É muito fácil manipular o novo,
assim como demonizá-lo e vê-lo com suspeição. A direita é especialista em fazer
isso.
Apesar disso, vivemos
orientados pela busca do novo. Quem não pensa assim, vive parado ou olhando
para trás. Um novo governo, uma nova cultura, uma nova vida, um novo homem, uma
nova política são sinalizações utópicas que animam as gentes e as fazem
refletir.
Na vida real, há sempre uma
fusão entre novo e velho, uma luta entre eles. Frase famosa de Gramsci: épocas
de crise são aquelas em que se abre um intervalo no qual “o velho morre e o
novo não pode nascer”. Na história, fases, relações, relacionamentos, hábitos,
ideias e instituições são ultrapassados e desconfigurados pelos processos de
transformação.
Deste ponto de vista, a
história é luta permanente entre ideias e práticas cristalizadas, que
representam uma fase ultrapassada da História, e necessidades práticas atuais,
que se impõem com o signo da novidade. Ou seja, luta permanente entre “o que
foi pensado e o novo pensamento, entre o velho que não quer morrer e o novo que
quer viver”.
A assimilação do novo que
emerge ou é anunciado varia conforme as classes, os interesses e as posições sociais. Setores
há que abraçam cegamente o que é novidade, o dernier cri. Outros resistem bravamente a tudo que possa ameaçar
sua estabilidade emocional ou seus interesses. Jovens são mais sensíveis ao que
é novo. Velhos, mais refratários. Mas há jovens conservadores e reacionários,
assim como velhos empolgados com o futuro e com o que rompe com o passado.
Há épocas mais abertas e outras
mais fechadas ao novo. O mundo atual, com sua dinâmica mudancista e suas
revoluções incessantes em certos planos da vida (a tecnologia, a cultura, os
direitos, as estratificações, as formas de trabalho e de organização da
produção), fez da novidade algo mais forte do que o novo. Todos querem ser up to date, mas nem todos se dispõem à
renovação substantiva.
O passado, a rigor, nunca passa,
nunca acaba de acabar. Verdade conhecida por historiadores e cientistas
sociais, a frase parece assumir proporções dramáticas no Brasil, que carrega em
seu DNA a dificuldade de romper com os arranjos sociopolíticos que, vindos do
passado e acumulados pelo tempo, terminam por frear ou moderar o progresso
social. Entre nós, ressoam forte as célebres palavras de Marx no Dezoito Brumário de Luís Bonaparte: “A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos”. Os “espíritos do passado” são recorrentemente convocados nos diferentes
momentos da história, mas nem sempre para que se honrem os heróis e sim para
que se aprisione o futuro.
Apesar de nunca
acabar, o passado é um todo complexo. É História. Sempre dialogamos com ele. Mostra-se
carregado de virtudes e defeitos, de heroísmo e tragédia, de erros e acertos.
Deixa marcas, pegadas, traços, glórias e feridas fundas, protege, identifica e
desafia. Temos, pois, que saber assimilá-lo e incorporá-lo à experiência.
Todo projeto opera com a ideia
de futuro. Ainda que carregado de compromissos com o passado -- passado que é,
em si mesmo, repleto de significado, lutas e derrotas, vencidos e vencedores,
que se recriam de muitas maneiras --, o projetar é uma deliberada aposta no
valor do que é novo, naquilo que se julga merecedor do desejo de ser alcançado:
o desconhecido, que pode ser pensado como “racional”.
O arranque rumo ao futuro,
porém, nunca é simples ou despojado de dramaticidade e resistência. A imagem eloquente
de Walter Benjamin, construída a partir de um diálogo com a aquarela Angelus Novus de Paul Klee, merece ser
recordada. Nela, diz Benjamin, “se vê um anjo que parece prestes a se
distanciar de algo em que fixa o olhar. Ele tem os olhos arregalados, a boca
aberta, as asas distendidas. O anjo da história deve ter este aspecto. Seu rosto
está voltado para o passado”. Onde vemos uma cadeia de acontecimentos, este
anjo enxerga uma única catástrofe contínua, que amontoa destroços sobre
destroços. “Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os
fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com
tanta força que ele não pode mais fechá-las. A tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o
amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos
progresso”.
Devemos pensar nessa dialética para
valorizar a história e entender seu ritmo. Marx e Engels escreveram na Ideologia Alemã: o processo histórico
“ocorre muito lentamente; as diferentes fases e os diversos interesses jamais
são completamente ultrapassados, mas apenas subordinados ao interesse
vitorioso, e vão-se arrastando durante séculos ao lado deste”.
O pensamento crítico não tem
como “livrar-se” do passado ou negá-lo como história. Ao se realizar
precisamente como crítica do presente, do que existe, sua meta é jogar luz
sobre o futuro. Tal como a revolução social estudada por Marx no século XIX,
este pensamento “não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro”. Precisa
se “despojar de toda a veneração supersticiosa do passado” e “deixar que os
mortos enterrem seus mortos”.
Aceitar o novo se confunde com
aceitar o risco: o desconhecido. Força a que se saia daquilo que protege e dá
segurança: o conhecido. Agarrar-se ao status
quo não é somente um dado de resistência ou reacionarismo: pode também ser
uma estratégia de sobrevivência.
As amplas massas populares, escreveu
Gramsci, “mais dificilmente mudam de concepção” e, quando mudam, jamais mudam “aceitando
a nova concepção em sua forma ‘pura’, por assim dizer, mas – apenas e sempre –
como combinação mais ou menos heteróclita e bizarra” [CC, 1, 108].
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