segunda-feira, 14 de julho de 2014

Bola, jogo, política, politização


Osgêmeos, No fundo do mar respirar é mais fácil. 2012

Deve ter sido puro fruto do acaso que a abertura oficial das eleições de 2014 tenha coincido com o encerramento da Copa. Seja como for, quando Dilma Rousseff afirmou que a próxima disputa presidencial será "a mais politizada da história" abriu-se uma clareira para várias reflexões.
Já fiz a minha aqui neste blog e em artigo que saiu no caderno Aliás do Estadão de 13/07/2014.  Quero acrescentar uma breve ênfase.
Politizar pode ser entendido como preocupação em fazer com que a política prevaleça: que se dê prioridade ao interesse público, que a discussão substantiva prevaleça sobre a troca de ofensas, que a busca do que é importante para um país supere os projetos de poder dos candidatos e de seus partidos. Ao final de uma disputa devidamente politizada, é de se esperar que sobre uma ideia de sociedade, se possível formada com o concurso de uma variedade de opiniões e interesses.
O modo como se pensa a politização interfere no modo como se faz política. E vice-versa. Por mais que sofra a influência das circunstâncias históricas globais – cada época tem a sua política –, a discussão política está fortemente determinada pela cultura de cada sociedade. Ocupa, aliás, um lugar central nessa cultura, tendendo a preencher muitos espaços e florescer onde menos se espera. Assim também com a conduta política.
As manifestações de alguns torcedores brasileiros durante a Copa refletiram de alguma maneira o modo como pensam e agem politicamente. A facilidade com que se passou do campo de jogo para o campo político indica com clareza isso, assim como as vaias e ofensas dirigidas à presidente e aos hinos de outros países.  Estas vozes foram políticas, mas estiveram perversamente politizadas: simplificaram tudo num misto de imputação de responsabilidades, ódio e ressentimento. Tentaram canalizar um protesto contra o que julgam estar errado no país, mas escolheram o pior caminho.
Assim como esteve encharcada de política o modo como se reagiu ao cataclismo provocado pelos 7 a 1 da Alemanha. Queimaram-se bandeiras, buscaram-se responsáveis, fizeram-se acusações, falou-se que a seleção teria “obrigação de vencer” mesmo que estivesse despreparada e praticasse um futebol abaixo da média. Não se viu o jogo politicamente, quer dizer, como uma disputa entre contendores que respeitam regras e buscam fazer com que o substantivo prevaleça sobre o adjetivo. Tanto nas comemorações quanto nas análises do jogo e do desempenho em campo houve política, mas não politização de  qualidade.
A derrota humilhante para os alemães e a perda da Copa ainda não foram processadas. Poderão ser – e é de desejar que sejam – devidamente politizadas: analisadas com a prevalência do coletivo sobre o individual, do todo sobre a parte, assim como com a devida consideração do que há de processo e de história, de projeto e mentalidade, de plano e espontaneidade, de preparo e improviso, de fortuna e virtù, de disciplina e organização, num simples esporte popular. Sem isso, pouco se tirará de positivo do fiasco: não se aprenderá com ele e, no dia seguinte, a vida futebolística seguirá a mesma. Despolitizada.
Não dá para aprisionar o futebol em quadros sociológicos rígidos, como se fosse possível ver nele o espelho da sociedade. Há ligações entre o modo de viver, a cultura e o modo de jogar, mas não muito mais que isso.  O futebol não é a encarnação do que há de bom e de ruim numa sociedade, assim como não é a “pátria de chuteiras”, a não ser metaforicamente. Triste seria uma nação que só encontrasse num esporte as razões de sua felicidade ou de seu orgulho. A cultura, o caráter das pessoas, alguns políticos, a natureza, a música, a culinária, a criatividade popular, tudo isso enche os brasileiros de orgulho muito mais do que o futebol. Uma seleção não nos representa, se é que se pode dizer assim: representa somente a si própria, ou seja, aos técnicos, aos dirigentes e aos jogadores que a integram, ainda que possa ser figurada como expressão do brasileiro.
O futebol tem muito de política: desejo de vencer e sobrepujar, simulações e dissimulações, dribles, faltas de jogo, glória, fracasso, castigos e punições, fatores imponderáveis. Nele, o jogo tem tanto de força física quanto de tirocínio. O centauro maquiavélico entra em campo. E como o Príncipe, precisa saber ser lobo para confrontar os lobos do outro lado e ser raposa para desarmar as armadilhas que encontrará pelo caminho. O jogo jogado tem maior poder de decisão. Mas não são desprezíveis as artimanhas antes e durante o jogo.
Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. E quanto mais soubermos separar resultados esportivos e expectativas políticas melhor para a cidadania. E melhor para a política e para o futebol, que poderão ser assim adequadamente politizados.

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