sábado, 22 de junho de 2013

Um discurso pela metade

 
Charge de Raul Motta no Humor Político.

Acompanhei, como muitos, o discurso de ontem à noite da presidente Dilma. Sei que, hoje, as mídias serão invadidas por ondas de análises, aplausos e vaias ao que disse a presidente. Como não costumo aplaudir ou vaiar o que quer que seja (tirando o futebol, claro), ficarei com as análises.

É preciso entender a situação da presidente. Ela coordena um órgão -- a Presidência da República -- que é o centro de um sistema amplo e que está, o sistema (mas suspeito que também a Presidência), fazendo água por todos os lados. Além do mais, Dilma foi encurralada nas últimas semanas pelas ruas, e não teve recursos para sair da parede. Seu partido e seus aliados e operadores, foram fracos e muitos chegaram mesmo a ser patéticos na resposta cotidiana ao que se passava no país.

A presidente foi ao discurso, portanto, naquela posição que se poderia chamar de defensiva, e sem ter muito o que oferecer. Não teve sequer tempo para preparar propostas políticas, confiante que o governo estava de que o povo o adorava. Um mês atrás, comemoravam-se os altos índices de popularidade de Dilma. Eles despencaram subitamente, mas os sinais de que isso poderia ocorrer deveriam ter sido captados pelos estrategistas do Planalto. Não foram. E a presidente foi ficando sem pé na realidade. Entregou-se então ao poder da comunicação, tentando ver se, com ele, compensava a perda de poder político dos últimos dias. 

Digo isso para salientar que não seria justo esperar muita coisa do discurso de ontem.

Mas há uma máxima meio irônica em política que diz mais ou menos assim: se um governante não tem muito o que oferecer, que ofereça então direitos. Adaptando, pode-se dizer que não tendo o que oferecer a presidente poderia ter oferecido perspectivas.

E isso o discurso não fez. Primeiro porque a presidente personalizou tudo, passando uma imagem de ofendida, ainda que generosa ("Eu estou ouvindo vocês..."). Vestiu uma carapuça preocupante: as manifestações teriam sido contra seu governo, já que esse governo teria sido visto pelas pessoas como responsável. Ela olhou a Esplanada dos Ministérios e as massas nas portas do Planalto, mas falou para o país inteiro. Não compartilhou o problema com prefeitos e governadores. Até a ação policial foi vista como problema dela, numa guinada conservadora ruim para quem é de esquerda. Declarou que fará tudo para manter o país "dentro da lei e da ordem", conclamando a população a agir pacificamente, "sem arruaças", etc. Não poderia ter dito, por exemplo, que alguns governadores erraram por não terem traçado uma política eficiente para suas polícias? Não poderia ter dito que, em São Paulo por exemplo, a violência policial equivocada e mal calibrada ajudou a impulsionar muita gente para as ruas?

Depois tem gente que fala que "a mídia conservadora" estaria a pautar as manifestações. A presidente falou no mesmo tom de William Bonner.

Outro erro estratégico, a meu ver, foi não ter proposto coisas que de fato produzam impacto nas pessoas. Foi traída pela linguagem técnica.  O que seria um "plano nacional de mobilidade urbana". E "oxigenação política"? Falar que vai trazer médicos do exterior para melhorar a saúde? E que vai transferir subsídios do pré-sal para a educação? Sei não, mas acho que pouca gente se deixou seduzir, persuadir ou contagiar. Até porque essas coisas não são imediatamente traduzíveis. Postas assim, ficam como folhas ao vento.

Gostei da parte em que ela anuncia que convocará prefeitos e governadores para uma discussão política com dimensão nacional. Tomara que faça isso mesmo, rompendo com essa caixinha de venenos que é a contraposição eleitoral PT vs. PSDB. Disse ainda que chamará os manifestantes para conversar. Bem, aí se complicou: quais deles? Todos ou alguns representantes? Mas como, se as manifestações recusaram o tempo toda a existência de líderes e representantes? Faltou, no discurso, uma mensagem aos partidos -- justo a eles, que são os operadores da falência do sistema. Deveria ter sido mais dura com eles, a começar de seu próprio partido. Poderia ter explicado para o povo que o "presidencialismo de coalizão" produz governos ruins que emparedam os presidentes e os impedem de governar bem.

Houve um aceno para a reforma política. Mas o que é isso, no jargão presidencial? Deu-se o rótulo, mas não o vinho. Penso que ela poderia ter falado, por exemplo, que a reforma visa a deixar o sistema mais leve e mais capacitado para a responsiveness, diminuindo o tamanho do Congresso, reduzindo seus custos (os salários, os assessores), simplificando o sistema eleitoral para que ela possa ser mais transparente e coerente.

Até da Copa ela falou, para salientar que o dinheiro gasto com as arenas é fruto de financiamento e que ela jamais permitiria que os recursos saíssem do orçamento público federal e prejudicassem setores essenciais. Não sei se convenceu.

 Muita coisa poderia ter sido dita. Ainda que o tempo fosse de apenas 10 minutos.

Agora é esperar para ver o efeito que o discurso terá.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meio atrapalhado, bastante genérico, quase de última hora mas tá valendo. Precisa escutar menos os marqueteiros e mais o coração. Ansioso mesmo estou por novidades no congresso.