quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A subida, os riscos e o desafio de Marina




Não tenho competência para avaliar pesquisas eleitorais. Invejo os que sabem fazer isso. Sou mero leitor delas, das quais tiro algumas conclusões. Idem com debates.
Como todo mundo, fui olhar correndo os primeiros números da Pesquisa Ibope divulgada nesta terça-feira (26). Ela aponta Dilma Rousseff (PT) com 34% das intenções de voto para presidente da República e Marina Silva (PSB), com 29%. O candidato do PSDB, Aécio Neves, tem 19%, seguido de Pastor Everaldo (PSC) e Luciana Genro (PSOL), com 1% cada um. O levantamento indica que, num eventual segundo turno entre Dilma Rousseff e Marina Silva, a ex-senadora teria 45% e a atual presidente, 36%.
À primeira vista, é um cenário de horror para Dilma e sobretudo para Aécio. Era o que todos de certo modo esperavam. Marina tem peso próprio, seu recall de 20 milhões de votos em 2010 é expressivo e contou com bastante exposição nas últimas semanas. Tem pouca rejeição e parece ter conseguido sobreviver ao primeiro tiroteio contra ela. Está sabendo explorar com competência o cansaço da sociedade com a polarização PT-PSDB, atraindo o apoio de muitos refratários à política tradicional. Sua mensagem – reunir os melhores, atrair o que de há bom nos diversos campos, juntar desenvolvimento com sustentabilidade, mudar o modo de fazer política – é fácil e rapidamente assimilada pelas pessoas. Parece ser mais que uma “onda”.
Mas não diria que está tudo perdido para Dilma e Aécio. Não só porque há muitas nuvens passageiras na política, mas também porque a própria Pesquisa Ibope mostra alguns dados interessantes. Por exemplo, na modalidade espontânea da pesquisa (em que o pesquisador não apresenta a relação de candidatos), Dilma consegue boa margem: 27% contra 18% de - Marina Silva e 12% de Aécio. Para Aécio, o cenário é bem menos risonho e será o caso de perguntar de onde ele e o PSDB tirarão forças e oxigênio para perseguir Dilma e Marina. Necessitarão de um fato extraordinário, caso contrário empacarão.
Chamam muita atenção a dificuldade e a incapacidade que o PSDB está tendo para sacudir a poeira acumulada em seus armários e dialogar com a sociedade que está aí.
A pesquisa mostra também que a administração Dilma tem a aprovação de 34% dos eleitores. Eles consideraram o governo como "bom" ou "ótimo". Não é pouca coisa. No levantamento anterior, divulgado em 7/8, o índice era de 32%.
O grande gargalo de Dilma é a rejeição. Sua taxa (percentual dos que disseram que não votam nela de jeito nenhum) é alta demais: 36%, contra 18% de Aécio e somente 10% de Marina. Como alterar isso? Com números e demonstrações de sucessos obtidos até aqui não será possível. E Dilma não parece ter nenhuma carta na manga que aponte para o futuro. Ela busca um reconhecimento do que foi feito e a sociedade quer saber o que haverá de novo. Difícil.
Olhando somente para esta pesquisa, Marina tem motivos de sobra para comemorar e Aécio, para se preocupar intensamente. Por mais que tudo esteja em aberto e repleto de incógnitas, uma tendência parece ter se fixado.
O problema é saber se Marina sustentará esta subida. Cabos eleitorais adversários não têm aliviado contra ela. A grande mídia também joga pesado. Sua campanha ainda está cercada de incógnitas, causa desconfiança em alguns setores e  ressentimento em outros. Tudo isso deverá produzir efeito e caso os problemas operacionais de Marina não sejam contornados ela poderá perder fôlego.
Depois, caso se sustente, será o caso de ver que perspectivas se abrem para um governo conduzido por ela. Marina tem alguns pontos fracos, e eles são perceptíveis. Não tem um partido próprio, fracassou na fundação da Rede. Suas relações com o PSB são delicadas, e não é de se esperar que sua coligação forme uma bancada forte no Congresso. Ela terá dificuldades com os partidos majoritários. E há o problema da política econômica, que não vem sendo adequadamente esclarecido por ela.
Sua assessoria não se resume a Gianetti e Lara Rezende, e há muita gente que diz que não há ali um pensamento que prevaleça claramente. Os que estão com ela há mais tempo não pensam como Gianetti, o que me leva a crer que este está funcionando somente como um criador de balões de ensaio. Luiza Erundina, por exemplo, sua coordenadora de campanha, certamente pensa de outro modo. E deverá ter muito mais peso em um eventual governo do que Gianetti.
Se com o passar dos dias houver um esclarecimento a respeito disso, a campanha ganhará muito. Assim como ocorrerá caso ela consiga indicar que é de fato possível construir uma boa aliança política por fora das porteiras partidárias mas sem excluir os partidos, algo que dê sustentação efetiva a um governo e a um conjunto de políticas. A ideia de que a política é mais que PT vs. PSDB é boa, e pode e deve ser demonstrada.
Se tiver êxito nestes dois movimentos, Marina porá de pé seu programa: desenvolvimento com sustentabilidade, inclusão social e arejamento político. Talvez passe por aí boa parte da fórmula “democracia de alta intensidade”.
Há muita gente inflamada construindo cenários de pânico e horror no caso de uma vitória de Marina, como se ela estivesse de antemão despreparada para governar ou sem capacidade para articular apoios. Esta é uma posição que não vê o dinamismo da política e que não leva muito em conta o estado precário da institucionalidade política, a fragilidade dos partidos (incluindo PT e PSDB) e a distância que se estabeleceu entre eles e a sociedade. Além do mais, se existe algo semelhante a um “sistema” de dominação e se este “sistema” não tem poupado apoio aos governos das últimas décadas – ainda que de modo diferenciado e nem sempre de boa vontade –, por que é que deixará de apoiar Marina caso ela vença?
Em um quadro de revolução passiva como o que se prolonga desde o último quartel do século XX, não é de se prever abalos políticos abruptos, até porque se vive numa única e mesma crise sistêmica, geral, que parece paradoxalmente “estabilizada”. E porque os governos não ameaçam o “sistema”, ainda que assim o desejem.
Tudo a ser visto, pensado e bem discutido, evidentemente.

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