segunda-feira, 15 de julho de 2013

Governança precária



Com a morte do plebiscito e dada a ênfase que se depositou na reforma como resposta ao clamor das ruas, será possível mexer na Saúde e na Educação sem que se altere o sistema político?
Charge de Aroeira

 Depois da morte do plebiscito e da diminuição do entusiasmo com que se pede reforma política no país, a ofensiva governamental parece estar ancorada no Programa Mais Médicos, com que se almeja turbinar, democratizar e emprestar eficiência à Saúde.
Dada a ênfase que se depositou na reforma como eixo da resposta governamental ao clamor das ruas, será possível mexer na Saúde e na Educação sem que se altere o sistema político?
Se a resposta for sim, o governo errou ao descarregar fichas na reforma política: ela não é tão importante assim e só foi pensada para indicar que se tem em Brasília um governo ativo, capaz inclusive de decifrar o substrato do que pedem as ruas. O governo falou em reforma, mas não falou de uma reforma específica, provavelmente porque não tem uma opinião coesa a respeito. Com isso, não teve como dar força à própria proposta, não teve como brigar por ela, que terminou por ser desarmada no Congresso.
Se a resposta for não, ou seja, se se concluir que a melhoria da Saúde e da Educação, assim como o atendimento das demandas das ruas por melhores políticas públicas, não podem avançar porque há obstáculos políticos que precisariam ser superados por uma reforma do sistema político, então temos um grande problema: rapidamente, as propostas governamentais  tenderão a ser esquecidas e os gabinetes palacianos terão de preparar outras.
O maior erro da proposta governamental para a Saúde é vir de cima para baixo e não definir satisfatoriamente os detalhes operacionais. A sociedade vê com bons olhos tanto a exigência de que os médicos deem algumas horas de serviço para o SUS, quanto a ideia de se trazer médicos estrangeiros para preencher eventuais vazios existentes no sistema de saúde. No âmbito do programa, foi criado o projeto Mais Médicos para o Brasil, que prevê oferta de bolsas para curso de especialização de três anos em atenção básica de saúde, inclusive para médicos estrangeiros, em regiões carentes e prioritárias do SUS. É uma ótima ideia, creio. Mas as coisas não são tão simples quando se vai para o terreno operacional. Pode ser que haja uma batalha política para a aprovação da medida provisória que institui o programa. Além do mais, os resultados mais sustentáveis da proposta somente aparecerão dentro de 6 ou 7 anos, quando os primeiros estudantes de medicina começarem a pagar o tributo imaginado pelos legisladores de Brasília. Não é fácil que dê certo. Caso seja mal articulada, uma boa ideia pode produzir efeito inverso. E é justamente a dificuldade de articulação que tipifica o momento atual do governo.
No horizonte, anuncia-se aquilo que se costuma chamar, sem muita precisão, de “crise de governança”. O governo quer governar, mas não consegue. Em parte, porque não sabe bem o que fazer, tem pouca articulação e carece de coordenação política: não está sabendo compartilhar decisões e propostas, desgastando-se. E em parte porque há pedras soltas no pavimento, que o fazem tropeçar. Pode-se falar em crise, também, porque os demais poderes do Estado (Legislativo e Judiciário), além de não poderem substituir o Executivo, não estão de modo algum no melhor da sua forma e não contribuem para que se governe mais e melhor. Há algo de “crise de governabilidade” no pedaço, ou seja, de incapacidade institucional de transferir legitimidade e representatividade para o governo. Sua base parlamentar de sustentação é quase patética, e não se envergonhará de aproveitar a eventual fraqueza governamental para enfiar mais fundo a faca e extrair novas vantagens. As oposições, por sua vez, gritam, esperneiam, agitam-se, cada partido a seu modo, mas só estão mesmo interessadas em infernizar o governo e eventualmente em ver seu próprio cacife crescer para 2014.
Uma eventual “crise de governança” não é a antessala do caos ou da ruptura institucional. Pode ser administrada e tolerada. Pode ficar naquela condição de precariedade que costuma ser suportada pelas democracias. Mas, caso se estenda no tempo, costuma produzir ingovernabilidade, deterioração e desmoralização. Do governo, antes de tudo, mas também do Estado em seu conjunto.

Um comentário:

Janice disse...

Professor, você, mais uma vez, nos presenteou com um novo artigo - estou matando minha sede em sua fonte. Eu fico maravilhada como sabe separar o essencial do acessório e, com a clareza e concisão,que apresenta os fatos. Seguramente, esse artigo fará parte de minhas aulas. Abraço.