quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um plebiscito pensado para não dar certo





Ao propor a união dos partidos e instituições em torno de cinco pactos nacionais, a presidente Dilma agiu como estadista e, pela primeira vez em seu governo e no de seu antecessor, desceu do pedestal, convocou os políticos e conclamou-os a ir onde o povo está. Fez isso, também, com a intenção inteligente de socializar os custos da operação política com que se busca reagir aos protestos das ruas.
O problema é que o está dentro do pacote, o detalhamento dos pactos. Faltou-lhe assessoria técnica. Faltou-lhe tempo, também, já que a necessidade de agir com rapidez fez com que o pacote fosse amarrado ás pressas e perdesse coerência.
O que era uma Constituinte exclusiva virou repentinamente “plebiscito popular” sobre a reforma política. É uma fórmula simpática, amigável para parte dos manifestantes e que bota pressão sobre parlamentares e partidos. Ela poderia render muito para o governo e para o país.
Digo poderia porque suspeito que não vá render.
Precisamos inquestionavelmente e com urgência de uma reforma política e de uma reforma política que seja claramente sancionada pela população, de forma a que entre na corrente sanguínea dela, seja compreendida e assimilada por ela. Sem isso, continuaremos a patinar. Há, porém, uma questão, que está a tirar o sono dos estrategistas, dos estudiosos, dos juristas, dos tucanos, dos dilmistas e dos antitucanos: temos tempo e condições de fazer algo sério sobre isso até agosto, como pretende Brasília?
Plebiscitos são processos de deliberação simplificados, quase grosseiros, dado não admitir nuance. É binário: isso ou aquilo. Imaginemos os 130 milhões de eleitores tendo de decidir se preferem “voto distrital” ou “voto distrital misto”, financiamento público ou privado de campanhas, “voto em lista” ou “voto personalizado” e outras questões mais. Chegarão a alguma conclusão minimamente confiável? Prevê-se que haverá uma campanha de 2 semanas para que as opções sejam defendidas ou atacadas, para que se possa refletir sobre elas e entende-las. Não é de modo algum um tempo suficiente.
Falo por mim. Sou professor de Política há 40 anos e tenho passado boa parte da vida discutindo política. Tenho debilidades crônicas no terreno dos detalhes do sistema político, mas presto atenção aos debates, me esforço para compreendê-los, ouço e leio com interesse meus colegas especializados. E confesso: não sei o que é melhor para o país quanto a sistema político. Tenho palpites, mas não é de palpites que se trata. Não há consenso sobre as regras sistêmicas que deveriam prevalecer após uma reforma política. Se pusermos numa sala 10 cientistas políticos ou 10 deputados, ou 10 militantes democráticos, ou 10 petistas , teremos 10 versões diferentes. Nas ruas, o grosso da população não tem a mínima ideia do que se trata. As pessoas podem fuzilar a tese do financiamento público só porque acham que ela tirará dinheiro da saúde e da educação. Ou acabar com a ideia de “lista fechada” só porque não querem mais partidos pela frente.
Como é então que poderão decidir? Com que racionalidade? O debate público democrático que deve preceder a essa ida às urnas simplesmente não existirá. Que esclarecimento público haverá então?
Não quero ser pessimista nem ficar agourando ou fazendo marola contra o governo Dilma. Desejo que ele acerte e topo ajudá-lo e apoiá-lo para que faça isso. Mas acho que com essa proposta – que tem impacto e compensa a lentidão com que se mexe na outros 4 pactos (saúde, transportes, educação e economia) –não daremos nenhum passo à frente. Correremos até mesmo o risco de irmos para trás ou de ficarmos a fingir que estamos caminhando quando sequer saímos do lugar.
Visto das ruas ou visto do Estado, o panorama é preocupante. O processo fugiu do controle e não há em Brasília e em nenhum outro Palácio estadual ou municipal qualquer plano de ação confiável para tentar manter o avião em boa altitude de cruzeiro.
A presidente tentou se vincular às vozes das ruas e pôs um bode na pauta. Pode ser difícil tirá-lo daí.

2 comentários:

Hercidia Coelho disse...

Muito interessante a frase: "Se pusermos numa sala 10 cientistas políticos – ou 10 deputados, ou 10 militantes democráticos, ou 10 petistas –, teremos 10 versões diferentes.", que faz uma diferença entre militantes democráticos e petistas!
Gostei e postei no Face.

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

É uma frase que descreve uma situação,Hercídia. A questão da reforma é complicadíssima e consensos não nascem prontos. Nesse caso, aparecerão, mas com dificuldades.