segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pelo debate democrático de qualidade


By Harry Köppl

Muito oportuno e muito bom o artigo de Renato Janine Ribeiro publicado no Valor Econômico de hoje. Ele privilegia um ponto que, em minha opinião, contem a chave para a requalificação da política entre nós. Algo mais importante que reformas políticas, sem que se desprezem evidentemente os eventuais efeitos positivos que possam decorrer de algum reformismo. 

O ponto é o seguinte, nas palavras de Janine: “O Brasil chegou ao fundo do poço, em termos de debate político. Não lembro nenhuma época das três décadas, desde a democratização de 1985, em que tenhamos estado tão baixo. Nunca tantos brasileiros tiveram acesso a um veículo, como a internet, que transmite tantas informações e proporciona uma participação assim ativa no debate, por meio das redes sociais - e, no entanto, nunca foi tão estéril a discussão de ideias e projetos para a sociedade. Para quem esperou que a rede de computadores constituísse uma ágora - o nome grego para a praça na qual o povo reunido debatia e decidia as questões políticas - a frustração é enorme. Nossa democracia sobrevive, mas graças mais aos tribunais do que ao povo ou à mídia. Digo isto com tristeza”.

Não há como contestar, ele tem toda razão. Podemos lembrar, para aliviar a constatação dura, que há algumas ilhas de qualidade flutuando nas redes, algumas brechas por onde passa o bom-senso, alguns esforços para fazer com que prevaleça o uso democrático da razão. Mas, olhando como um todo, o que se mais vê é uma prática pouco dialógica, cheia de estigmatizações e “cobranças”. Tipo assim: digo que a Petrobrás enfrenta alguns problemas de gestão e logo surge alguém para me acusar de ser um privatista; se falo que o Bolsa Familia não resolve sozinho o problema da desigualdade, aparece um cara que me catapulta para o campo dos reacionários que são contra as realizações do governo Lula. Entre os políticos, entre os juízes do STF, entre os intelectuais, não há debate, mas basicamente uma preocupação de "vencer a discussão", se necessário mediante a desqualificação dos argumentos contrários. Inexiste vontade de criar convergências, de fazer com que a discordância ou a divergência de um debatedor ajude a compor uma visão mais fina e abrangente da situação. A meta é destruir os adversários.

Defendi esse ponto na mesa-redonda de que participei na ANPOCS semana passada. Disse: não temos a emergência de posições de direita no país, e muito menos elas foram projetadas pelos protestos de junho. O que temos na verdade é o encolhimento das esquerdas e o empobrecimento brutal do debate democrático. Em decorrência, disputamos o sentido das coisas mas não conseguimos compreendê-las adequadamente, nem muito menos aprender com elas.

O texto de Janine explora com competência esse cenário. Não recusa reformas pontuais, melhorias tópicas ou mais fiscalização, mas percebe que elas não bastarão. “O problema somos nós, cidadãos, eleitores, que não fazemos nossa parte”, escreve. Sua conclusão merece ser considerada com atenção:

“O que propor? Algo que parece ingênuo, mas que é básico do ponto de vista ético. Homens e mulheres de boa vontade, empenhados em melhorar nosso quadro político, deveriam assegurar um debate de qualidade. Isto não é abrir mão de convicções políticas, mas é reconhecer que há gente decente dos dois grandes lados de nosso espectro partidário, e que a vitória esmagadora de uma parte não é possível - nem desejável. Isso exige evitar palavras grosseiras, como petralha e tucanalha, que desqualificam em bloco muitas pessoas boas que fazem trabalho bom. Isso significa, sobretudo, fazer uso bom - e não mau - da vantagem histórica que é ter, desde 1994, disputando os principais cargos do país, dois partidos acima da média, PSDB e PT - e, este ano ou em breve, a Rede. Comparem isso a qualquer momento de nossa história anterior. Não podemos desperdiçar as conquistas das últimas décadas. Desde 1985 estamos construindo uma democracia sustentável. Mas precisamos que ela não fique só nas instituições, que se enraíze nos corações”.

O artigo pode ser lido clicando aqui.

domingo, 29 de setembro de 2013

Além do STF



 
  
By Pelicano

Passado o furor que acompanhou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar os embargos infringentes no julgamento do "mensalão", trata-se agora de olhar para o que sobrou: praticamente tudo.

O valor simbólico do julgamento converteu-o em divisor de águas. Ensejou a expectativa de que se tenha criado jurisprudência específica para o julgamento da corrupção nas altas esferas políticas e governamentais, onde há foro privilegiado, e nessa medida deixou no ar a sensação de que a República poderia ser mais bem defendida pelo Poder Judiciário, ou, mais especificamente, por aquele tribunal superior. A partidarização do assunto, porém, fez o processo dilatar-se no tempo, exacerbar sua dinâmica de rito sumário e caminhar cercado pela suspeita de ter sido uma peça condenatória a serviço da oposição e, ao final, de se ter posto a serviço do Poder Executivo. O que era para ter seguido trâmites processuais mais técnicos, compatíveis com essa instância judicial, ganhou uma turbulência que despiu o tema de boa parte da seriedade de que se revestira: em vez do crime cometido, foram para a berlinda os critérios e procedimentos do tribunal. Hoje não se discute mais o "mensalão", mas seu julgamento.

Apesar disso, certas práticas ancestrais de corrupção - presentes em inúmeros grandes e pequenos ilícitos cotidianos - ganharam transparência e foram desnaturalizadas. O "mensalão" foi grave não pelas quantias que movimentou ou pelos procedimentos que se adotaram, mas pelo envolvimento do primeiríssimo escalão governamental. Não foi "o maior escândalo da História", fórmula sensacionalista que só serve para turvar o entendimento. Mas demarcou um estilo de fazer política que não conta mais com espaços ilimitados de reprodução. A partidarização cumpriu aqui sua maior função: impossibilitou a plena e cabal conclusão do processo, mediante a ressignificação do ocorrido e a introdução, nele, tanto de componentes épicos de "ataque à República" quanto de argumentos banalizadores do tipo "caixa 2". Perderam-se com isso o justo meio termo, a frieza analítica, a contundência pedagógica. Os opostos abraçaram-se e, querendo ou não, converteram o episódio em algo que a todos prejudicará. Ao serem condenados, os réus condenaram também o tribunal que os julgou, o bom senso, a política e a República.

Os embargos infringentes foram superdimensionados, como se representassem a salvação dos condenados ou o completo desvirtuamento do que foi feito durante o processo. É verdade que, ao serem aceitos, projetaram o risco de que o STF negue sua condição de última instância, se sobreponha a si mesmo e passe a funcionar na base de recursos em cascata, como numa Corte estadual ou regional. O Supremo poderá transformar-se em "tribunal penal de terceira instância", observou o ex-ministro Eros Grau. Outro jurista de ponta, o professor Virgílio Afonso da Silva, lembrou que o STF raramente julga casos penais e construiu sua imagem como Casa onde se examinam relevantes e complexas questões morais ignoradas pelo Legislativo. Está havendo um ajuste nessa imagem, mas não é razoável que se dê como favas contadas o abandono da trilha seguida até então pelo Supremo.

O novo julgamento não será ruim para o País. Mostrará, ou não, que os juízes têm coerência e, se for o caso, humildade para reconhecer que erraram. Mais um rei será desnudado. Deixará claro que os réus tiveram direito amplo de defesa. Se vierem a ter suas penas reduzidas com base em novas provas e em bons argumentos de sustentação, a justiça se fará. Se for por algum cambalacho, todo mundo perceberá. E se não forem beneficiados e tudo se confirmar, ninguém poderá dizer que o STF agiu de modo atrabiliário. A maior probabilidade é que se mantenha o que já foi decidido no julgamento original. Ministros do porte dos integrantes da Corte não costumam brincar com suas decisões.

O importante, agora, é saber o que virá pela frente.

Ao evidenciar que um ilícito gravíssimo era cometido na antessala do presidente, o "mensalão" fez com que a corrupção (endêmica na vida nacional) só pudesse ser abordada de forma hiperpolitizada. Ela não pode mais ser analisada por critérios técnicos ou segundo a ética e a norma jurídica. Virou expediente eleitoral, munição para jogar os "bons" contra os "maus". O julgamento e os embargos reforçaram tudo isso.

O Palácio do Planalto emitiu, discretamente, sinas de preocupação com a passagem para 2014 de uma discussão que não é bom elixir eleitoral. A manutenção do tema na agenda não é confortável para a situação, pois as águas turvas do processo respingarão nas operações governamentais e na opinião pública. A sensação de que a Justiça olha com benevolência para os mais fortes, em detrimento dos comuns, poderá crescer, misturando-se com a convicção de que a impunidade dos "de cima" é uma cláusula pétrea, difícil de ser alterada. O novo julgamento manterá o STF politizado, partidarizado e contestado.

O pior é que o prolongamento do caso no tempo dará mais combustível para a surrada polarização PT/PSDB invadir o ano eleitoral de 2014. Ambos os partidos querem isso, pois não conseguem respirar de outro jeito. Precisam ser adversários recíprocos para encontrar alguma função política. Não estão preocupados com a sociedade ou o País, nem atentos à voz das ruas. Giram em padrão analógico, ao passo que a vida já se digitalizou. Como escreveu dias atrás no Estadão o jornalista José Roberto Toledo, "a disputa política continua rodando em falso, cada lado repetindo as mesmas acusações de sempre. A única diferença é a quantidade crescente de bile a espumar nas timelines". Impulsionado pelo moralismo de uns e pelo desejo de vingança de outros, o ódio vai escorrendo das redes para as ruas, contaminando o debate democrático.

Enquanto isso, o País, que permanece vivo, continua sem ver luz no fim do túnel. [O Estado de S. Paulo, 28/09/2013, p. A2].

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Maracujina na veia! À espera do voto de Minerva



Há um frisson pouco justificável por aí. Tudo parece indicar que a aceitação dos embargos não terá muito efeito prático, ainda que possa ter algum efeito simbólico de curto prazo.


Conheço muita gente que aumentou a dose de ansiolíticos e anda se entupindo de chás e maracujina para suportar a expectativa do voto do juiz Celso de Mello, amanhã.
Deve ser excesso de interesse por dramas de tribunal, área em que o cinema e as séries norte-americanas são imbatíveis. Law and Order está aí prá quem quiser verificar.
Não consigo ver tanta importância assim no que fará o juiz. Não me parece que a aceitação dos embargos infringentes levará a que os condenados livrem a cara ou saiam melhor na foto. Isso não deverá acontecer nem que a nova maioria do STF (uma maioria quase ad hoc, diga-se de passagem) resolva alterar as penas. O fato – chamemo-lo de crime, corrupção ou caixa dois, tanto faz – já figura no imaginário popular como evidência de que a política no Brasil não é coisa para amadores: que o jogo é pesado e as armas afiadas e contundentes, o que faz com que a legalidade seja atropelada com extraordinária facilidade. A política, por aqui, também é aquele espaço em que os poderosos sempre vencem, sejam eles os homens do dinheiro ou do poder governamental. Há pouca punição e quase nenhuma cadeia para quem está por cima. A população sabe disso, despreza isso mas segue em frente, distanciando-se mais, a cada passo, dos políticos e da política.
O imaginário popular assimilou uma frustração adicional quando percebeu que essa escandalosa privatização do público não era atributo exclusivo das elites conservadores, mas de todas as elites, inclusive das assim tidas como progressistas. Percebeu que ficou tudo efetivamente dominado, que ninguém pode dizer que dessa água não beberá, ainda que todos o façam e digam.
Muitos defensores dos condenados – ou a moçada que acha que o mensalão não passou de caixa dois – pensam que eles, os condenados, sofreram “linchamento moral” e foram vítimas de um julgamento “político”, que os massacrou sem direito de defesa e com detalhes de humilhação. Não penso assim, porque não consigo ver onde isso aconteceu de fato. Que o STF, pela mão meio enraivecida de Joaquim Barbosa, usou o caso para se valorizar e tentar exercer “ação pedagógica” foi evidente. Isso talvez tenha reduzido o rigor jurídico das avaliações, especialmente porque incorporou o tal “domínio do fato” como critério. Mas o STF é um tribunal político, especialmente quando está em tela uma suspeita de crime político. Bobagem achar que trabalharia exclusivamente pela via de uma hermenêutica tradicional, simples. Ontem como hoje, aliás: os que defendem os infringentes alegam seguir suas próprias consciências individuais como juízes e a letra da lei, ou daquilo que acham ser a lei, ou as grandes tradições jurídicas liberais, os direitos humanos, etc. Dizem que os infringentes se justificam porque o que está sendo julgado são pessoas que merecem plena defesa, não são somente meros servidores públicos ou membros de partidos. Apesar disso, estão fazendo política, seja com o voto em favor dos embargos, seja com a consequência que isso terá para a sociedade.
Há um frisson pouco justificável por aí. Tudo parece indicar que a aceitação dos embargos não terá muito efeito prático, ainda que possa ter algum efeito simbólico de curto prazo. Pode até mesmo ser que funcione para produzir o contrário do que se imagina: em vez de absolver os condenados ou reduzir suas penas, aumentar a dose de culpabilidade deles. De qualquer modo, um novo julgamento não seria ruim para ninguém. Mostraria que os juízes têm coerência e, se for o caso, humildade para reconhecer que erraram. Deixaria claro que os réus tiveram direito amplo de defesa. Se vierem a ser absolvidos com base em novas provas e em bons argumentos de sustentação, a justiça se fará. Se for por algum cambalacho, todo mundo perceberá. E se não forem absolvidos e tudo se confirmar, ninguém poderá dizer que o STF agiu de modo indevido.
Acompanho aqui a opinião expressa por Renato Janine Ribeiro, em artigo publicado no Valor Econômico de ontem: “Como os próprios defensores da punição presta e severa dizem que o julgamento é político, eu afirmo: político é dar a máxima chance de defesa aos réus, não só porque individualmente têm esse direito, mas porque apenas assim a sociedade se convence de sua culpa. Não sendo assim, a sociedade sai do julgamento como entrou: uns os acham inocentes vítimas, outros detestáveis culpados, e outros, ainda, discordam do que acham ter sido um teatro. Não ganha a Justiça”.
Está se fazendo muito barulho por pouca coisa. Seja qual o voto de Celso de Mello, todos poderão ganhar. E se houver perda, será coletiva, não deste ou daquele. ‘Tamo junto!
Sempre a se ver, claro.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Embargos e infringências



O custo político da aceitação dos infringentes pelo STF será dividido entre muitos,  mas não de modo igualitário. A decisão fará com que o Supremo permaneça politizado e contestado. Será usada como prova de que ilícitos podem proliferar. Dificultará a que se enterre o mensalão e se siga em frente. Mas o país permanecerá sem ganhar nem perder e sem luz no fim do túnel.


 Falta um voto, mas a essa altura já se dá como certa a aceitação pelo STF dos embargos infringentes que poderão a um novo julgamento do mensalão.
Interessante como dialética decisional no âmbito da justiça penal e com alguma importância no âmbito do Direito, a questão dos embargos infringentes não chega a ser propriamente empolgante. Boa parte disso se deve ao fato de que a medida é basicamente um recurso protelatório, destinado a retardar o cumprimento de uma decisão que, por não ter sido tomada com unanimidade, pode ser interpretada como ensejando algum prejuízo ao réu.
Protelar uma decisão judicial é recurso universal de todo e qualquer condenado, uma espécie de prova de que ele lutará até o fim pela sua não condenação ou por sua honra.
A medida emergiu nos dias correntes envolta em antipatia, pois visa protelar aquilo que a opinião pública considera merecedor de rápida e incontestável conclusão: o julgamento dos réus do mensalão e o cumprimento das penas a que foram condenados. Está sendo interpretada como manobra diversionista da defesa dos réus, como desejo de justiça pelos condenados e como “vingança” dos muitos inimigos de Joaquim Barbosa e do STF. Funciona como uma bomba de efeito inesperado na vida política, algo que não beneficia rigorosamente a ninguém, sequer aos condenados, que não podem se livrar da exposição negativa a que vêm sendo submetidos desde que o julgamento do episódio começou.
Previstos no regimento do Supremo Tribunal Federal, os embargos podem levar a um novo julgamento do crime em que o condenado tenha obtido ao menos quatro votos favoráveis. Há alguma dúvida a respeito de sua validade, pois não constam da lei de 1990 que regulou as ações no Supremo.  Por possibilitarem a reanálise de provas, podem mudar o mérito da decisão do Supremo e propiciar aos réus a reversão das penas recebidas.  Dos 25 condenados pelo Supremo, 12 têm direito aos infringentes:  João Paulo Cunha, João Cláudio Genú, Breno Fischberg (condenados por lavagem de dinheiro),  José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado e Simone Vasconcelos (condenados no crime de formação de quadrilha). Todos receberam ao menos quatro votos favoráveis.
Embargos desse tipo encontram respaldo na pulsão que leva todo condenado a lutar pelo reconhecimento de sua inocência. Os que são julgados e apenados raramente aceitam sua condição e sempre buscam nos meandros jurídicos alguma chance de alívio ou reparação.  No caso do mensalão, como o STF é a última instância, não há outro caminho que não o da colocação em dúvida da lisura e da constitucionalidade do julgamento. A falta de unanimidade é a porta por onde entra o argumento. Não podendo recorrer a nenhuma outra instância, trabalha-se pelo embargo do processo alegando infringência de termos processuais ou normas jurídicas.
Trata-se de uma tática que segue via política e não jurídica. Dilatar o tempo do desfecho para, com isso, mexer no imaginário social e interferir na percepção dos juízes. No caso atual, a tática se mostrou possível graças à substituição de alguns ministros do STF por outros. Os novos decidiram rever o que os velhos fizeram, usando critérios distintos de julgamento. Os juízes, em maioria apertada, aceitaram esse jogo, seja porque concluíram que o primeiro julgamento foi político, seja porque acharam que vale a pena, agora, retomar o processo para dirimir dúvidas e corrigir excessos pontuais.
Agiram, em suma, impulsionados pelo sangue novo carreado por dois novos ministros – que alteraram o equilíbrio de forças no plenário e trouxeram novos argumentos para a consideração da Corte – e pelo entendimento de que o prolongamento do julgamento é politica e juridicamente justo e proveitoso para todos, não somente para os réus.
Entre a conveniência política e a conveniência jurídica, ficaram com as duas. Como se estivessem a dizer: quem manda aqui somos nós, não as nossas decisões anteriores ou a opinião pública. Fazemos nossas próprias regras e nossos cálculos. Não aceitamos pressões, e assim por diante.
A questão, agora, é saber que desdobramentos e efeitos terá a decisão. O Palácio do Planalto emitiu, discretamente, sinas de preocupação com o fato, que significa catapultar para 2014 e além uma discussão que, nos cálculos meticulosos dos estrategistas, não ajuda aos planos eleitorais de Dilma-PMDB. Não dá para saber direito se o novo julgamento ajuda ao PT, pois não dá para antecipar o que será decidido pela Corte. Se os 12 réus vierem a ser absolvidos ou tiverem suas penas reduzidas, ponto para o partido, que mostrará forçar a diluirá parte da mancha que macula sua história. Se o novo julgamento referendar o primeiro, péssimo para o PT.
De qualquer modo, a manutenção do tema na agenda não é confortável para o governo e para o PT, pois as águas turvas e conturbadas do processo respingarão nas operações governamentais e na opinião pública. E tenderão a continuar produzindo desgaste.
A sensação de que a Justiça olha com benevolência e tolerância para os mais fortes, em detrimento dos comuns, poderá crescer, misturando-se com a convicção hoje generalizada de que a impunidade dos “de cima” é uma cláusula difícil de ser alterada.
Os ministros do STF aceitaram pagar para ver. E o Planalto, agora, torcerá para que consigam manter represadas as águas turvas do caso.
Em termos de análise política, o fato é simples. A aceitação dos infringentes não coonesta a corrupção ou a impunidade, nem antecipa uma absolvição. Será contestada, assim como foi contestado o primeiro julgamento. Beneficia a José Dirceu, antes de todos, pois foi ele quem mais se valeu do julgamento para ficar em evidência e circulação. Mas esse benefício poderá ser enganoso e sair pela culatra. Deixará Dirceu na berlinda e não necessariamente o livrará da pena.
O custo político da operação será distribuído por muitos protagonistas, mas não de modo igualitário. A decisão do STF fará com que o Supremo permaneça politizado e contestado. Fará crescer sobre ele a sombra de ter se convertido em instrumento dos interesses governamentais, quebrando a imagem de independência que havia acumulado até então. Será empregada como prova de que ilícitos ainda têm livre curso entre nós. E dificultará a que se enterre o mensalão, se vire a página e se siga em frente.
Quanto ao país, bem, esse permanecerá vivo, sem ganhar nem perder e sem luz no fim do túnel.