Deve ter sido puro fruto do
acaso que a abertura oficial das eleições de 2014 tenha coincido com o
encerramento da Copa. Seja como for, quando Dilma Rousseff afirmou que a próxima
disputa presidencial será "a mais politizada da história" abriu-se
uma clareira para várias reflexões.
Já fiz a minha aqui neste blog
e em artigo que saiu no caderno Aliás do Estadão
de 13/07/2014. Quero acrescentar uma breve
ênfase.
Politizar pode ser entendido
como preocupação em fazer com que a política prevaleça: que se dê prioridade ao
interesse público, que a discussão substantiva prevaleça sobre a troca de
ofensas, que a busca do que é importante para um país supere os projetos de
poder dos candidatos e de seus partidos. Ao final de uma disputa devidamente
politizada, é de se esperar que sobre uma ideia de sociedade, se possível
formada com o concurso de uma variedade de opiniões e interesses.
O modo como se pensa a
politização interfere no modo como se faz política. E vice-versa. Por mais que sofra a
influência das circunstâncias históricas globais – cada época tem a sua
política –, a discussão política está fortemente determinada pela cultura de
cada sociedade. Ocupa, aliás, um lugar central nessa cultura, tendendo a
preencher muitos espaços e florescer onde menos se espera. Assim também com a conduta política.
As manifestações de alguns torcedores
brasileiros durante a Copa refletiram de alguma maneira o modo como pensam e
agem politicamente. A facilidade com que se passou do campo de jogo para o
campo político indica com clareza isso, assim como as vaias e ofensas dirigidas
à presidente e aos hinos de outros países. Estas vozes foram políticas, mas estiveram
perversamente politizadas: simplificaram tudo num misto de imputação de
responsabilidades, ódio e ressentimento. Tentaram canalizar um protesto contra
o que julgam estar errado no país, mas escolheram o pior caminho.
Assim como esteve encharcada de
política o modo como se reagiu ao cataclismo provocado pelos 7 a 1 da Alemanha.
Queimaram-se bandeiras, buscaram-se responsáveis, fizeram-se acusações,
falou-se que a seleção teria “obrigação de vencer” mesmo que estivesse
despreparada e praticasse um futebol abaixo da média. Não se viu o jogo
politicamente, quer dizer, como uma disputa entre contendores que respeitam
regras e buscam fazer com que o substantivo prevaleça sobre o adjetivo. Tanto
nas comemorações quanto nas análises do jogo e do desempenho em campo houve
política, mas não politização de qualidade.
A derrota humilhante para os
alemães e a perda da Copa ainda não foram processadas. Poderão ser – e é de
desejar que sejam – devidamente politizadas: analisadas com a prevalência do
coletivo sobre o individual, do todo sobre a parte, assim como com a devida
consideração do que há de processo e de história, de projeto e mentalidade, de
plano e espontaneidade, de preparo e improviso, de fortuna e virtù, de
disciplina e organização, num simples esporte popular. Sem isso, pouco se
tirará de positivo do fiasco: não se aprenderá com ele e, no dia seguinte, a
vida futebolística seguirá a mesma. Despolitizada.
Não dá para aprisionar o
futebol em quadros sociológicos rígidos, como se fosse possível ver nele o
espelho da sociedade. Há ligações entre o modo de viver, a cultura e o modo de
jogar, mas não muito mais que isso. O
futebol não é a encarnação do que há de bom e de ruim numa sociedade, assim
como não é a “pátria de chuteiras”, a não ser metaforicamente. Triste seria uma
nação que só encontrasse num esporte as razões de sua felicidade ou de seu
orgulho. A cultura, o caráter das pessoas, alguns políticos, a natureza, a
música, a culinária, a criatividade popular, tudo isso enche os brasileiros de
orgulho muito mais do que o futebol. Uma seleção não nos representa, se é que
se pode dizer assim: representa somente a si própria, ou seja, aos técnicos, aos dirigentes e aos jogadores
que a integram, ainda que possa ser figurada como expressão do brasileiro.
O futebol tem muito de
política: desejo de vencer e sobrepujar, simulações e dissimulações, dribles,
faltas de jogo, glória, fracasso, castigos e punições, fatores imponderáveis.
Nele, o jogo tem tanto de força física quanto de tirocínio. O centauro
maquiavélico entra em campo. E como o Príncipe, precisa saber ser lobo para
confrontar os lobos do outro lado e ser raposa para desarmar as armadilhas que
encontrará pelo caminho. O jogo jogado tem maior poder de decisão. Mas não são
desprezíveis as artimanhas antes e durante o jogo.
Mas uma coisa é uma coisa e
outra coisa é outra coisa. E quanto mais soubermos separar resultados
esportivos e expectativas políticas melhor para a cidadania. E melhor para a
política e para o futebol, que poderão ser assim adequadamente politizados.
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