dependente do esforço e da iniciativa de cada um, incapacitada para produzir igualdade e garantir direitos para todos, dominada por lógicas administrativas “racionais”, pouco argumentativas e refratárias ao contraditório. Uma vida onde haveria “governabilidade”, mas não democracia. Se a sociedade chegar mesmo a se soltar da política – ou seja, se a política nada fizer para voltar a dialogar de modo positivo com as pessoas e a opinião pública –, então será realmente o caso de prever que nuvens carregadas despontarão nos céus do amanhã.

A crise atual, portanto, coincide com uma extensão sem precedentes da distância entre a política e a sociedade, que ameaça chegar ao divórcio e à ruptura. Esse é o sinal de alerta, a luz vermelha que está a piscar em Brasília.

Como o cenário que se pode vislumbrar não é razoável, nem desejável, como os políticos podem ser ruins o quanto queiram mas não rasgam dinheiro nem dispensam votos, como as pessoas que vivem em sociedade precisam de política e de sistema político do mesmo modo que os corpos vivos precisam de oxigênio, dá para sustentar a hipótese de que estão sendo criadas as condições para um reencontro mais virtuoso entre o político e o social.

Contra essa hipótese pesa sobremaneira o fato de que estão ausentes os protagonistas, os sujeitos dessa transformação, aqueles que colocarão o guizo no gato. O aparecimento deles, porém, é uma questão de vontade política, de determinação, de empenho existencial. É também, evidentemente, uma questão de tempo, de maturação.

A favor dela, porém, pesa o fato de que vivemos em tempos velozes e conectados, em que articulações e movimentos surpreendentes podem irromper à cena num belo dia de amanhã como se nascessem do nada. É algo para se observar. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/09/2009, p. A2].

domingo, 16 de agosto de 2009

A invenção do contemporâneo na CPFL Cultura

Teve início na terça-feira 11 de agosto, no Espaço Cultural CPFL, em Campinas, a programação Invenção do Contemporâneo / Luz na Crise, que posteriormente migra para São Paulo e outras capitais brasileiras. Juntamente com a programação do Café Filosófico CPFL, a nova série discutirá temas da contemporaneidade colocados em evidência pela emergência da crise global. Os encontros serão transmitidos ao vivo pelo site da CPFL Cultura. Vejam no final do post o playing para conexão imediata. Alguns dos encontros darão origem a programas na grade da TV Cultura e demais TVs educativas.

O Espaço Cultural é coordenado e animado por Augusto Rodrigues, diretor de comunicação empresarial da CPFL.

Às terças-feiras, farei três palestras sobre o tema "Política, para que te quero?". Às quintas-feiras, o psicanalista Jorge Forbes conduzirá a série "A Psicanálise do Século XXI - Lacan para desesperados da crise".

A CPFL Cultura em Campinas fica na rua Jorge Figueiredo Corrêa, 1632 – Chácara Primavera. É um espaço excelente, muito agradável e confortável. Os debates que ali acontecem são sempre de alta qualidade, em todos os sentidos.

A programação tem entrada gratuita e por ordem de chegada. O público poderá participar também enviando perguntas antes dos eventos para o e-mail cpflcultura@cpfl.com.br, com o tema do evento no campo “assunto”. Mais informações pelo telefone (19) 3756-8000.


Programação

11 de agosto – 19h

A política como problema
Com
Marco Aurélio Nogueira

13 de agosto – 19h

Novas subjetivações e o mal estar na contemporaneidade
Com
Joel Birman

18 de agosto – 19h
A política como vantagem
Com
Marco Aurélio Nogueira

20 de agosto – 19h
Mal-estar na globalização - Lacan e as luzes
Com
Alain Grosrichard

25 de agosto – 19h
O futuro da política
Com
Marco Aurélio Nogueira

27 de agosto – 19h
Jacques Lacan e a psicanálise do século XXI
Com
Jorge Forbes

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A revista "Nueva Sociedad" e as drogas na América Latina



A revista Nueva Sociedad é bastante conhecida na América Latina. No Brasil, tem leitores fiéis, especialmente entre os cientistas sociais. Desde 2008 vem publicando, inclusive, um número anual em português, normalmente lançado nas reuniões da ANPOCS.

A revista existe desde 1972 e sai a cada dois meses, com o objetivo de estimular o debate político e democrático no mundo latino-americano. Seu diretor atual é Joachim Knoop e o chefe de redação é José Natanson, que operam a partir de Buenos Aires.

Ao longo desses anos, Nueva Sociedad atingiu um público expressivo, valendo-se tanto de uma edição impressa quanto de uma versão eletrônica, disponibilizada gratuitamente na página web da revista.

A edição nº 222 acaba de sair. Além de artigos sobre as relações do governo Obama com a América Latina, sobre o Panamá e sobre a integração latino-americana, a revista mantém o padrão adotado nos últimos anos e organiza um dossiê especial, que compõe seu corpo principal. Agora, o tema central é Drogas en América Latina. Después de la guerra perdida, ¿qué?. Francisco E. Thoumi, Luiz Eduardo Soares, Ibán de Rementería, Tom Blickman & Martin Jelsma, Anthony R. Henman, Lucía Dammert, Marcelo F. Sain e Omar Rincón analisam a partir de diferentes ângulos os resultados das políticas de combate à droga implementadas até o momento em diferentes países da região.

Partindo da premissa de que a estratégia de enfrentar o narcotráfico mediante o combate ou o controle da oferta não foi eficaz, Nueva Sociedad busca recuperar o debate sobre a descriminalização do consumo de drogas. É viável a descriminalização? Que tipo de desenho normativo é o mais adequado? Que papel cabe ao Estado num empreendimento com essas características? O que se pode aprender com os modelos de descriminalização adotados na Europa?

O debate é atualíssimo e os colaboradores são de alto nível, a começar de Luiz Eduardo Soares. No mínimo por isso, vale muito a pena ler o número e ajudar a divulgá-lo.