terça-feira, 27 de maio de 2008

Lúcio Flávio Pinto, Gramsci e o Jornal Pessoal





Estudei com Lúcio Flávio Pinto na Escola de Sociologia e Política de São Paulo nos primeiros anos da década de 1970. Foi lá que nos conhecemos e nos tornamos amigos.

Para que se dimensione bem o fato, foi com ele que li pela primeira vez os Cadernos de Gramsci. Viramos dias e noites discutindo as notas sobre jornalismo e revistas culturais que integravam Os intelectuais e a organização da cultura e agora estão no volume 2 da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere (Rio, Editora Civilização Brasileira), organizada e traduzida por Carlos Nelson Coutinho e Luiz Sérgio Henriques. As notas de Gramsci funcionavam, para nós, como fermento teórico e político para editar a revista Di...fusão, que fazíamos no centro acadêmico da escola junto com Reginaldo Forti, Cláudio Kahns, Bruno Liberati, Raul Mateos Castells, Leon Cakof, Vera Lúcia Caldas, um agregado de gente boa, plural e politicamente diferenciada, que se unia na amizade e na vontade de estudar e combater a ditadura militar.

Lúcio vinha de Belém, trabalhava no Estado de S. Paulo, o Estadão. Era um motor em termos de idéias e criatividade. Mas não parava de pensar na Amazônia, sua causa apaixonada, sua razão de ser como intelectual e jornalista. Terminou o curso e voltou para Belém, como correspondente do Estadão. Tornou-se rapidamente uma referência internacional na área, um dos mais importantes e consistentes – se não o maior de todos – analistas das aventuras e desventuras amazônicas. Permaneceu combativo como poucos, sem fazer qualquer concessão aos poderosos. Seu jornalismo independente, de denúncia e opinião, só fez crescer. Quando as portas dos grandes jornais da região (O Liberal, Diário do Pará) começaram a se fechar para ele, deu um basta e foi fazer o Jornal Pessoal, um quinzenário sobre a Amazônia, custeado, redigido e distribuído a ferro e fogo por ele mesmo quase sem interrupção há 21 anos, com uma tiragem de 2 mil exemplares.

É algo de altíssimo nível, que deve ser conhecido e divulgado. Ainda não tem uma webpage, mas pode ser conseguido pelo email jornal@amazon.com.br ou pelo telefone (91) 3241-7626.

No início de abril deste ano, Lúcio Flávio publicou seu 10° livro, igualmente dedicado ao Pará e à Amazônia, mas desta vez tendo como eixo a experiência do próprio Jornal Pessoal. Através do livro, ele “tenta contar capítulos da história recente do Pará que jamais teriam sido registrados se não existisse este jornal”. É jornalismo a quente, feito no calor da hora, no momento mesmo em que os fatos aconteceram. Um exemplo de jornalismo verdadeiramente independente, que cumpre “sua missão mais nobre: ser uma auditagem do poder”.

Lendo as reportagens e os textos vibrantes que estão no livro, fica fácil perceber porque Lúcio Flávio Pinto incomoda tanto a elite da região, a ponto de ser vítima constante de perseguições e processos judiciários estapafúrdios. Coisa que, de resto, jamais o abateu ou o intimidou. Ao contrário, o animou a afiar e apurar sempre mais a pena, alçando vôo para além do Pará.

Não por acaso, o livro se chama Contra o Poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica. É excelente. Pode (e deve) ser comprado através do email do próprio JP ou pelo endereço Rua Aristides Lobo, 871, Cep 66053-020, Belém-PA.

sábado, 24 de maio de 2008

Partidos e homens partidos


Ilustração de Liberati. Grazie!

Não vivemos somente um “tempo de partido, tempo de homens partidos”, como diz a poesia de Drummond. O nosso também é um tempo de partidos partidos.

Os partidos políticos sempre se caracterizam pela divisão interna. Mesmo quando monoliticamente constituídos, são associações plurais, cortadas por distinções muitas vezes marcantes. Por existirem em função da conquista e da manutenção do poder, tudo neles adquire grande dose de tensão, virulência e dramaticidade. Como são compostos por diferentes grupos e pessoas, podem ser guiados mais por interesses e projetos particulares que por orientações coletivas. Isso é verdade especialmente se estas últimas derivarem de ordens e comandos estabelecidos de modo unilateral pelas direções centrais, que sempre poderão ser acusadas de não terem a devida sensibilidade para fatos e acontecimentos mais próximos das bases. Além do mais, os dirigentes de um partido podem se converter, eles mesmos, em uma parte dentre outras, transformando-se em uma oligarquia que termina por atazanar e desfibrar bases e militantes.

Tanto são divididos os partidos que boa parte de sua rotina é dedicada a compor consensos e unificar interesses. Não é por acaso que muito da discussão repouse na questão do modelo de deliberação a ser seguido. Há duas grandes formas de centralismo (ou seja, de coordenação e unificação) – o burocrático e o democrático – que refletem, tipicamente, processos de tomada de decisão em que o poder é imposto a partir de cima ou é construído a partir de baixo. Quando levado a sério e efetivamente praticado, o procedimento democrático é o único que consegue fazer com que as lutas internas em um partido terminem sem sangue, expulsões e dissidências. Tal procedimento, no entanto, exige que a dinâmica interna e a conduta pública do partido estejam impregnadas de idéias e princípios profundos, e só pode frutificar se o partido for ele próprio “aberto” para o mundo plural da sociedade.

Os embates partidários de hoje estão longe deste padrão. Primeiro, porque neles há poucas idéias e poucos parâmetros programáticos. Depois, porque as direções não têm peso e representatividade para conduzir o barco. Entre as alas dos partidos, inexistem divergências de fundo. Briga-se por migalhas, por postulações pessoais, por pretensões eleitorais. Na melhor hipótese, as disputas sugerem a existência de algum desentendimento doutrinário ou estratégico mas não são assumidas como tais.

Os casos que ocupam o noticiário brasileiro – o do PT em Minas, o do PSDB em São Paulo –, são emblemáticos desta situação. Alckmin quer ser candidato simplesmente por se julgar qualificado para o cargo, não por possuir proposta específica ou divergir em termos substantivos do que pensam os dirigentes de seu partido. Sequer questiona a aliança com os liberais do DEM, a ponto de iniciar sua campanha abraçado ao PTB e ao PSDC, que têm bem menos densidade e expressão. Faz isso por falta de opção e porque tem os olhos na propaganda eleitoral gratuita. Age por dinâmica própria, pouco se importando com a agenda futura do partido ou com o fato de seus companheiros vereadores pensarem de outro modo.

No caso do PT em Minas, as divergências são sérias. Tocam num ponto delicado da história do partido, o das alianças. Deve o PT privilegiar mais seus próprios interesses ou mais os interesses da sociedade? Deve governar compondo alianças que beneficiem a população e facilitem a implementação das melhores políticas ou fazê-lo com os olhos nas disputas eleitorais? Os adversários em um âmbito da federação devem sê-lo também em outro? Não são questões retóricas ou de detalhe, e diante delas não há como tergiversar, ou dizer que se deseja o melhor dos dois mundos.

Hoje está evidente que PT e PSDB não têm uma compreensão clara do papel que devem desempenhar, da estratégia a seguir, da contribuição que imaginam dar para a continuidade e o aprofundamento da democratização ou a eliminação da desigualdade social no Brasil. Como não há clareza teórica e programática nos partidos, como eles, a rigor, não sabem bem o que propor à sociedade e não possuem maior densidade cultural, as divergências fogem para os bastidores, ou seja, para as questões regionais, pessoais, grupais, que se tornam mais relevantes que as outras.

A situação desgasta os partidos no nível macro e no longo prazo, mas acaba por beneficiar suas correntes e lideranças de maior destaque, que exploram justamente as rusgas localizadas para ganhar terreno na luta interna, manejando desejos, vaidades e postulações. É bem verdade que neste universo, aparentemente louco e paradoxal, ninguém rasga dinheiro e as chances de unificação jamais desaparecem. Ainda quando divididos, raramente os partidos cometem suicídio. Chegam mesmo a alcançar alguma unidade de ação quando se trata de aumentar a força de seus candidatos.

O problema não é, portanto, de viabilidade eleitoral ou sobrevivência fisiológica, mas de razão de existir. Nosso tempo é certamente de homens partidos, mas talvez não seja mais um tempo de partido. É difícil tomar partido hoje em dia, ainda que seja fácil se indignar. E há algo na estrutura da vida atual que rouba condições de possibilidade aos partidos políticos. Eles vagam meio sem rumo, como mortos-vivos, no cenário contemporâneo.

Consequentemente, aqueles que se dedicam a mantê-los em funcionamento deveriam se preocupar em lhes dar oxigênio de melhor qualidade. Deveriam provê-los de idéias claras, identidades e estratégicas consistentes, paixão cívica e visão que ultrapasse a dimensão do poder. Coisas que estão uma camada acima do chão operacional e rotineiro da política. Este chão, no entanto, é onipresente, e tende a magnetizar tudo. (Publicado em O Estado de S. Paulo, 24 de maio de 2008, p. A2).

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Moda também é cultura

Independentemente do que dizem os teóricos – sociólogos, filósofos, antropólogos, psicólogos –, e contra todos os vetos e resistências de certa cultura de esquerda, a moda afirma-se sempre mais como um importante indicador social. Através dela, pode-se saber muito sobre o modo de vida, as estruturas sociais, os valores e os comportamentos, bem sobre as opções e a disponibilidade política das pessoas, os estilos de participação e contestação. Pode-se compreender melhor os hiatos e as distâncias sociais, tanto quanto a capacidade que todos têm de criar tipos, definir perfis e inventar.

Moda não é somente mercado e consumo: também é cultura, especialmente em uma época como a nossa, em que o mundo se abre e se conecta, e afirmação de identidades e luta por reconhecimento passam a fazer parte da agenda cotidiana de todos. Deste ponto de vista, a moda tem uma dimensão política interessante, que vale a pena considerar.

A jovem, dinâmica e criativa jornalista paulistana Laura Artigas mantém no ar, desde 2006, o blogue Moda Pra ler, que nos ajuda a entender a moda e o que mais esteja com ela relacionado. Dêem uma olhada: http://www.modapraler.blogspot.com/

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Show de Sueli Costa em São Paulo

Sueli Costa é antes de tudo uma artista, uma compositora. Umas das grandes da MPB. Parceira de músicos e letristas excepcionais (Abel Silva, Tite de Lemos, Cacaso, Aldir Blanc, Ana Terra, Paulo César Pinheiro, Vitor Martins, João Medeiros Filho, Luiz Sergio Henriques), suas composições foram interpretadas por muitos. Como se não bastasse, Sueli é cantora e instrumentista. Quando canta e toca, transfere emoção rara às suas melodias.

Nascida do Rio de Janeiro e criada em Juiz de Fora (MG), Sueli começou a tocar e a compor nos anos 1960, em sintonia com a bossa nova. Participou dos festivais daqueles anos, musicou filmes e peças de teatros e explodiu no começo da década de 1970, quando "Encouraçado" ficou em 3º lugar no V Festival Internacional da Canção (TV Globo). Logo depois, as canções "Aldebarã", "Assombrações" e "Sombra amiga" foram incluídas por Maria Bethânia no repertório do show Rosa dos ventos. No ano seguinte, Elis Regina gravou "Vinte anos blues" no LP Ela. Daí em diante, foram dezenas de pérolas e 5 LPs pela EMI-Odeon: Sueli Costa (1975), Sueli Costa (1977), Vida de artista (1978), Louça fina (1980) e Íntimo (1984).

Depois, Sueli deu um tempo dos estúdios, mas continuou pensando, lendo, escrevendo, buscando traduzir a alma de seu tempo, compondo. Como podemos ler no Dicionário Cravo Albin da Música Brasileira (http://www.dicionariompb.com.br/default.asp), tornou-se uma referência para diversos artistas, que gravaram e continuam a gravar suas canções (Nara Leão, Simone, Fátima Guedes, Ney Matogrosso, Joanna, Fagner, Fafá de Belém, Ithamara Koorax, além de Elis e Bethânia).

Em 2000, Sueli lançou o CD independente Minha arte. No final de 2007, com o já antológico CD Amor blue (também independente), deu um banho de sensibilidade, vigor e delicadeza, apresentando 12 músicas inéditas em arranjos caprichadíssimos, feitos por ela mesma..

Como que para comemorar os 40 anos de carreira, resolveu então pegar a estrada e fazer alguns shows. Estará em São Paulo no próximo dia 9 de maio, às 21 horas, no Teatro SESC Santana, Av. Luis Dumont Vilares, 579 – Tel 11-2971-8700.

Quem puder ir não deve perder. Quem não puder, arrume um jeito de comprar o CD. Como se diz por aí, é imperdível.

Sueli também tem um site: http://www.suelicosta.com.br/, que a apresenta por inteiro e vale algumas visitas.