sexta-feira, 27 de junho de 2014

Para além da “Copa das Copas”




Com o início das oitavas de final da Copa do Mundo, amanhã, há balanços, expectativas e previsões para todos os gostos. Carlos Alberto Parreira, por exemplo, acho que "agora a Copa começou”, sugestivo modo de dizer que daqui para frente haverá “hierarquia”, somente os bons se enfrentarão e as partidas serão decisivas. O Brasil pegará o Chile, diante do qual a "hierarquia" é histórica mas não apareceu na primeira fase, pois os chilenos foram melhores que os brasileiros. Outros preferem acentuar o "predomínio" das seleções americanas em detrimento das europeias, além do fracasso de grandes ex-campeãs como Itália, Espanha e Inglaterra. Há os caçadores de zebras, em busca dos times que surpreenderam. Há também quem se fixe na mordida de Luiz Suárez para entrar no mérito disciplinar do evento e quem se concentre em salientar o bom nível técnico e a dramaticidade da maioria dos jogos.
Se a seleção brasileira não encanta no campo e nem inspira confiança nos que torcem por ela, o mesmo não se pode dizer do evento como um todo. Algumas seleções encheram os olhos: Chile, Colômbia, Costa Rica, França, Argentina, Alemanha e Holanda mostraram que estão no Brasil em condições de vencer, ou ao menos impressionar. De modo geral, é unânime a constatação de que tudo está saindo muito além de qualquer cálculo. Turistas felizes, irmanados entre si e com os brasileiros, elogios bombásticos ao caráter acolhedor do país, estádios cheios, milhões de telespectadores e de comentários nas redes sociais, rios de dinheiro correndo, patrocinadores rindo de boca a boca -- é como se se dissesse que o mundo parou para assistir à Copa.
A Copa é, portanto, um sucesso. Como tenderia a ser mesmo, em que pese a falação em torno do "Não vai ter Copa" -- slogan que foi bradado por aí mas careceu de maior tradutibilidade, quer dizer, não foi processado simbolicamente nem assimilado pelas pessoas, terminando por morrer na praia. No "país do futebol" e diante de um evento de tal magnitude e tão encorpado empresarialmente, toda tentativa de boicote seria um fracasso, além de grosseiro erro político.
O bordão criado pelo governo federal, pela FIFA, pela grande mídia e pelos patrocinadores -- a "Copa das Copas" -- é evidentemente superlativo. Bom para agitar, acima de tudo. Mas não reflete bem a realidade.
Antes de tudo, porque qualquer megaevento, se comparado com outros de igual proporção realizados anos atrás, será categoricamente maior e terá mais repercussão. O mundo está mais conectado, as pessoas vivem em redes, circulam mais, viajam o tempo todo, o mercado impulsiona tudo, transforma até partidas de dama em espetáculo -- essa é a natureza da vida atual. É um erro dizer que a Copa de 2014 está sendo melhor do que a de 2010 ou a de 2006, simplesmente porque a vida é outra, não há termo de comparação, nem quando se privilegia o preço dos estádios.
Deste ponto de vista, o mundo se tornou efetivamente plano. Nunca o futebol foi tão capitalista e tão multinacional, nunca tantas pessoas foram por ele seduzidas. É um negócio como poucos. Em termos de jogo, seu agonismo, a disposição dos jogadores para a luta e a vitória, cresceu, em parte porque futebol é assim, em parte porque vem sendo turbinado sistematicamente tanto pela força do dinheiro quanto pelas novas técnicas e tecnologias voltadas ao preparo físico dos atletas. Uma disputa mundial de futebol, hoje em dia, será sempre um espetáculo saboroso e envolvente, arrastando até mesmo quem por ele não se interessa.
É pouco importante, portanto, discutir se em 2014 estamos tendo a “Copa das Copas”. O importante é compreender como é que um evento que muitos vaticinavam como fadado ao fracasso deu certo, em que pese toda a controvérsia. A força do espetáculo futebolístico se impôs. O marketing, a publicidade e a sofreguidão midiática deram uma mão. Até os políticos contribuíram: todos, de todos os partidos e correntes ideológicas, abraçaram-se na patriótica corrente “prá frente, Brasil”, vestiram verde-amarelo e saíram por aí. Mesmo que sem querer, foram atrás de Lula, que chegou a declarar que “o Brasil vai ganhar a Copa porque precisa disto”.
Na contracorrente do que a seleção faz em campo, o entusiasmo tomou conta do país. A Copa virou uma espécie de cataplasma universal, a cura para todos os males, desejo coletivo e ferramenta de união nacional.  O que sugere, entre outras coisas, que a Copa não terá como produzir efeitos eleitorais, como desejariam os que se batem entre si de olho nas próximas eleições. Melhor assim.
Ainda se falará muito do tal “legado da Copa”, razão maior das controvérsias que cercam o evento. Mas até agora, no encerramento da primeira fase, não se pode reclamar do espetáculo oferecido ou das condições para a circulação, o bem-estar e o trabalho de seus protagonistas principais, jogadores e torcedores. Houve inovações táticas, uso de tecnologia, ótimos jogadores além dos badalados, partidas emocionantes, gols de placa, grandes assistências, erros fatais de árbitros, suspeitas de favorecimento, manobras geniais de técnicos, choros e reclamações, locutores e comentaristas desnecessários, em suma, tudo o que é inerente a este esporte.
O futebol só tem a agradecer.

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