
Há duas versões correndo soltas
na praça a respeito da campanha #nãovaiterCopa.
Uma trata o fenômeno como coisa em si, outra o vê em termos metafóricos.
No primeiro caso, o veredito
diz que se trata de uma campanha para impedir a Copa, feita por gente que não
gosta de futebol e por inimigos do governo petista, que gostariam de ver o país
pegar fogo para faturarem com isso. Essa é a visão dos governistas em geral
(petistas evidentemente, mas também de alguns tucanos nos estados governados
pelo PSDB), mas, no mundo político instituído, não há a rigor quem veja com
simpatia a campanha, que, se bem sucedida, poderia não inviabilizar a Copa, mas
levar o caos para bem perto dela. A repercussão internacional e eleitoral de um
insucesso do empreendimento não interessa a quem está ou deseja estar no poder.
No segundo caso, a análise
privilegia a campanha como performance midiática e campal que objetiva
denunciar a má gestão de políticas públicas, o mau uso do dinheiro público e a
mercantilização galopante de tudo, a começar, claro, do esporte. É a visão de
muita gente que ama o futebol e gostaria de vê-lo sendo jogado de forma limpa e
tecnicamente qualificada, como espetáculo agonístico de multidões. São pessoas
que não gostam do modo como o futebol é gerenciado e tratado no Brasil, que
desconfiam que o lugar comum da “pátria de chuteiras” é uma bobagem
nacionalista e que não aceitam a manipulação grosseira que os governos fazem da
competição mundial, ao estilo da “Copa das Copas” ou das campanhas
publicitárias destinadas a injetar ânimo patriótico no povo, a vender
mercadorias e a cacifar produtos políticos.
O problema da primeira versão é
que seus defensores julgam ser uma “ingratidão” que haja manifestações que por
algum segundo afetem a imagem popular dos governos petistas ou ponham em dúvida
os avanços conquistados por eles. Especialmente nos últimos anos, com uma presidente
que buscou se legitimar pelos dotes de gestora, não se admite que erros
gerenciais ou cálculos mal feitos possam ter sido cometidos. Há, por baixo da
veemência com que criticam a campanha, debocham dela e buscam desqualificá-la
por inteiro, um medo quase pânico de que ela ajude a desandar o molho da festa.
Não é por outro motivo que os que tentam ridicularizar a campanha vejam nela sempre
a mão das oposições. Não faltam, também, os que percebem a satisfação insidiosa
da “direita raivosa” com os efeitos da campanha.
O problema da segunda versão é sua
despolitização e sua ingenuidade. Muitos que se jogaram na campanha pelo prisma
metafórico parecem acreditar que será possível contestar os bastidores de um
empreendimento como a Copa – patrocinada por grandes multinacionais, apoiada
pela grande mídia e pelo empresariado nacional e tratada como cereja do bolo
pelo governo federal, seu maior fiador – somente com manifestações de ruas e
agitações em redes sociais. Não consideram que é preciso ir bem além da
contestação da Copa para se poder de fato fazer a crítica da Copa.
Entre uma versão e outra
flutuam as opiniões e as expectativas dos que acham que a Copa pode vir a se
converter em um tiro n’água no médio e no longo prazo. Ou seja, a não produzir
nada de bom para o país, a não ser o hexacampeonato, que como disse Felipão, “nem
é algo tão difícil assim”. Teremos de conferir a empáfia do treinador.
Aspecto interessante da questão
é que o conflito entre #nãovaiterCopa
e os que defendem a realização da Copa tal como prevista e sem contestação não
é um conflito entre esquerda e direita, mas um conflito basicamente entre
diferentes posições de esquerda, as petistas e as não petistas. O lado trágico da
questão, por sua vez, é que o conflito tem se aproximado rapidamente da
baixaria plebiscitária do contra e a favor que tem sido a marca registrada do
debate público mais recente. Políticos e partidos não falam nada. O besteirol predomina nas redes, agressões verbais se multiplicam, a desqualificação dos
argumentos adversários torna-se regra. E todos assistem ao bate-boca num mix de
indiferença e estupefação.
Com isso, a crítica da Copa não
progride, a agenda democrática fica estagnada e as esquerdas perdem mais uma
excelente oportunidade para se mostrarem acima do ramerrame da política nacional.