Demorei uns dias para escrever esse texto. Sem demagogia. Fiquei um tempo em estado de choque, sem ânimo para definir o que dizer.
Quarta-feira, 20 de janeiro, soube da morte de Giorgio Baratta. Poucos brasileiros sabem quem foi ele. Era conhecido e admirado por marxistas gramscianos, com quem mantinha relações estreitas, aqui no Brasil e em diversas partes do mundo. A todos encantava com sua ironia fina, seu conhecimento enciclopédico, sua admiração incondicional por Gramsci – uma admiração que não o cegava nem o fechava em tolos dogmatismos. O seu sempre foi um Gramsci aberto, plural, em busca de atualização, condição indispensável para que continuasse a ser útil para o esforço de compreensão do mundo. “O mundo grande, terrível e complicado”, como costumava falar Giorgio, exige muita tenacidade, muito empenho e muita flexibilidade. Gramsci era, para ele, o principal marxista equipado para este movimento de compreensão.
Giorgio morreu aos 72 anos, de câncer, contra o qual lutou obstinadamente nos últimos meses. Estive com ele em janeiro de 2009, em Roma, data da foto reproduzida acima. Depois, conversamos por e-mail algumas vezes. Nunca me passou pela cabeça que poderia estar doente, depois daquela tarde fria em que passeamos pelas ruelas do Trastevere. Na ocasião, Giorgio me pediu para lhe enviar um exemplar do meu livro sobre Joaquim Nabuco, As desventuras do liberalismo, porque achava que se o lesse iria conhecer melhor o Brasil. Meses depois, numa troca de e-mails, ele me lembrou do pedido. Respondi que enviaria o livro com enorme prazer, assim que saísse a segunda edição, revisada e atualizada, prometida pela Paz e Terra para fevereiro de 2010. Se eu soubesse...
Ele amava o Brasil. Com sinceridade. Vivia em busca de pontes que ligassem italianos e brasileiros, Nápoles e Bahia, Itália, África e Brasil. Seu livro Le rose e i quaderni (2000) foi traduzido e publicado no Brasil (As roas e os cadernos (RJ, DP&A, 2007). É uma excelente amostra do programa teórico, político e cultural a que se dedicou Baratta.
Em agosto de 2008, publiquei neste blog um texto sobre ele, tentando resumir sua vasta atividade cultural e sua rica personalidade intelectual.
Giorgio ensina filosofia na Universidade de Urbino, Itália. Marxista erudito, de imaginação larga e fôlego inesgotável, dedicou-se a uma batalha incansável para agitar idéias, unir povos e experiências e produzir cultura de esquerda. Sua relação com o pensamento de Gramsci foi intensa e original. Ele não era um estudioso em busca do verdadeiro Gramsci, mas sim um teórico que desejava usar Gramsci para interpretar as urgências do presente.
Esteve entre os fundadores da International Gramsci Society e era presidente da IGS Itália. Fundou e dirigiu a network Immaginare l’Europa e a associação cultural Terra Gramsci, na Sardenha. Foi um organizador cultural ativo e também um artista, que se envolveu com a música, o teatro e o cinema. Concebeu, produziu e/ou dirigiu dois filmes: Gramsci l’ho visto cosí, direção de Gianni Amico, e New York e il mistero di Napoli. Viaggio nel mondo di Gramsci raccontato da Dario Fo.
Além de As Rosas e os Cadernos, seus últimos livros foram Antonio Gramsci in contrappunto (2007) e Leonardo tra noi (2007), ambos publicados por Carocci editore. Colaborou com vários verbetes no Dizionario gramsciano 1926-1937, que acaba de ser publicado na Itália.
No site da IGS Itália, podem ser vistas as dezenas de manifestações de pesar que foram feitas por ocasião de sua morte.
Giorgio Baratta deixará saudade.
Porque a política democrática administra o presente mas retira sua poesia da construção consciente do futuro.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Um gramsciano a serviço da união dos povos
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