terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

E Gramsci chegou a San Remo




Todo mundo conhece ou já ouviu falar do Festival de San Remo, que ocorre anualmente na Itália. É um concurso de música popular, transmitido pela televisão, ao qual comparecem cantores e compositores amados pelos italianos. Realizado há 61 anos, tornou-se referência no mercado discográfico italiano. Muitos (a maioria, quem sabe) o consideram sem valor artístico expressivo e meio decadente. A Itália, porém, adora e não deixa de assisti-lo.
A edição 2011 do Festival encerrou-se sábado, dia 19 de fevereiro. Foi curioso e surpreendente.
Roberto Vecchioni, velho cantor e compositor de esquerda, venceu com “Chiamami Ancora Amore”, canção bem típica dele, cheia de sutis alusões à história política, ao engajamento cultural e a lutas sociais.
O cineasta Roberto Benigni, outro intelectual de esquerda, deitou e rolou no palco, satirizando Berlusconi e seus escândalos e cantando a cappella o hino nacional.
Mas o mais belo, inesperado e emblemático ocorreu quando Luca & Paolo, dois conhecidos humoristas da televisão italiana, leram durante 3 minutos, sérios e compenetrados, o texto que Gramsci escreveu para La Città Futura em 1917, “Odio gli indifferenti”:
Odio gli indifferenti. Credo che vivere voglia dire essere partigiani. Chi vive veramente non può non essere cittadino e partigiano. L’indifferenza è abulia, è parassitismo, è vigliaccheria, non è vita. Perciò odio gli indifferenti. L’indifferenza è il peso morto della storia. L’indifferenza opera potentemente nella storia. Opera passivamente, ma opera.
A polêmica se seguiu, inevitavelmente. Um novo Risorgimento estaria a ocorrer em San Remo? A esquerda mostrou sua força, sua capacidade de se fazer hegemônica? Foi usada pela mídia berlusconiana?
É difícil opinar. Mas parece inegável que os humoristas, em particular, surpreenderam com um quadro repleto de significados. Puseram Gramsci em destaque, ainda que sem mencioná-lo (só foi identificado ao final da apresentação, quando um enorme retrato emergiu ao fundo, dando alguma pista a quem se perguntava de quem seria o texto que acabara de ser lido). Debocharam também, como seria de se esperar, ao brincarem sobre os possíveis futuros líderes de centro-esquerda, terminando por aventar uma “última esperança” de que Berlusconi acabe por ser um desses líderes, já que, ao ser julgado e condenado em abril, voltará a entrar “no mercado” e para ficar em destaque poderia estudar um convite para se tornar... comunista!
O Festival indicou que o momento é pouco favorável a Berlusconi. E demonstrou que continuam a haver artistas com coragem, inteligência e sensibilidade para traduzir alguns fatos duros da vida e emprestar graça e poesia aos ruídos e expectativas sociais.

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