sábado, 23 de agosto de 2008

Administradores e políticos



Ambrogio Lorenzetti (c. 1290 - c. 1348). Alegoria do Bom Governo

Ainda que se deva reconhecer a persistência das cenas hilárias de sempre, dos personagens improváveis e das promessas surrealistas, invariavelmente presentes em todas as eleições, dá para admitir que melhoraram o perfil e o desempenho dos candidatos a prefeito, ao menos nas grandes cidades do país, como é o caso de São Paulo.

Apoiados por especialistas em marketing e pesquisa de opinião, por estrategistas de comunicação e por um não-desprezível arsenal tecnológico, os candidatos estão se mostrando mais à altura dos cargos que almejam. Apresentam propostas concretas, buscam equacionar problemas, exibem informações e conhecimento específico, parecendo ter nas mãos as cidades que pretendem governar.

Até mesmo os partidos políticos, estes entes tão feridos em sua integridade, tão sem alma e espinha dorsal, saíram a campo em melhor forma. Posicionam-se com cautela diante de um eleitor mais informado e menos disposto a se entregar passivamente a qualquer um que lhe peça o voto. Não despejam palavrório inócuo sobre ele, nem o submetem a uma sobrecarga de pressões ideológicas. Não conseguiram aperfeiçoar substancialmente a seleção dos candidatos que integram suas listas para as Câmaras Municipais, mas esforçaram-se para cumprir este papel no que diz respeito aos que postulam o Executivo. Estão a revelar que algo se passa em seus bastidores, como se estivessem finalmente a sentir os sinais de mudança e insatisfação que há tempo têm sido emitidos pela vida social.

Elogios também para a cobertura jornalística, especialmente a da mídia escrita. Todos os grandes jornais do país estão se superando. Facilitam o contraste entre as candidaturas, mostram as frestas por onde passam as demandas da cidadania, explicam o funcionamento dos poderes políticos e dos órgãos de governo. Além disso, funcionam como excepcionais tribunas de debates, preenchendo o vazio de discussão democrática deixado pelas campanhas mais pirotécnicas dos tempos atuais. Um canal como o que começou a ser disponibilizado pelo portal Estadão.com.br pesa de modo expressivo na elevação da qualidade do processo eleitoral.

No entanto, apesar destes avanços, as eleições transcorrem como se fossem um fardo que os cidadãos precisam carregar. Não despertam paixão cívica ou maior interesse. Ainda que mais bem informado, o eleitor parece distante, indiferente, sem estabelecer empatia com candidatos ou partidos políticos. Numa comparação arriscada, seria possível dizer que se comporta como um condômino frente à necessidade de eleger o próximo síndico.

Sempre haverá quem pondere que as cidades são mesmo condomínios em escala ampliada, que os prefeitos devem cuidar delas como se fossem suas casas mas fazendo escolhas que beneficiem a todos, sem se preocupar em favorecer este ou aquele bairro, este ou aquele partido. Muitos pensam que governar cidades é um exercício mais técnico e administrativo que político, algo que se cumpre com sucesso quanto menos política nele existir.

Não é bem assim.

Primeiro de tudo, porque governar é sempre mais que administrar. Não significa somente cuidar da casa ou pôr os papéis em ordem. É mais que manutenção e empenho para fazer com que os sistemas funcionem, mais que sabedoria para escolher auxiliares ou utilizar as finanças públicas. Prefeitos não deveriam agir como gerentes, sobretudo porque sua tarefa não é simplesmente fazer a máquina andar e sim criar condições para que uma comunidade lute por uma vida melhor.

Gerentes administram, prefeitos governam. Mais que jogo de palavras, a frase sugere que prefeitos existem para coordenar processos abrangentes de tomada de decisões, que envolvem milhares ou milhões de pessoas, muitos interesses e expectativas. Devem lidar com correlações de forças complicadas e situações de alta complexidade, e em muitíssimos casos somente se saem bem se contarem com o apoio da população. Precisam deste apoio, aliás, desde logo, como do ar que respiram. E não podem obtê-lo se agirem como técnicos especializados em gestão e administração, pessoas talentosas em arrumar gavetas mas sem qualquer brilho particular, sem carisma, sem liderança e especialmente sem um projeto que mexa com a comunidade, desperte alguma paixão e facilite engajamentos.

Tudo isto é fazer política, não administrar. Mas é fazer grande política: agir com os olhos no Estado, na comunidade política, não nos próprios interesses ou nos pequenos negócios de intermediação e favor. É ir além da rotina.

Se uma população mantém com as eleições uma relação fria e distante, encarando-as mais como obrigação que como dever, não temos uma situação confortável. Temos na verdade um problema. Podemos examiná-lo lembrando que, no modo de vida atual, o eleitor é dispersivo e flutuante, não tem grupos consistentes de referência ou identidade fixa, nem causas claras ou vínculos coletivos fortes. Não interage com instituições políticas qualificadas para responder a suas demandas e às questões que mexem com sua existência e com sua cabeça. É atacado sem trégua pelo mercado, que o fisga e o enreda num verdadeiro frenesi consumista. Olha a política e o Estado com desconfiança, quem sabe com a mesma postura de compra-e-venda que está habituado a ter no mercado.

Não se trata portanto de culpar o eleitor. Partidos, estrategistas e candidatos deveriam enfrentar esta “despolitização”, em vez de se amoldar a ela. Adaptando-se, contribuem para reforçá-la. Quando se apresentam como técnicos e administradores competentes sem acenar com uma proposta de cidade – ou seja, de polis, comunidade política –, somente estão a prolongar uma situação que, no limite, esvaziará a vida de sentido público.

O processo eleitoral em curso fornece excelente oportunidade para que exceções amadureçam e comecem a alçar vôo. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/08/2008, p. A2].

19 comentários:

Anônimo disse...

Olá professor, tudo bem? Excelente artigo. Lembrei do seu livro "Em defesa da política"... Você foi exatamente no ponto: a unica maneira de as sociedades e as cidades atuais recuperarem um pouco de civilidade é reforçando a política e a esfera publica. Provavelmente seja exatamente isso o maior maleficio do "neoliberalismo": a execração da dimensão pública e comunitaria. Somente quando parte expressiva da população se convencer de que a politica não é um mal necessário e sim a unica forma de convivência civilizada é que voltaremos a enxergar luz no fim do túneo. Não sou saudosista e nem tenho idade para tanto, mas não vejo outra saída que não seja a revalorização da política verdadeira, da grande política, complexa, apaixonante e, acima de tudo, necessária.
Politica não é apenas técnica e competência (ainda que estes atributos são indispensáveis para o grande politico). Política é dom, é convicção e responsabilidade, é a arte de conciliar interesses aparentemente inconciliáveis, é poder.
Tomara que você esteja certo. Não estou acompanhando muito as eleições deste ano, mas confesso que de uns tempos prá cá, não sei muito bem o porque, estou mais esperançoso com relação ao futuro da política e do país... Acho que as pessoas estão começando a perceber que a canoa "neoliberal" é uma canoa furada.

Abraços,
Leonardo

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Perfeito, Leonardo, acho que é por aí mesmo. Perspectiva política somente ajuda. Excesso de técnica gerencial atrapalha, ainda que seja indispensável. A saída é buscar uma síntese.
Grande abraço

Estudantes de Economia disse...

Mesmo em condomínio a eleição deve ser encarada de maneira diferente. Há um erro em encarar as interações sociais, derivadas a partir do processo eleitoral, como estáticas. Assim como também é errado encará-las somente como dinâmicas (lembrando física): ao empurrar uma caixa no chão você muda a posição da caixa, mas o chão continua o mesmo. O processo político, na minha opinião, não se esgota nisto.

Ao eleger um representante, você está dando condição para que ele cause, de maneiras infinitas, mutações no meio em que vive. Por tabela, suas relações com o meio irão ser mudadas: uma empresa trazida através de políticas fiscais (e não só elas) para uma cidade gera empregos, aumenta a arrecadação e modifica a vida das pessoas, mas se essa empresa é extremamente barulhenta (ou mesmo poluente) e o local ao redor em que ela se instalará é composto por várias casas?

Uma administração técnica não é de todo a melhor. Técnica aqui está no sentido de uma administração que preconize as idéias de maximização de resultados (variáveis emprego e renda, por exemplo).

Em se tratando de algo que mecha com as interações e o ambiente das pessoas, creio que a melhor forma de administrar é com a sensibilidade (não somente no sentido romântico da palavra). Ao votar o eleitor tem que ter a consciência óbvia de que a quatro anos atrás era uma coisa e hoje é outra, tanto quanto o candidato. Além mais, o eleitor deve saber escolher aquele que vai ser responsável pelas mudanças na forma em que ele vai interagir no meio em que vive. Não tenho certeza se essa é uma frase shakeaspereana: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas mesmo que não seja é de um peso ímpar. Um técnico não é capaz, através de cálculos e estatísticas, de implementar o que é melhor tão eficazmente (a não ser que eficaz seja um pressuposto técnico, aqui é social) quanto aquele “político” que está ininterruptamente ouvindo as necessidades da população, ou seja, exercendo sua sensibilidade.

Esse é meu extenso comentário, obrigado por dar chance ao debate professor! Parabéns pelo texto, e por esse fragmento que ficou fantástico:

Quando se apresentam como técnicos e administradores competentes sem acenar com uma proposta de cidade – ou seja, de polis, comunidade política –, somente estão a prolongar uma situação que, no limite, esvaziará a vida de sentido público.

Coloquei esse comentário no blog: http://economisto.blogspot.com

Celso P. Neris Jr. disse...

Desculpa professor, é indelicado postar uma opinião minha com o nome dos outros companheiros do blog. O responsável pelo último comentário sou eu: Celso!

Até mais!

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Celso:
eu respondi ao grupo, pois não tinha certeza de que era você. Mas acho que não postei adequadamente o comentário, pois ele não aparece por aqui.
De qualquer modo, achei ótimo o que vc escreveu. Mantem vivo o debate, faz pensar.
Muito legal o blog de vocês!
Abraço

Gustavo S. Cortes disse...

Professor,

Ótimo texto!
Sou um dos estudantes de economia, parte do blog que o Celso citou.
Concordo exatamente com o que ele disse, o fragmento destacado foi um verdadeiro convite à reflexão sobre nossas maneiras de lidar com as possibilidades da vida pública.

Abraços.

Anônimo disse...

Olá marco!Este artigo remete as discusões teóricas do "Política como Vocação" de Weber...podíamos colocá-lo em sala de aula, o que acha?
Indispensável trazer para o debate político o que o verdadeiramente o motiva e o enriquece enquanto mediação desta nossa sociabilidade: a "alma social" a que faz das lutas contigentes a construção para algo mais emancipatório e significativo, com metas e planos políticis efetivos, que são demandas do social.
abraços, até mais!
Priscila

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Valeu, Gustavo, pelo registrop!
Priscila, o artigo remete mesmo ao Weber, ainda que não somente a ele. Aborda uma questão antiga, clássica, a das relações entre técnica e política, questão que hoje reaparece turbinada. Vamos discutir sim!
Abraços

Anônimo disse...

Depois de ler seu artigo e os comentários colocados aqui, eu estou sem palavras...
Parece-me que vivo num lugar diferente do de vocês, que a realidade política que me cerca é outra...
Vocês falam de maneira incrivelmente bonita e me parece tudo tão irreal...
E o que é mais triste, torna mais pungente minha indignação por ter que exercer não o meu dever, mas a obrigação de ter que votar num daqueles que, para mim, representam o que há de pior na nossa sociedade...

André Henrique disse...

Concordo quando o professor falou em síntese, não podemos reduzir à política a razão instrumental, embora dela se necessite. Por outro lado um governante não pode ser reduzido a um gerente.

Um governante tem que ser um líder que aponte caminhos, tenha afinidade com a comunidade, saiba convencer. Um líder em que a nação se identifique e confie a ele o papel de representante de suas reivindicações no mundo frio do mercado.
Penso que Lula tem esse perfil, ele consegue se equilibrar entre os diversos interesses que circundam o poder e mesmo assim ter a potência de se manter firme e se dirigir à nação com simplicidade, até com certa dissimulação, mas ele sabe que o povo o entende. Está ai uma das explicações da sua grande aprovação!

Um líder não pode ser apenas um gerente no mundo da política, isso é radicalizar a instrumentalização da administração pública, confundindo-a como espaço fixo, duro e frio, distante das paixões, desejos e necessidades da população, minando as seduções e ignorando o papel cívico da política, tratando o cidadão como cliente.

Nesse mundo de exaltação dos ideais livre-cambistas do "neoliberalismo", como bem colocou o Leonardo, um governante é visto como um objeto que gira de acordo com a biruta do mercado. Não é isso que a Globo e outras mídias anti-governo dizem? - Que o Brasil vai “bem”, porque a economia mundial está um céu de brigadeiro. E o Lula e seu governo nesta história?
E de que céu de brigadeiro estão falando? -da crise das hipotecas!

Além disso, existe a crise da política na sociedade, setores, alguns amestrados, vêem a política como objeto de reprodução dos vícios, tais como aparelhamento do Estado, negociatas, corrupção etc e como veículo de dominação “burguesa”. (Segundo está última, o Estado e a burocracia devem ser destruídos, mesmo não tendo nada para colocar no lugar.) Nota: a população inteira já está sabendo disso.

Diante de "verdades" como estás o Estado deve ser mero locador e um governante gerente e nunca fará um governo transformador em função dos vícios da política. Transformador, não revolucionário. Ai pode haver um choque de perspectivas. Por exemplo, em Campinas, o Dr. Hélio fez um grande mandato, a cidade estava pálida, o cidadão angustiado, sem esperança, principalmente depois da morte de Toninho em 2001, aquela esperança de uma grande administração foi ceifada, mas felizmente voltou em 2004. Dr. Hélio conciliou eficiência administrativa e revitalização política e sem populismo. É um grande parceiro do presidente Lula e a cidade avançou em todos os sentidos, inclusive sociais.

Chávez seria um exemplo de líder se não fosse às presepadas autoritárias dele. Citei Chávez porque ele empolga muita gente, mas a gestão que ele pratica na Venezuela não tem nada de democrática. E na atual fase da sociedade, acredito que um líder deve ser carismático, mas se pautar no diálogo, em políticas práticas, não no centralismo e na arrogância. A canoa do Chávez é mais furada, ou tanto quanto a do Bush. Nem um dos dois se encaixam na síntese.

Devemos combater essas radicalizações, mas não com outras radicalizações.

"A técnica não é desprezível, assim como a política". Como bem disse o professor, "a saída é buscar uma síntese."

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Olga:
as pessoas vivem em territórios diferentes, ainda que estejam no mesmo mundo. São territórios simbólicos, emocionais, ideológicos. Por isso, cada um vê o mundo de um modo especial. Acho que a tua fustração ou decepção com a política faz sentido -- como dizem os cientistas sociais: é socialmente justificável --, mas também acho que ela não deveria levar ninguém a ver o mundo (incluindo a política) somente pelo ângulo negativo. A política está ruim, mas sem ela provavelmente a vida estaria pior. Seria o reino puro da tirania ou da vida individual egoísta, auto-suficiente, fechada em si. Se olharmos a história, podemos ver que mesmo nas situações mais adversas (e não estamos numa delas, creio) foi possível encontrar saídas e criar alternativas ou rumos novos. Este esforço para criar alternativas nada mais é que política. De resto, se existe um "sistema" que nos prejudique, o de hoje quer precisamente que nos desinteressemos da política. Daí a necessidade que os "anti-sistêmicos" têm de resistir.

Andrè: legal teu comentário. Chávez tem mesmo algo de Bush, mas não é Bush. O problema de uma liderança como ele é operar dinamitando todas as pontes que podem ensejar um projeto mais coletivo. Ele sempre "obriga" a sociedade a se posicionar contra ou a favor o tempo todo, jogando os que concordam com ele contra aqueles que divergem. Ou seja, dificulta as sínteses.

André Henrique disse...

Estava no ônibus hoje justamente pensando nisso. Nas alternativas políticas. Quando veio o nome de Chávez na cabeça, pensei o que o professor falou. Ele lidera a sociedade, dando benefícios sociais aos pobres com o intuito de se manter no poder e acaba polarizando o país, com aquele dicurso povo-elite. A tal "luta de classe". Penso que ele foi uma liderança importante a princípio, mas poderia ter lutado por um arranjo político coletivo que fortalecesse a democracia venezuelana e aproximasse a sociedade da política, para todos vencer juntos etc.
De fato exagerei na comparação de Bush com Chávez, são coisas da idade.
Estudo a Venezuela e na pesquisa não faço essas observações porque devemos proteger o obejto de nossas convicções políticas, para não perdermos o foco, a objetividade, de que fala Max Weber!
É o tal BIAS. É isso professor?
Justamente por ficar "impedido" de fazer observações pessoais na pesquisa, embora mesmo que de maneira sutil elas apareçam, no blog coloco-as para fora.

Anônimo disse...

Marco,a visão que você me ofereceu foi animadora e acho que esteja coberto de razão: "... A política está ruim, mas sem ela provavelmente a vida estaria pior. Seria o reino puro da tirania ou da vida individual egoísta, auto-suficiente, fechada em si.
...De resto, se existe um "sistema" que nos prejudique, o de hoje quer precisamente que nos desinteressemos da política. ..."

E comigo estão conseguindo!

Continuo incapaz de acompanhar o horário político, sinto aversão por eles todos e já estou pressentindo que, de novo, vou votar para tentar evitar que o pior (aos meus olhos) seja eleito. Isto parece um disco riscado na minha vida de cidadã...

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Olga:
também não assisto ao horário político, que é horroroso e quase patético. Mas acredito que ele ajude a população em geral a se posicionar. A idéia é boa, mas está sendo mal utilizada. Mas quando falo em política, defendo e valorizo a política, não estou falando na política dos políticos, mas na política dos cidadãos. Se estes fizerem bem a sua parte (ou seja, se se responsabilizarem minimamente pelo governo de sua comunidade), os políticos melhorarão.
Além disso, acho que uma dose de "intolerância" com a política dos políticos é bastate saudável...

Anônimo disse...

Marco,

Compreendo a diferença entre a política dos políticos e a política dos cidadãos, só não sei como restaurá-la em mim mas tenho interesse nisso porque vejo como uma base de apoio para um individuo como elemento de uma sociedade e bases de apoio trazem solidez e segurança, artigos de que todos precisamos, psicologicamente falando.

Vou ler seu texto “Da frustração à reposição da confiança na política” nos debates da Fundap.
Acho que me ajudará. O título parece falar comigo...

Anônimo disse...

Poxa professor, que legal a repercussão desse artigo!
Fique sabendo que você (ou melhor, os seus textos) é um dos antídotos que uso quando me deparo com pessoas completamente avessas à política. Tem o livro "Em defesa da política" e agora esse artigo, mais sintético, mas sem ser menos instigante. Vou dar uma conferida no seu texto na palestra na FUNDAP.

Mudando de alhos para bugalhos, sei que é um tema polêmico, meio comprometedor e delicado, mas gostaria de ver um dia um artigo seu avaliando o atual governo federal. Avaliando o governo em si, sem cair na lógica competitiva de ficar comparando-o com o anterior, como se se tratasse de um disputa de futebol entre dois rivais. Da minha parte, confesso que tenho uma relação de amor e ódio com o governo do Lula. Creio que fortificados em nossos guetos aqui na região mais dinâmica da nação não conseguimos ter uma noção clara dos feitos e defeitos do seu governo. Desse modo, acho completamente irreais (para dizer o mínimo) avaliações do governo como a do Francisco de Oliveira no artigo Momento Lênin. Em geral, os artigos que li sobre o governo, na minho modéstia opinião, pecam por um excesso de academicismo imperdoável, parecem descolados da realidade. E um dos méritos dos seus textos é conciliar rigor acadêmico com um exame atento e cuidadoso da realidade em que vivemos. Por isso o pedido/sugestão.
Abraços,
Leonardo

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Ótima sugestão, Leonardo! Tenho tentado fazer a avaliação. Escrevi alguns textos na época da crise do mensalão e quando da eleição de 2002, mas nunca foram conclusivos. Talvez tenhamos de deixar o ciclo se completar primeiro, como a coruja de Minerva. De qualquer fora, esta será uma operação coletiva, para a qual vc está desde já convocado!
Abraço

Anônimo disse...

Olá Professor.

Primeiro gostaria de declarar minha admiração pela possibilidade de um pensamento, fortemente pautado da academia e, ao mesmo tempo, consideravelmente forjado na práxis.

Pois bem, o que me levou ao curso de Ciências Sociais foi, em verdade, anos de militância política. Evidentemente a conclusão do curso me trouxe grandes contribuições, mas não me bastou. Tanto assim que ao concluir o curso minha militância se desloca dos partidos políticos e chega até aquilo que os partidos teimam em chamar de movimentos de base. Para resumir, me tornei militante do movimento dos Negros de Ribeirão Preto. A escolha do movimento negro foi racional no sentido de que entendia que o movimento negro por mais que desejasse compensações de ordem financeira, se pautava na valorização da cultura trazida da África. De alguma maneira percebia que os traços culturais africanos eram extremamente estereotipados e deslocados da atribuição de valor. Por exemplo, eu tive uma crise de furúnculos, procurei um médico e ele me receitou um remédio homeopático a base de uma planta chamada Salsaparrilha, fui até uma farmácia de manipulação e lá paguei R$50,00 pelo tal remédio. No mesmo dia estive com minha Yalorixá e relatei a tal doença, ela logo buscou uma garrafada, e me pediu pra tomar em jejum. Quando eu a questionei a respeito do conteúdo ela me disse que era cachaça com Salsaparrilha. Nem preciso relatar que a sociedade olha a mesma coisa, a mesma formula, sob dois olhares: Remédio e Feitiçaria. Hoje, mais de quatro anos depois, consegui realmente me formar em Ciências Sociais, pois hoje ela é um instrumento de transformação, no momento em que pude perceber que as teorias são válidas, mas não podem substituir o cotidiano ou o sentimento que existe em cada grupo que luta pelo poder político. Um poder que existe na prática e com muito maiores adesões.

Quer um exemplo prático do numero de adesões? Quando militante político, membro da executiva de um partido que ocupa o poder executivo da cidade, conseguia reunir em uma reunião de militantes no máximo 100 pessoas, quando me tornei militante e líder do movimento negro, mesmo sendo branco liderava mais de 1.500 pessoas. Na prática pude verificar sua afirmação de que o poder está cada vez menos na mão dos políticos (de Estado). Armado disto, e portador de linguagem da política estatal, pude auxiliar em grandes conquistas do movimento negro em Ribeirão Preto. Hoje em Ribeirão Preto as escolas cumprem a Lei 10.639/05, (que obriga o ensino de História da África e da cultura africana nas escolas), temos uma lei que obriga o Afoxé Omo Orunmilá abrir o carnaval, a secretaria de saúde está preparada para atender portadores de anemia falciforme, temos um feriado em 20 de novembro e, evidentemente, um Assessor da Promoção da Igualdade Racial.

Enfim, precisava ganhar dinheiro e infelizmente professor não é minha vocação e, ao mesmo tempo, ninguém pode montar um escritório de Ciência Política. Assim fui cursar Propaganda e Marketing. Mesmo que eu saiba que o Marketing Político é pouco para o poder, precisava destas ferramentas até para me defender dos adversários de minhas campanhas. Montei um produto de assessoria, que se pautava justamente na articulação com estes grupos portadores de poder “não-estatal”, para que estes dessem legitimidade para meus clientes, e ao mesmo tempo meu cliente se comprometeria em administrar as contradições destes grupos de maneira próxima. Ao mesmo tempo percebi que estes grupos formavam redes, não apenas de poder, mas também de informação. Assim uma articulação bem realizada, serviria para a política e para o marketing político (em resumo o marketing político é aquele que possibilita o poder adaptando linguagens aos meios de informação). Sabia da minha capacidade para tal já que sou portador das duas linguagens. Pois bem fui contratado por uma campanha. Quando iniciei meu trabalho percebi que meu cliente valorizava muito mais o “Marketeiro” que o Cientista Político. Ele queria muito mais a “magia” do marketing do que as articulações com a sociedade. Tentei misturar um pouco das duas mesmo que cindido das ferramentas para a articulação social. Assim seguimos adiante, claro que o Marketing, diferentemente do que pensam os políticos, não pode forjar candidatos vencedores, e fomos derrotados. E a derrota se deu justamente porque meu oponente, candidato a reeleição, criou sua rede de poder, em um sentido inverso talvez, pois sua articulação social se deu distribuindo cargos de confiança ao lideres da cidade.

Depois do exposto, percebo que suas aulas e seus ensinamentos foram de grande valia para entender o que ocorreu na prática. Infelizmente mesmo os políticos, de grande importância no cenário nacional (por motivos éticos não posso valorar este peso no cargo que meu cliente ocupa) não conseguem valorizar a importância da ciência política frente ao Marketing.

Abraço ao Professor Marco Aurélio.


João Vítor Faustino.

Blog do Marco Aurélio Nogueira disse...

Prezado João Vitor:
muito obrigado pelo seu comentário. Gostei da iniciativa e muito mais ainda das coisas que vc relata. Um relato consistente, que vai ao centro de boa parte dos problemas da política hoje em dia. Marketing é necessário, com esse nome ou com outro, mas não pode efetivamente fazer milagre ou compensar fraquezas ou dificuldades objetivas. Vc, como cientista social, está conseguindo perceber isso muito bem. E para mim é muito animador perceber que alguns dos artigos que publico podem ajudar a que se dissemine a discussão sobre as possibilidades da política.
Continue aparecendo!
Abraço