Um
deles tem a ver com a força política de sua campanha e de um seu eventual governo. O tema
deverá ocupar maior espaço caso Marina avance ou se mantenha competitiva.
Trata-se de examinar que fatores fazem uma postulação política se
tornar vitoriosa e podem ou não fornecer governança e governabilidade a uma
situação de governo.
No caso
de Marina, o raciocínio prevalecente se apoia numa causalidade que precisa ser demonstrada. A causalidade estabelece que se um candidato é fraco quando está em campanha (ou seja,
quando está sustentado por uma coligação partidária fraca e uma estrutura política pouco
expressiva) então seu governo será necessariamente frágil e oscilante. Ele
terminaria por ser engolido pela realidade fria e dura dos fatos e seu governo
ou enveredaria pela crise institucional, ou ficaria paralisado, inoperante.
Devemos
examinar melhor este raciocínio.
É um
fato que a coligação que sustenta a campanha de Marina é fraca. Tem hoje uma
bancada de 32 deputados em um total de 513 e provavelmente não elevará
expressivamente este número nas próximas eleições. O PMDB provavelmente
continuará gordo, PT e PSDB tendem a perder alguns deputados e alguns partidos
médios poderão crescer. O Congresso continuará fragmentado e a funcionar como
fator de controle, chantagem e pressão sobre o Executivo, impondo-lhe o desafio
da coalizão.
Nada de
muito novo, portanto.
Serão
estes indícios suficientes para que se conclua que um eventual governo Marina
estará irremediavelmente condenado ou a fracassar ou a repetir a pasmaceira
política atual para poder governar? Seu slogan – “governar com os melhores” –
não passaria de retórica de campanha e deveria ser desde logo descartada das
análises prospectivas? A realidade do “presidencialismo de coalizão” é assim
tão poderosa a ponto de possibilitar que se cogite de outros caminhos?
A
grande mídia e as campanhas de Dilma e Aécio estão dizendo que sim. Será mesmo?
Quatro
cenários podem ser desenhados em caso de uma vitória da candidata do PSB.
1.
Marina se recompõe com o PT e faz um governo de “união
das esquerdas”. Dado o calor dos embates eleitorais e as discrepâncias
programáticas que neles afloram (especialmente no que diz respeito ao modo de
fazer política, à sustentabilidade, aos direitos das minorias, à reforma
agrária e à política econômica), trata-se de uma probabilidade remota.
2.
Marina faz uma coligação com o PSDB e constrói uma
base minoritária mas com bons quadros e alguma musculatura. É uma hipótese de
alta probabilidade.
3.
Alia-se ao PMDB. Poderá fazer isso de três
maneiras. (a) entrega-lhe fatias protocolares de poder ministerial e alguns
recursos de poder, sem condicionar isso a uma real influência nas decisões de
governo, agindo tal como é feito hoje pelo governo Dilma; (b) estabelece compromissos
programáticos com o PMDB e concede-lhe influência efetiva no governo; (c) busca
atrai-lo topicamente, valendo-se da interlocução que já tem com alguns
expoentes do partido (Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos). Em suma, se é verdade
que “não dá para governar sem o PMDB”, como disse Beto Albuquerque, também é
verdade que uma aproximação com o PMDB poderá ser intensa ou fraca, e funcionar
bem ou mal. (O fato do partido der dado “governabilidade” a Lula e Dilma, por
exemplo, não garantiu a estes governos êxito completo ou a paz permanente.)
4.
Marina busca uma via alternativa (a “nova
política”), assentada sobre duas pistas: (a) forma um governo suprapartidário,
e (b) substitui a ideia de se ter uma ampla maioria disposta a votar fechado pela
ideia de dar vida a várias maiorias ad
hoc, flutuantes, compostas conforme as propostas em discussão.
O
exercício sugerido pelo cenário 4 tem sua beleza e instiga a imaginação. Governos suprapartidários são sempre uma possibilidade. Têm seu fascínio e suas vantagens, mas são mais favorecidos quando há uma situação de crise aguda, o que não é o caso hoje no País. A ideia pode, porém, prosperar se se conseguir convencer a sociedade de que avanços mais consistentes rumo ao futuro dependem de uma união política que supere o particularismo dos distintos partidos.
A via tradicional do “presidencialismo de coalizão” sugere maior facilidade e dá
maior iniciativa e poder de decisão ao Presidente, mas em troca cobra preço
alto em termos de verbas, apoios e favores. A segunda via é mais complexa e
exige esforço redobrado de articulação; tende, porém, a ser mais coerente. Nosso
presidencialismo incentiva o primeiro método, e não é que tenhamos
tido sempre boa governança e governabilidade. Poder-se-ia pensar nas vantagens
que o segundo método traria.
Ele
poderia, por exemplo, puxar um freio de arrumação e pôr um pouco mais de ordem
na casa. Reformularia o peso relativo de certas variáveis na decisão política,
reduzindo a centralidade que têm hoje as práticas tradicionais de obtenção de
recursos políticos: cargos, aprovação de projetos, verbas, indicações
políticas. Poderia coibir ainda mais a prática da "porteira fechada", com a qual os partidos loteiam os órgãos que dirigem. Forçaria os partidos a darem maior prioridade a seus programas e a
levarem em maior consideração o interesse coletivo. Faria com que saltasse à
luz do dia a indigência de alguns parlamentares e colocaria aos olhos da opinião
pública o custo artificial de muitas operações políticas. Injetaria sangue novo,
novos quadros, pessoas e ideias na gestão governamental, impulsionando uma certa "circulação das elites". Poderia produzir impacto salutar em alguns hábitos arraigados entre os políticos, forçando-os à renovação. Libertaria os ministérios da obrigação de seguir orientações partidárias unilaterais, articulando-os como governo e facilitando a adoção de maior transversalidade nas políticas públicas.
Apoio
parlamentar é algo que se conquista. É prematuro dizer que este ou aquele
candidato não tem “nenhuma perspectiva” de conquistá-lo. Há bons motivos para
se preocupar com a fraqueza organizacional da coligação de Marina e com as
dificuldades que enfrentará no Congresso, seja porque testará outro estilo de atuação,
seja pelas resistências que encontrará caso apresente eventuais propostas radicais. Mas isso
poderá ser contornado, caso haja flexibilidade, inteligência política e
capacidade de articulação. Trata-se de uma construção.
Sociedades
complexas como a nossa são dinâmicas e plurais e a rotatividade partidária na
coordenação governamental não é um valor de menor importância. Ela pode ajudar a
que se revitalize e se expanda a democracia. Por mais risco ou incerteza que isso
possa trazer. Não há porque se ter receios prévios, sem saber como as coisas serão propostas e empreendidas. A não ser, claro, que se esteja somente a fazer campanha.
Os
dados duros e frios da vida real são uma referência que não se pode perder. Mas eles não podem
fazer com que os políticos dobrem a cabeça. O choque da realidade deve sempre
se combinar com um choque na realidade.
2 comentários:
Análise primorosa desta perspectiva de uma nova governança para o Brasil.Parabéns pelo artigo. Reinaldo
Valeu, Reinaldo! Obrigado, abraço
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