quarta-feira, 23 de abril de 2014

Sangrando em praça pública



 
Ilustração de Chico Caruso

Confesso que tenho dificuldade de entender o caso André Vargas.
Não o das maracutaias em que ele se meteu. Mas o da sua renúncia ou cassação, naquilo que diz respeito ao impacto que tem sobre o PT.
Partidos são arenas de luta e disputas. Há muita crueldade e muitos ajustes de conta dentro deles. Mas são também espaços de solidariedade e companheirismo, ajuda mútua e preocupação com o conjunto. Um bom militante preza o coletivo, se bate por ele, busca preservá-lo e valorizá-lo, seja porque acredita em seus valores, seja porque precisa dele para se afirmar. Se se trata de um dirigente, é de se esperar que isto seja ainda mais verdade.
É por isto que não compreendo o modo como o PT está enfrentando o caso.
Vargas não é um militante comum. Por vias de alta velocidade, tornou-se mandarim no partido. Virou Secretário Nacional de Comunicação, de onde ganhou força para ser impulsionado à vice-presidência da Câmara. Homem de confiança do PT, portanto, ou ao menos de sua corrente majoritária. Nesta condição, tornou-se um ativo lulista, desses que pregam "volta, Lula" aos quatro ventos.
Pelo peso interno que adquiriu, suas ações não foram indiferentes. Tiveram o timbre do partido. Ele se transformou num recurso valioso. E perigoso.
De repente, veio à tona seu caso com o doleiro. Sujeira ameaçando chegar às portas do Planalto. A imagem de um novo mensalão passa a rondar Brasília.
O que fazem então os envolvidos? Sacam as armas. Tiros para todos os lados. O deputado aceita renunciar, mas volta atrás e ameaça: "vou até o fim e vou fazer meu sucessor na vice-presidência da Câmara". A direção partidária faz que constitui uma comissão de ética para conversar com o cara e entender a situação. Dela nada se conclui. O presidente da legenda, Rui Falcão, perde a paciência: “Você já devia ter renunciado para evitar tudo isso”. Para ele, o partido não tem por tradição abrigar suspeitos de corrupção. Sugere que o caso do mensalão é bem diferente. Lá teria ocorrido caixa 2, não relações ilícitas. O deputado retruca dizendo que tornará público seu apoio aos candidatos petistas, que passarão assim a ser vistos como identificados com ele. Desta forma, sujarão de algum modo a mão.
Aí a gente começa a juntar as pontas. André Vargas foi um dos mais ardorosos defensores dos condenados do mensalão. A foto em que ele aparece de punho para o alto ao lado de Joaquim Barbosa fez dele quase um ídolo da militância mais combativa.
Teria sido somente jogo de cena, para encobrir os trambiques que fazia? Será ele uma vítima da sanha investigativa da mídia, um rapaz bem intencionado que não avaliou corretamente os rolos em que se metia? Ou André Vargas não passou de um blefe, que durante certo tempo conseguiu ludibriar a cúpula partidária?
Não sei a resposta, e nem creio que ela seja muito importante. Sei, no entanto, que o prolongamento de sua agonia atrapalha o PT, e muito. Repõe o partido na vitrine e de um modo não vantajoso. Faz com que militantes e dirigentes tenham de mastigar novamente, em público, a goma amarga da corrupção. Levanta a suspeita de que o partido usa pesos diferentes, calibrados pelas circunstâncias, para administrar problemas parecidos. Ora André Vargas surge como um perseguido pelo diretório nacional, que não dá a ele o mesmo apoio que deu aos acusados do mensalão. Ora irrompe como o justiceiro que mostrará ao mundo a verdade dos fatos, de dentro e de fora do partido.
Em suma, todos perdem. O deputado, porque será cassado ou renunciará e porque será expulso do partido. Não voltará a ser o mesmo. E o PT, porque ficará sangrando em praça pública num momento em que deveria estar mostrando todas as suas forças e virtudes.

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