quarta-feira, 4 de junho de 2008

Ironia, argúcia e provocação


Pode-se não gostar do que ela pensa, fala ou escreve, mas não há como negar que se trata de alguém diferenciado, que tem o que dizer e o diz com paixão e veio polêmico. Camille Paglia divide opiniões. Incomoda. Seduz platéias. Está sempre com o foco no presente, tentando decifrar posicionamentos, atitudes, comportamentos, correntes culturais. Também privilegia, evidentemente, os fatos políticos.

Camille é uma intelectual influente. Seu livro Personas sexuais, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, em que ela discute sexualidade, arte e civilização, é um show de ironia, argúcia e provocação. Uma peça a mais na briga histórica que Camille trava com o feminismo tradicional e contra muitas das verdades moralistas dos nossos tempos.

No domingo dia 1 de junho, o Estadão publicou uma interessantíssima entrevista com ela. Em meio a observações sobre a atual campanha eleitoral norte-americana, ela ataca o establishment, detona Hillary Clinton e explica porque vai votar em Barack Obama.

Posta diante da questão de saber qual a novidade e a contribuição da Internet, Camille não perdeu a oportunidade de falar para os jovens. Disparou:

”A Internet apresenta um mundo novo? Um pouco. Os jovens não estão assistindo à televisão e há uma miríade de pontos de vista diferentes na web. Mas a desvantagem da web e dos blogs é que tudo vem muito fragmentado, são só pedaços pequenos de informação. A antiga habilidade do argumento elegante de editorialistas e colunistas é uma arte em extinção, e lamento isso. As pessoas que sabiam construir um argumento e colocá-lo num texto conciso e bem estruturado estão envelhecendo. Hoje, estamos cercados por mídia. A geração atual está em constante contato entre si, mas eles não têm um espírito de rebeldia, de vontade de mudança, que minha geração teve. É claro que éramos ingênuos e talvez até arrogantes ao exigir do mundo que mudasse. Mas os jovens, hoje, não têm essa ousadia. Não encontro a moça com 20 e poucos que tenha esse projeto de escrever um longo livro que será a grande obra definidora de algum assunto. Os jovens querem publicidade, querem aparecer. Mas a verdade é que basta um artigo publicado em uma revista de grande circulação que já é suficiente para render um contrato lucrativo com uma editora. O livro baseado no artigo é escrito em oito meses e o que temos são livros superficiais saindo um após o outro. Jamais esqueço que não podemos julgar o futuro pelos paradigmas do passado. Estamos vivendo um momento de grande mudança na comunicação e, com toda grande mudança tecnológica do tipo, há ganhos e perdas. Estou chegando a uma idade em que começo a me sentir velha e talvez esteja olhando para os jovens como a geração de meus pais olhou para as pessoas com minha idade. Mas, veja, os filmes já não são como foram. E meus alunos não têm o interesse de ir ao cinema como eu tinha. Tivemos a sorte de viver um tempo em que o cinema europeu era exuberante. Nos habituamos a ir ao cinema ver aquelas obras tão profundas. Era um preto e branco de alto contraste, uma fotografia de imensa qualidade, a edição, a música. Entrei na faculdade em 1964 e foi lá que assisti a La Dolce Vita, que havia sido feito apenas cinco anos antes. Achávamos que o cinema seria assim para sempre. Mal resistiu aos anos 70, quando entrou num lento declínio. Do meu ponto de vista, Instinto Selvagem foi o último filme interessante jamais feito. Nada desde então merece ser revisto.”

Vale a pena ler a entrevista na íntegra.

2 comentários:

Thaís Speranza Righetto disse...

Olá Marco,
Agradeço a utilidade pública do blog que me permitiu conhecer as interessantes idéias de Camille Paglia. Tentar entender a sociedade em pleno início de século XXI é sedução e ao mesmo tempo desafio, por isso devemos nos atentar aqueles que o fazem com ousadia e perspicácia. Suas observações sobre a influência da Internet em relação os jovens são muito pertinentes já que a tecnologia seduz, facilita a comunicação, permite o acesso a informações diversas, mas de nada adianta se quem a opera não é preparado para tal. Os jovens são um exemplo claro, já ‘nasceram’ operando o mouse, porém muitos possuem um conhecimento fragmentado, que podemos constatar no uso da Internet limitando-se ao orkut ou do MSN, as ferramentas mais populares entre a garotada.
Uma garotada que tem toda energia e habilidade, mas que está se formando e informando de maneira fragmentada, como Camille cita ‘pedaços de informações’,podemos constar até pela forma de escrever, ou melhor tc. O ensino universitário também contribui pra essa fragmentação, já que muitas universidades hoje preparam apostilas para seus alunos, com aulas utilizando datashow e slides de PowerPoint, que expõem de forma ‘mastigada’ reflexões e obras de grandes pensadores que permanecem fechadas e desconhecidas nas bibliotecas. Uma pena devemos usar a tecnologia a nosso favor e não para reforçarmos esse comportamento fragmentado observado em nossa sociedade.
Esta lançado o desafio: não basta informar é necessário formar.
Abraço,
Thaís Speranza Righetto

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

É por aí mesmo, Thais. A internet ajuda, mas tem de saber usar, e usufruir.
Beijo