sexta-feira, 17 de outubro de 2014

De Marina a Aécio, tomada de posição a partir da esquerda democrática




  
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Votei em Marina Silva no primeiro turno. A perspectiva de uma quebra clássica da polarização partidária que trava a política nacional, mediante o surgimento de um Terceiro, mostrava-se, naquele momento, possível e encontrava em Marina um protagonista qualificado.
Vários problemas e circunstâncias, antes de tudo a infame obra de demolição empreendida pelo PT contra Marina, impediram que aquela perspectiva progredisse e se afirmasse.
A velha polarização se repôs. Mas não do mesmo modo. Rapidamente se requalificou. A aliança que, dia após dia, foi-se configurando em torno da candidatura de Aécio Neves mudou a cara do polo oposicionista. Ele deixou de ser a encarnação pura e simples do PSDB, ampliando-se à esquerda e agregando novas forças democráticas e reformadoras.
A decisão de Marina de apoiar esta aliança coroou simbolicamente a requalificação. Diferentemente de alguns analistas, penso que Marina foi dona de seu destino e mostrou particular maturidade política com o gesto. Antes de tudo, foi ótima no timing. Na primeira hora depois das urnas do primeiro turno, não poderia ter declarado apoio a ninguém, nem a Aécio e nem muito menos a Dilma, responsável maior pela mais sórdida campanha de destruição jamais feita por um partido de esquerda contra um adversário de esquerda. Ela, Marina, precisava achar o modo de se repor na política prática. Condicionou o apoio e convidou o candidato tucano a endossar os pontos programáticos que na visão dela justificariam uma caminhada conjunta. A aceitação de Aécio fechou o círculo. A manifestação de Marina, no domingo dia 12 de outubro, foi um belo espetáculo de ação política, negociação e discernimento.
Penso que ela saiu engrandecida com seu gesto político. Não é pouca coisa, no Brasil dos dias correntes, fazer acordos com base em postulações programáticas. Marina conseguiu, e valorizou assim a ideia da “nova política”, dando-lhe substância material. Permaneceu no jogo, em condições de influenciar a política nacional e o futuro governo, caso Aécio vença.
Disseram: o apoio chegou tarde demais porque os eleitores de Marina já haviam escolhido seu candidato. Não vejo assim. Primeiro, porque nenhuma parceria entre políticos determina a conduta dos cidadãos. Pode, no máximo, ajudar a que os movimentos dos eleitores se consolidem. Não há transferência de votos em política. Em segundo lugar, porque o apoio de Marina tornou-se público num momento politicamente adequado, dando gás a Aécio e protagonismo a Marina. Ela se mostrou, acima de tudo, disposta a fazer política nos termos em que a política é feita, demonstrando vontade de mudar a política a partir dela, e não mediante operações feitas de fora para dentro.
O eleitorado da Marina está certamente dividido hoje, e aqueles que ainda não tomaram posição provavelmente só o farão na boca da urna, como aliás a maioria dos indecisos. Flutuará conforme os fatos, temas e debates que se sucederem na próxima semana.
Parte dos apoiadores de Marina e do embrião organizacional da Rede, por exemplo, preferiram seguir a trilha do voto nulo. Agarram-se ao purismo das opções ideais, convencidos de que o valor da coerência está posto de uma vez para sempre, não podendo se deixar macular pelos movimentos vivos e pela sujeira da história.
Não sou da Rede, mas tenho muitos amigos que são, e os respeito demais. Assim como a maioria deles, penso que o futuro da Rede depende do cenário político que se abrir em 2015. Vencendo Dilma, a Rede terá vida dura, será combatida a ferro e fogo pelo novo governo, perderá parte de seu fascínio e dificilmente terá condições de se afirmar como proposição factível. Vencendo Aécio, e tendo o próximo governo alguma real influência de Marina, a perspectiva será totalmente outra. A Rede encontrará melhores condições de afirmação.
Por isso, tenho dificuldade de entender a ideia do voto nulo. Ele beneficia o status quo, ajuda a eleger Dilma, ou seja, enfraquece a perspectiva de futuro da própria Rede. Voto nulo, hoje, é um voto desconectado da política como movimento. Uma espécie de erro estratégico cometido com as melhores intenções.
Foi em nome deste raciocínio que ajudei a organizar uma manifestação pública em apoio à candidatura de Aécio Neves. Creio que as pessoas que, como eu, se sentem parte da esquerda democrática e das diferentes famílias de democratas, precisam tomar posição. Há algumas coisas importantes em jogo, ainda que a vida não vá acabar com o resultado das urnas. Não ganharemos nada com a consagração de alguém que fez uma campanha sem limites éticos, sem critérios programáticos e valendo-se de todo tipo de artifício oportunista, que denigre a história e a cultura das esquerdas e da democracia. Caso as urnas referendem Dilma e o PT que se revelou na campanha de 2014, a esquerda democrática continuará viva e ativa, mas a política nacional ficará mais pobre e difícil, incidindo negativamente na dinâmica social, nos rumos da economia e na agenda do país.
O manifesto acaba de ser publicizado na internet. Está aberto a novas adesões e pretende, modestamente, ser um fator de contribuição para que se pense a política e as escolhas eleitorais a partir de critérios mais serenos e equilibrados. Com os olhos no futuro.
O manifesto pode ser lido e endossado em www.esquerdademocratica.com.br

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