sábado, 8 de fevereiro de 2014

Vai ter Copa, mas...




Há duas versões correndo soltas na praça a respeito da campanha #nãovaiterCopa. Uma trata o fenômeno como coisa em si, outra o vê em termos metafóricos.
No primeiro caso, o veredito diz que se trata de uma campanha para impedir a Copa, feita por gente que não gosta de futebol e por inimigos do governo petista, que gostariam de ver o país pegar fogo para faturarem com isso. Essa é a visão dos governistas em geral (petistas evidentemente, mas também de alguns tucanos nos estados governados pelo PSDB), mas, no mundo político instituído, não há a rigor quem veja com simpatia a campanha, que, se bem sucedida, poderia não inviabilizar a Copa, mas levar o caos para bem perto dela. A repercussão internacional e eleitoral de um insucesso do empreendimento não interessa a quem está ou deseja estar no poder.
No segundo caso, a análise privilegia a campanha como performance midiática e campal que objetiva denunciar a má gestão de políticas públicas, o mau uso do dinheiro público e a mercantilização galopante de tudo, a começar, claro, do esporte. É a visão de muita gente que ama o futebol e gostaria de vê-lo sendo jogado de forma limpa e tecnicamente qualificada, como espetáculo agonístico de multidões. São pessoas que não gostam do modo como o futebol é gerenciado e tratado no Brasil, que desconfiam que o lugar comum da “pátria de chuteiras” é uma bobagem nacionalista e que não aceitam a manipulação grosseira que os governos fazem da competição mundial, ao estilo da “Copa das Copas” ou das campanhas publicitárias destinadas a injetar ânimo patriótico no povo, a vender mercadorias e a cacifar produtos políticos.
O problema da primeira versão é que seus defensores julgam ser uma “ingratidão” que haja manifestações que por algum segundo afetem a imagem popular dos governos petistas ou ponham em dúvida os avanços conquistados por eles. Especialmente nos últimos anos, com uma presidente que buscou se legitimar pelos dotes de gestora, não se admite que erros gerenciais ou cálculos mal feitos possam ter sido cometidos. Há, por baixo da veemência com que criticam a campanha, debocham dela e buscam desqualificá-la por inteiro, um medo quase pânico de que ela ajude a desandar o molho da festa. Não é por outro motivo que os que tentam ridicularizar a campanha vejam nela sempre a mão das oposições. Não faltam, também, os que percebem a satisfação insidiosa da “direita raivosa” com os efeitos da campanha.
O problema da segunda versão é sua despolitização e sua ingenuidade. Muitos que se jogaram na campanha pelo prisma metafórico parecem acreditar que será possível contestar os bastidores de um empreendimento como a Copa – patrocinada por grandes multinacionais, apoiada pela grande mídia e pelo empresariado nacional e tratada como cereja do bolo pelo governo federal, seu maior fiador – somente com manifestações de ruas e agitações em redes sociais. Não consideram que é preciso ir bem além da contestação da Copa para se poder de fato fazer a crítica da Copa.
Entre uma versão e outra flutuam as opiniões e as expectativas dos que acham que a Copa pode vir a se converter em um tiro n’água no médio e no longo prazo. Ou seja, a não produzir nada de bom para o país, a não ser o hexacampeonato, que como disse Felipão, “nem é algo tão difícil assim”. Teremos de conferir a empáfia do treinador.
Aspecto interessante da questão é que o conflito entre #nãovaiterCopa e os que defendem a realização da Copa tal como prevista e sem contestação não é um conflito entre esquerda e direita, mas um conflito basicamente entre diferentes posições de esquerda, as petistas e as não petistas. O lado trágico da questão, por sua vez, é que o conflito tem se aproximado rapidamente da baixaria plebiscitária do contra e a favor que tem sido a marca registrada do debate público mais recente. Políticos e partidos não falam nada. O besteirol predomina nas redes, agressões verbais se multiplicam, a desqualificação dos argumentos adversários torna-se regra. E todos assistem ao bate-boca num mix de indiferença e estupefação.
Com isso, a crítica da Copa não progride, a agenda democrática fica estagnada e as esquerdas perdem mais uma excelente oportunidade para se mostrarem acima do ramerrame da política nacional.

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