sábado, 7 de dezembro de 2013

A Copa ou a vida




É preciso ter estômago forte e muita paciência para aguentar o oba-oba ufanista em torno da Copa do Mundo padrão Fifa-Brasil.
Brasil-sil-sil prá tudo que é lado, olhos fechados para a mediocridade técnica e gerencial do futebol brasileiro atual, aquele papo de país-celeiro-de-craques que oculta a ruindade do que se faz em campo, seleção incluída. Fala-se em brasileiro povo cordial que dará uma lição de receptividade e organização ao mundo ao mesmo tempo em que todo mundo vê o despreparo do país para gerenciar o espetáculo que a Copa é. Claro, ao final, dirão que tudo fluiu a mil maravilhas, que foi um sucesso, que a contabilidade geral foi amplamente favorável ao país.
A presidente teve a desfaçatez de dizer que "essa será a Copa das Copas", indiferente aos gravíssimos problemas de infraestrutura que ameaçam fazer da festa uma tragédia de desmoralização e inépcia. Joseph Blatter pedindo para o povo brasileiro caprichar na união e evitar protestos é uma afronta e um gesto patético, equivalente ao de Pelé dizendo que não quer que seus filhos o vejam chorando por ter a seleção perdido a Copa. E Felipão? Para ele, a sequencia de jogos da primeira fase é ótima para a família Scolari. Alguém pode me dizer o que  significa isso?
Galvão Bueno ainda nem começou a irradiar em verde-e-amarelo, mas Lula, Dilma, Alckmin, os governantes todos, os candidatos e os políticos já estão em campo, falando pelos cotovelos. Todos certos de que o país fará bela figura e honrará suas tradições. São secundados por parte do povo, ingênuo em suas convicções. E pelos nacionalistas da pátria em chuteiras, inflamados com mais uma conquista que se avizinha e incapazes de ouvir qualquer crítica ou qualquer observação que não seja a do aplauso subserviente aos valores majestáticos do futebol canarinho com sua mística camisa.
É tudo de uma falsidade tão grande, tão obscena, tão ridícula, que até parece provocação para que o povo volte a se manifestar com fúria em 2014. Coisa que, aliás, torço para que aconteça. Quanto maior for o fracasso, maior será a chance de aprendermos algo com que avançar para o futuro. Há horas em que o quanto pior é melhor mesmo.
Da minha parte, estou procurando um jeito de sair do país em maio e só voltar em agosto. Sempre torci pela Holanda, a maior injustiçada de todas as copas. Sou sagitariano e me guio pelo que é justo, mesmo quando (vá lá, em menor dose...) a questão é o Corinthians, porque paixão futebolística só se pode ter pelo time do coração, não por uma seleção sem identidade ou marca própria. Ultimamente, morro de amores pela Espanha e pela Alemanha, que souberam reformular o jeito de jogar e organizar o futebol. Gosto dos ingleses também, que não fazem firula e buscam o gol. Não me emociona o papo nacionalista de que quem é brasileiro deve torcer pela seleção brasileira, ainda que respeite quem pense assim. Cada um é patriota como pode e quer. Mas confundir futebol (que é um esporte e uma competição) com política, bater palmas acriticamente, oferecendo os préstimos à propaganda oficial e à Fifa, com seu cortejo de multinacionais e gangsteres, é um mau passo. Um país que adora o futebol deveria ser poupado dessa babaquice, que nada tem a ver com futebol.
Mas devemos ir com calma na crítica. O ufanismo limitado ao futebol dá prá entender, é razoável. Quem gosta da seleção tem todo direito de torcer e se emocionar até às lágrimas. O problema é quando o ufanismo ultrapassa esse terreno e entra no campo do nunca antes se viu uma copa como essa... Aí é empurrar a sujeira prá baixo do tapete, inverter prioridades, jogar para a plateia, iludir e fingir que tudo está indo bem, é fazer o elogio do improviso e do descaso pelas agruras do cotidiano.
Vou devagar até mesmo nesse terreno. Afinal, a política anda tão ruim (aqui e no mundo todo) que os governantes se agarram no que podem prá tentar conseguir aplausos e legitimidade. Como não têm o que oferecer de palpável e concreto, oferecem uma festa, discursos motivacionais e uma carga dobrada de simbolismo. Se a seleção for bem, viva o governo. Se for mal, culpa dos jogadores, dos juízes ou do destino ingrato. (Olhando com frieza, o jogo brasileiro está bem abaixo do alemão, do espanhol, do português. Mas o futebol não tem lógica férrea, e jogando em casa, com o calor da torcida e o calor de algumas regiões, a seleção pode muito bem vencer. Mesmo sem merecer.)
Por isso, e também para zoar um pouco com os patriotas mais inflamados, abaixo a Copa! Entre ela e a vida, entre os estádios e as ruas, não deveria haver dúvidas sobre o lado a se escolher.

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