sexta-feira, 11 de julho de 2014

O companheiro incômodo




Filho de uma família ligada à indústria têxtil, Paulo Skaf preside a FIESP desde 2004, o que o tem credenciado como uma importante liderança empresarial. Vem assumindo causas caras ao setor: fim da CPMF (aquele famoso “imposto do cheque”), legislação trabalhista flexível, juros baixos, redução da carga fiscal, mais políticas de infraestrutura.
Skaf não é um capitalista. A tecelagem que herdou do pai foi fechada em 2000, depois de acumular muitas dívidas previdenciárias e ser considerada sem condições de competitividade. Skaf aumentou então seu envolvimento com as entidades empresariais, ambiente em que passou a ter intensa atuação.
Define-se como um defensor das indústrias brasileiras frente ao capital estrangeiro. Pensa que uma sociedade desenvolvida (e, claro, democrática) precisa estar enraizada numa indústria forte. Busca associar sua imagem à figura do executivo competente. Faz de tudo um pouco no tabuleiro político, sempre em nome dos interesses empresariais. Critica os bancos e certas diretrizes econômicas do ministro Mantega, por exemplo, mas não deixa de elogiar os governos petistas. Tem aceitado de bom grado o apoio e o comando de Brasília.
Em 2010, decidiu ingressar na política e lançou-se candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro, manobra que gerou algum espanto mas que caiu no esquecimento após os 4,5% obtidos nas urnas e seu desligamento do PSB. Inscreveu-se então no PMDB e tornou-se aliado do PT, funcionando como uma espécie de fiador da coalizão de classes que passou a ser seguida por Lula e Dilma em nome da ideia de que para se ter governabilidade, crescimento econômico e melhor distribuição de renda seria preciso fazer concessões ao grande e médio capital.
Agora, Skaf é novamente candidato ao governo estadual. No início, Dilma procurou atrai-lo, sugerindo que ele poderia ser uma segunda opção para derrotar o PSDB além de Alexandre Padilha, candidato do PT. A reação foi rápida. Skaf afastou-se de Padilha e passou a dizer que em São Paulo ele é oposição tanto ao PT quanto ao PSDB, o candidato mais qualificado para encerrar a longa permanência dos tucanos no Palácio dos Bandeirantes. Se chegar ao 2º turno, acredita que receberá os votos antipetistas contra o PT e os votos petistas contra o PSDB. Tenta assim driblar a perda de prestígio de Dilma e o cansaço do eleitorado com a polarização PT-PSDB. Mas não é clara a política que seguirá caso seja eleito.
Skaf também procura atrair a simpatia dos eleitores petistas não atraídos pela opaca candidatura do partido. Se São Paulo é um estado “conservador”, com uma “elite branca” e uma classe média antidemocráticas e hostis à esquerda, um líder empresarial pode ter mais poder de sedução do que um simples médico do interior, representante autêntico da classe média tradicional. O personagem em questão, além do mais, está ligado a uma “classe antagônica” (a burguesia), mas não é no momento um inimigo de classe, dadas as boas relações que mantem com o PT.
Rapidamente, cerraram fileiras com Skaf outros pesos-pesados do setor, como Paulo Maluf, Afif Domingos, Michel Temer, Henrique Meirelles e Gilberto Kassab. O PT voltou à posição usual de disputar eleições com a estrela vermelha no peito e apoiado em uma chapa puro-sangue. O PSDB, já abraçado ao governador Alckmin, escolheu um vice do PSB e, para não abrir espaço excessivo para um incômodo palanque duplo no estado, reforça a chapa com a candidatura de Serra ao senado.
A velha política mostra seus dentes: confusão ideológica, falta de clareza programática, alianças sem coerência, compra e venda de apoios, truques, futricas e acusações para todos os lados. Lançam-se as cartas para que o eleitor as decifre.
Diz a boa análise política que sempre há algo além daquilo que se vê. Não somente porque a realidade é em si mesmo essência e aparência – um indissolúvel claro-escuro de verdade e engano que nos confunde e excita –, mas também porque a política é simulação e dissimulação. Sendo assim, o que estaria por trás da candidatura Skaf nos termos em que ela promete evoluir?
Uma hipótese poderia sugerir que ela expressa certo esgotamento da fórmula experimentada nos últimos 12 anos pelo PT, a de ser o condutor da coalizão de classes neodesenvolvimentista. Uma inversão poderia estar em curso: para manter a coalizão, o bastão deverá agora passar para um PMDB impulsionado pelo empresariado paulista. Acena-se, em troca, com o afastamento dos tucanos do emblemático Palácio dos Bandeirantes, velha obsessão do PT. Atacar-se-ia assim o PSDB não pela esquerda, mas pela direita, com o que, caso esteja correta a análise petista da estrutura de classes paulista, as chances de vitória cresceriam.
Tal raciocínio admite que, se há um “desejo de mudança” no país, ele também está presente em São Paulo e é preciso aproveitá-lo. Skaf não atuaria, nesse caso, como linha auxiliar do PT, mas como ferramenta de correção de rota. Pode estar sugerindo que os empresários estão a procurar um novo posicionamento na política brasileira. E pode ser o indício de que uma aliança de classes entre o grande capital e os trabalhadores, que vigora no âmbito federal, precisa ser reconfigurada a partir de São Paulo, para quem sabe dar novo oxigênio ao que funcionou até agora.

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