quinta-feira, 11 de julho de 2013

Sabedoria oblíqua



Há mérito e correção no que propõe o governo Dilma. Sua estratégia está conseguindo pautar o debate e forçar os interesses a se posicionarem, mas requer mais capacidade de negociação política, comunicação eficiente e quadros técnicos

Meu amigo Alexandre Curtiss Alvarenga, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, fez outro dia, numa roda de conversa no Facebook, uma observação que considero das mais inteligentes sobre a crise política atual.
No post, ele se perguntava se não estaria havendo “uma espécie de sabedoria obliqua nas propostas do governo, pois é certo que está ditando a agenda e colocando o Congresso e agora os médicos para dizerem 'o que querem', deixando claro, para todos, que o sistema está travado há décadas e não por vontade desse governo”.
Curtiss foi ao ponto, de forma precisa. Concordo inteiramente com a observação de que o governo Dilma se esforça para ditar a agenda, pois é desse modo que pretende contornar a crise de legitimidade que o ameaça. Uma inteligente estratégia de sobrevivência, definida e posta em prática com grande rapidez, o que pegou de surpresa o sistema e seus atores. Ao agir assim, tempestivamente, o governo saiu do cerco e pode recompor suas bases, ou ao menos parte delas, ao mesmo tempo que reabrir o diálogo com a sociedade.
Há, porém, um risco, como em qualquer estratégia. Se agir de forma atabalhoada, movido pela pressão e sem o devido molejo político, o efeito bumerangue será inevitável e matará qualquer impulso reformador que esteja embutido na estratégia governamental. Será pouco virtuosa, por exemplo, uma atuação que dispare para todos os lados só para se mostrar energético e dizer que não se está deixando as reivindicações sem resposta. Nesse caso, a resposta virá, mas permanecerá no plano retórico. Permanecendo aí, terá de aumentar o tom da voz e, com isso, como bem observou Curtiss, produzirá “acirramento nas posições e radicalização nos discursos”, do que poderão surgir “fraturas difíceis de manejar e sanar”.
Tenho insistido na hipótese de que Brasília está desprovida de operadores políticos em número e em qualidade que seriam necessários para administrar a crise, que é grande e complexa, ainda que de modo algum incontornável. Faltam ao governo mais inteligência, musculatura e sensibilidade, ou seja, capacidade de negociação política, articulação, comunicação eficiente e quadros técnicos.
Além disso, o próprio eixo da estratégia – o governo sempre quis fazer, mas foi impedido pelo excessivo corporativismo do Congresso (e dos médicos, acrescentemos) – não tem como ser levado muito longe, pois a agenda das políticas públicas está aberta e vem sendo discutida há anos e o governo, que integra um ciclo de esquerda que dura uma década, já poderia ter feito o barco andar. Mesmo que tivesse contra si todos os ventos, o que não ocorreu.
A substância do que propõe o governo é justa, correta e eficiente, seja quanto à necessidade de uma reforma política, seja quanto às medidas para melhorar a saúde pública. No segundo caso, o governo pôs as cartas na mesa e está obrigando os trabalhadores da saúde, e os médicos sobretudo, a se posicionarem. Quer aumentar o número de médicos em ação no país e quer que eles atuem no âmbito do SUS, usando para isso o serviço obrigatório. Parece-me difícil alguém ser serenamente contrário a isso. O consenso, porém, fica mais difícil quando se passa para o terreno do como fazer, para os detalhes, as planilhas de custos, os cronogramas, os desdobramentos e as implicações, os resultados efetivos, os que serão afetados. E é aí que a velocidade tem de ser reduzida e os interesses precisam ser integrados.
Por que 2 anos, e não 3 ou 1, para a prática obrigatória? Serão todos os estudantes, ou somente os das faculdades públicas? Se forem incluídos todos, o governo também pagará as mensalidades particularidades das escolas, além das bolsas aos estudantes? Supõe-se, por exemplo, que mais médicos trarão melhor atendimento. A medida será reforçada por uma injeção de recursos financeiros e de infraestrutura. Mas, e se o problema estiver naquilo que os administradores chamam de atividades-meio, ou seja, na ineficiência da gestão? Nesse caso, todo o esforço feito para melhorar as atividades-fim será desperdiçado. Será preciso, pois, diagnosticar bem e formar equipes gestoras que turbinem o sistema.
Nada disso atinge a substância, o mérito, da proposta. Mas requer entendimento e esclarecimento. Para que não se estrague a iniciativa.

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