sábado, 25 de maio de 2013

A formação como desafio estratégico






A riqueza de um país passa pela qualidade do trabalho. O desenvolvimento institucional e o sucesso das organizações, também. As pessoas – os trabalhadores, os dirigentes – sempre farão a diferença.
A qualidade do trabalho, por sua vez, depende de relações trabalhistas adequadas, justiça social, boa remuneração, treinamento, formação profissional e educação. Fecha-se um círculo, de complexo funcionamento e gestão.
Formar pessoas para o trabalho tornou-se uma das pedras angulares da vida moderna, sobretudo nos dias correntes, em que as sociedades se tornaram mais “inteligentes”. Fica cada vez mais difícil trabalhar sem que se tenha alguma formação, tanto em termos técnicos e operacionais (habilidades, conhecimentos específicos) quanto em termos de educação básica (domínio da língua e da linguagem, fundamentos matemáticos, pensamento crítico). E se a questão for pensar a produção e o trabalho como partes essenciais de um projeto coletivo, será sempre preciso incluir no circuito uma boa dose de formação cívica – formação para a convivência e a cidadania. Formar não é somente socializar um conjunto de técnicas, modelos e informações, treinar e moldar pessoas segundo interesses tópicos, mas é também (ou deveria ser) preparar pessoas para agir de modo critico, autônomo, inteligente e socialmente responsável. É prepará-las para a produção, a gestão, a reprodução organizacional, o convívio e a transformação social. Precisa, por isso, seguir parâmetros reflexivos e ter como foco a melhoria dos pactos em que se vive e se trabalha. Nem tudo deve ser feito tendo em vista a glória no mercado, a competitividade, a busca obsessiva por sucesso e visibilidade, a produtividade a qualquer preço, a rentabilidade das operações.
A fixação de perspectivas é mais decisiva do que a difusão de técnicas e procedimentos gerenciais.  Isso, porém, não significa que se deva erguer uma muralha entre técnicas operacionais e perspectivas teóricas, entre o “saber fazer” e o “saber pensar”. No mundo de hoje, não há lugar para uma visão maniqueísta e dicotômica, ao estilo da que separa a formação “profissionalizante” e a formação “humanista”. A meta deveria ser o estabelecimento de uma concepção unitária, que integre as duas possibilidades de formação e as combine de muitas maneiras na dinâmica mesma do processo formativo. A questão é sobretudo de eixo: a “formação humanista” (a visão abrangente e crítico-histórica do Estado e da comunidade) é inseparável do que a “formação técnica” e mais estratégica do que ela. Quem não pensa bem dificilmente agirá bem.
Iniciativas de formação, além do mais, devem alcançar todos os que trabalham nas organizações, de cima a baixo. Não é algo que deva privilegiar um ou outro segmento, nem muito menos selecioná-los conforme ideias pré-concebidas, como, por exemplo, a que julga que os dirigentes não precisam receber formação específica porque já estão preparados e “lá em cima” tudo se resolve.
Países em desenvolvimento costumam apresentar falhas nesse circuito. Alguns mais, outros menos. O Brasil costuma ser incluído entre aqueles que exibem falhas mais gritantes. É ruim a educação básica, problemática e elitista a educação superior. Nenhuma das pontas do sistema resolve adequadamente a educação cívica, que gira ao sabor dos mecanismos espontâneos da vida social ou de instituições como a família e as igrejas, que nem sempre podem cumprir bem esse papel. A formação profissional, por sua vez, conhece boas estações – as escolas técnicas, as políticas de RH das empresas e das organizações públicas – e más estações, quando se olha, por exemplo, para os currículos e procedimentos de muitos cursos superiores, pouco atentos para as novas exigências do mercado de trabalho e a qualificação técnica dos formandos.
Há também muita improvisação num dos setores que ganharam grande relevância estratégica nas últimas décadas: o da gestão. Exceção feita às grandes empresas e às grandes organizações públicas, a regra é que o gestor seja um trabalhador como outro qualquer que chega a um cargo de chefia ou direção. Não é escolhido em função de habilidades ou talentos específicos e nem sempre conhece os meandros da atividade que vai exercer. Quando os processos de escolha ocorrem por eleição – como em escolas e faculdades, por exemplo --, muitas vezes o eleito é somente o colega mais popular, o intelectual mais brilhante ou que reúne os títulos formais para o cargo. A gestão termina, nesses casos, por ficar flutuando em uma zona de relativo despreparo e baixo desempenho.
Formar não é criar líderes excepcionais, CEOs geniais que revolucionam as coisas. É criar vida coletiva e lideranças que saibam atuar em rede e democraticamente, unindo e articulando pessoas, áreas ou setores.
Formar para a gestão tornou-se uma exigência dos tempos atuais, em que “tudo” de certo modo se tornou assunto gerencial e onde as atividades dependem de políticas sofisticadas, planejamento, administração de recursos, financiamento e construção de imagem/identidade. As organizações necessitam de dirigentes que possuam conhecimentos gerenciais específicos e trabalhem como entes coletivos de fato.
Como ninguém nasce com esses conhecimentos, eles precisam ser adquiridos. Isso pode se dar em cursos e escolas regulares  ou em cursos e atividades estruturadas ad hoc pelas próprias organizações. Não é por acaso que “centros de formação” e “universidades corporativas” passaram a frequentar o léxico e o planejamento das organizações contemporâneas. Na medida em que deixarem de lado a questão e não se empenharem seriamente para equacioná-la, as organizações podem ficar à deriva e em dificuldades para acompanhar o ritmo da vida e com ele interagir de forma produtiva e inteligente. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/05/2013, p. A2]

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