Fechadas as cortinas do
espetáculo propiciado pela Copa do Mundo e sob os destroços da seleção
brasileira de futebol, o país voltou à rotina na segunda quinzena de julho.
Acordou com a campanha eleitoral oficializada, a convocar os cidadãos para uma
reflexão sobre o que lhes têm a oferecer partidos e candidatos.
Foram poucos dias. Mas indicaram
que nenhum novo roteiro está em cogitação pelos que concorrerão ao voto popular.
Será percorrido o mesmo chão de terra batida das últimas eleições no país. Os
programas divulgados mesclam algumas ideias concretas e muitas generalidades,
parecendo ter sido elaborados mais para sensibilizar que para orientar o
eleitor. Pouco se esclarece para onde deve ir o país, quais seus entraves, com
que recursos se poderá contar para reformar o que precisa ser reformado.
Partidos, candidatos,
coordenadores de campanha e marqueteiros estão alheios à sociedade. Não
interagem com ela nem assimilam suas demandas e expectativas. A mesmice faz com
que nem sequer se perceba o que separa os três candidatos principais ao
Planalto. Suas vozes se preocupam excessivamente em desfechar ataques
recíprocos, dissimulados em maior ou menor medida. Não é que não haja
diferenças. Elas existem, mas estão codificadas. São genéricas e retóricas, além
de repetitivas. O cidadão fica com a sensação de que tudo é falado como parte
de um pacote preparado somente para impressionar.
Surpreende a reiteração desse
desajuste entre a vida – complexa, repleta de problemas, difícil de ser
compreendida e manejada – e a pobreza do discurso político, que se agarra ao
canhestro para sobreviver. É como se houvesse, entre os políticos, uma cegueira
paralisante, que impossibilita inovações e exacerba a defesa das posições de
cada um. Os candidatos não se renovam porque temem perder espaços para os
adversários. Estancam
até nas pesquisas de intenção de voto.
Fala-se o que é conveniente
para que não se percam votos. Deixa-se de lado o importante, não se tocam nos
temas difíceis a não ser para neles pendurar promessas mágicas, a serem
decretadas com uma varinha de condão tão logo cheguem ao posto cobiçado. Os
candidatos dizem o que acham que o eleitorado deseja ouvir, mas não explicam a
estrutura dos problemas, o teor das decisões, a origem dos recursos (técnicos,
humanos, financeiros) com que se viabilizarão as soluções anunciadas.
É uma pequena tragédia
política, protagonizada por todos os partidos, a situação e a oposição. Todos
caminham de costas para a sociedade, atentos somente a seus próprios planos.
Não espanta que o tédio, o “ódio” aos políticos e o desinteresse cresçam. E que
a simplificação, a caricatura e a grosseria impregnem os ativistas e os apoiadores
dos candidatos. O ramerrão é conhecido: os tucanos são entreguistas, neoliberais
e contra o povo; os petistas são bolivarianos enrustidos, esquerdistas
incompetentes que só se preocupam em mentir e ajudar os companheiros. Uns e
outros, por sua vez, veem-se como estando acima do bem e do mal, não concedendo
qualquer nesga de dignidade aos adversários. Como ter debate democrático assim?
Veja-se a ênfase que é dada agora.
Os três principais candidatos escolheram slogans
praticamente idênticos para suas campanhas. O eixo é a ideia de mudança, que se
teria tornado sentimento e desejo comum dos brasileiros.
Todos falam em mudar, mas não
ajudam a que se compreenda a mudança como desafio político. A nossa é uma época
dinâmica e móvel demais. Mudamos tanto e tão depressa que nem percebemos o
movimento que nos impulsiona. Muda-se sem cessar, mas não se sabe em que
direção. A política se contagia. E os políticos, em vez de contribuir para que
se entenda o quadro, salientam o valor da mudança para não perder contato com o
imaginário social.
Mudar, na política eleitoral,
significa invariavelmente melhorar, progredir, rever prioridades e corrigir
erros. No jargão habitual, trata-se de uma inflexão que abre as portas do
paraíso. O discurso político brasileiro não é crítico nem autocrítico. O elogio
da mudança serve para que um candidato se autoglorifique e para que se estigmatize
o “conservadorismo” de outros.
Não se considera que os humanos
falam de mudança mas não gostam de mudar e resistem à mudança. Fazem isso sem
consciência ou intenção: ou para defender o que já conquistaram, ou para
proteger aquilo que lhes dá estabilidade e identidade. Mesmo assim mudam, fazem
a história sem saber. Paradoxalmente, têm medo das mudanças e medo de que as
coisas nunca mudem.
A história não é uma flecha que
aponta sempre para frente. Está integrada por movimentos surpreendentes, não
previsíveis, por efeitos bumerangue e retrocessos, erros e fracassos. Pode-se
mudar para pior. Da posição que se vê como “ruim” podem derivar mudanças
progressistas. Tudo isso é óbvio, mas não frequenta nenhum discurso político. Todos
prometem mudanças como se fossem senhores da razão. Não explicam que às vezes se
propõem mudanças para que tudo fique como está. Ou para que não se saia do
lugar.
Quando Dilma fala em “Mais
mudanças, mais futuro”, quantifica um processo em que o mais importante é a
qualidade, silenciando sobre isso. Aécio Neves é imperativo quando propõe “Muda
Brasil”, mas não diz que a mudança social é uma construção que somente pode
proliferar se for adotada pela sociedade: negociada com ela. Eduardo Campos diz
que é preciso “Coragem para mudar o Brasil”, como se o problema fosse
exclusivamente de falta de vontade e ousadia.
Caso se deixem levar por tais discursos
mudancistas, as pessoas para quem a vida precisa de fato mudar ficarão sem
saber para que lado correr. E passarão a se perguntar: se é assim, por que
diabos esses candidatos não se dão as mãos e reúnem forças para desenhar uma
mudança que seja factível e produza impacto efetivo sobre o futuro? [Publicado
em O Estado de S. Paulo, 26/07/2014,
p. A2].
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