terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Manifestações, violência, mortes

Quando manifestações geram mortes, o prejuízo é incomensurável. Em termos humanos, evidentemente e antes de tudo. Mortes são sempre duras, injustas e dolorosas, seja de que arma saia o projétil que mata. Um morto por manifestantes já basta, não deveríamos ficar contando, fazendo listas de mortes anteriores ou construindo outras narrativas que, ao se proporem alternativas, acabam por relativizar algo que não deveria ser relativizado.
Aí alguns passam a acusar a mídia, que espetacularizaria uma morte por ser o cinegrafista Santiago Ilídio Andrade um membro da corporação e porque a mídia estaria sempre do lado da ordem. Dizem que o governo federal está comemorando, porque é um governo que quer criminalizar as manifestações para se ver livre delas. Falam que as mortes provocadas pela polícia são piores e muitíssimo mais numerosas. Que o perigo, como sempre, está do lado de lá. Transferem-se responsabilidades. Brinca-se com palavras e acusações, no melhor estilo da irresponsabilidade reticular dos nossos tempos.
As palavras se tornam peremptórias. É o Estado que deve ser acusado e responsabilizado, pois seria ele, por meio de suas instituições e de seus agentes, que tolhe direitos e pratica violência. O carinha apanha todo dia e é justo que passe também a bater. Tem direito à violência, não pode ser criminalizado quando bate e mata, pois está simplesmente reagindo a uma violência preexistente. Se inadvertidamente mata alguém, tratar-se-ia somente de dano colateral. A ser imputado ao Estado.
Círculo vicioso.
Não é preciso ler Gramsci ou Weber para saber que Estado é coerção, instituição que reivindica o monopólio da violência física. Mas Estado também é um conjunto de instituições e políticas, muitas das quais conquistadas pelo movimento democrático ou por revoluções reformistas que contaram com o sacrifício de gerações. Estado não é somente polícia e tribunais. É também escola. Expressa os interesses dominantes, mas também acolhe interesses dominados. Pode ser dirigido por um partido de esquerda, como no Brasil. Isso não muda o sistema, mas complexifica os nexos Estado-classes.
Polícia é sempre perigosa, não é necessário insistir nisso. A brasileira, em particular, está treinada para matar e reprimir com violência. Vive em busca de "inimigos internos". Não sabe conviver com massas. Mas o perigo que vem de dentro de uma manifestação é tão ruim quanto. Tem o agravante de ser dissimulado e muitas vezes banalizado, além de mostrar a fragilidade da própria manifestação. Ah, os blackblocs são necessários para denunciar a violência policial e “protegem os manifestantes”, dizem para aliviar o problema. A violência deles é simbólica, não atinge pessoas. Aí de repente matam um, sem querer, por acidente... Quem sabe um infiltrado...
Ovo da serpente.
É absurdo e reacionário pedir que se pare com "esse negócio de manifestação" e se passe a comemorar a Copa. Ninguém sério pode propor isso. Ao contrário: é preciso pedir mais manifestação e mais política para que se interrompa uma dinâmica de violência e vandalismo que só pode interessar ao sistema. Para que se reforme a polícia e se isolem os admiradores da violência como ferramenta de transformação. Manifestantes que matam devem ser criminalizados e punidos. Sejam eles de que grupo for. Os Blackblocs do RJ lamentaram a  morte do cinegrafista. Mantiveram a postura de se apresentarem não como um grupo, mas como um tática, em que cada um tem seu próprio jeito de agir. De qualquer forma, vieram a público, deram uma satisfação.
Punir um manifestante que mata é um passo para freá-lo e para que não se se generalize a matança para além daquela já provocada por uma polícia descompensada. Ou seja, algo que interessa a todos.

2 comentários:

BENE disse...

Prezado Prof. Marco, temos um problema perene, pouco comentado, a permanente dependência de moeda conversível e a displicência do planejamento das finanças. Além disso tem a especulação cambial. Desde o imperio os governantes ficam correndo para saldar dívidas e não parar o pais, deixando para segundo plano tudo o mais que necessitamos. Agora na eclosão das expectativas não atendidas estamos diante de um cenário assustador, no Brasil e no mundo. O risco eh grande. A quem isso,beneficia interna e externamente?

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Risco existe sempre, Benedicto. Em tudo. Na economia atual, mais ainda.A quem isso beneficia? Para mim, a ninguém. Todos perdem com um cenário como o que vc traça.