Muitas pessoas como eu – ativistas sociais,
intelectuais, profissionais, cidadãos que se enxergam como integrantes, por
ideias, ideais e conduta, da esquerda democrática –, que nunca de empolgaram
com a dicotomia PT vs. PSDB, devem
estar hoje fazendo a mesma reflexão: a política apodreceu e precisamos começar
a reconstruí-la e a requalificá-la pela raiz, ao mesmo tempo em que uma
importante disputa política e eleitoral parece grávida de futuro.
Não se trata somente de eleições, candidatos e
debates, mas de tudo: há falcatruas e corrupção demais, o discurso político é
indigente, os partidos estão exauridos, já não há mais regras claras e limites
éticos para a competição política, candidatos se anunciam em nome de feitos do
passado e sem dizer à população o que pretendem de fato fazer, promessas e
demagogia saem de todas as bocas com enorme facilidade, o marketing modela e
pasteuriza tudo, os políticos parecem retidos numa órbita estranha à Terra... É um
cenário desolador. Para contrabalançá-lo, há as pessoas, os cidadãos, a cada
dia mais bem informados e dinâmicos, postos na vida como fatores de pressão e
de exigência constante de inovação.
Muitos destes cidadãos, eu incluído, pensamos
numa terceira via como meio de injetar seiva nova no processo e despolarizar a
política mediante um movimento de superação que ultrapasse o monopólio exercido
por PT e PSDB. Não deu certo, por vários motivos. A opção, agora, é ajudar a
que um destes dois polos se desfaça e agir para que o polo vencedor se
recomponha e altere seu perfil, tendo a grandeza e a visão estratégica de se
despolarizar a si mesmo, articular uma aliança de novo tipo e agregar novas
forças e novas ideias.
O PSDB reúne mais chances para ser este polo
vencedor hoje, concretamente. Não tanto por méritos seus, mas muito por
demérito do polo adversário. Aécio Neves e os peessedebistas têm quadros e
ideias, mas também integram o sistema e o mesmo ambiente de deterioração e
exaustão política. Tiveram a sorte de frequentá-lo como oposição e de estarem
fora do governo federal há 12 anos, fato que os preservaram de certos custos
operacionais pesados, que caíram todos nas costas do PT e de suas
administrações. E o PT, por sua vez, não soube lidar bem com isto: se
descaracterizou como partido de esquerda, saiu das ruas, deixou-se levar pela
lógica do acúmulo incessante de poder, em nome da qual fez alianças demais com
o diabo e perdeu a cultura política que havia acumulado em sua primeira e
heroica fase de vida.
Hoje, pelos caminhos tortuosos e imprevisíveis
da política, a socialdemocracia à brasileira depende da
capacidade que tiver o PSDB de sair de si, sacudir seus andrajos e agregar, em
torno de seu vitorioso candidato no primeiro turno, as forças, ideias e pessoas
que poderão ajudá-lo a recuperar a intenção socialdemocrata original, que esmaeceu
e perdeu a cor ao longo do tempo.
A socialdemocracia que se pode ter hoje, no
Brasil, passa pelo PSDB, mas não avançará nem ganhará corpo se não for além
dele: se ele não se abrir e não ampliar seu repertório. Se uma articulação
socialdemocrática se afirmar no curtíssimo prazo, terá boas chances de vencer
as eleições. Se somente o fizer no médio prazo, estará tinindo nas eleições de
2018.
Digo sem dificuldade: este é um prognóstico
analítico, uma tentativa de análise prospectiva de conjuntura. Mas é também um
desejo, uma torcida. Feita em nome da convicção de que a esquerda democrática
pode ser uma efetiva força de transformação social no Brasil desde que se
recrie e se unifique.
Recriar, aqui, não significa de modo algum
começar do zero ou fazer terra arrasada daquilo que existe. Ao contrário. O
reformismo democrático tem história e tradições entre nós, que são referências
seja no que têm de capacidade de identificação, seja no que têm de
capilarização, ou seja, de difusão e enraizamento sociocultural. Os partidos
que hoje se coligam – o PSDB, o PSB, o PPS, o PV – têm sido, todos eles,
protagonistas desta história. Dela faz parte, também, e em lugar de destaque, o
próprio PT, o PDT e o trabalhismo histórico, o comunismo, a esquerda católica,
o liberalsocialismo, além de outros inúmeros atores não propriamente
partidários: o universo da sociedade civil.
Partidos importantes, mas pequenos, como o PSB,
o PPS e o PV, ou correntes históricas como o trabalhismo e o comunismo, que
estão hoje dispersos e sem identidade clara, ganham força para viabilizar suas
propostas quando se articulam entre si e operam como cunhas
progressistas. Em vez de se combaterem uns aos outros, buscam o que os aproxima.
Largam pela estrada alguns de seus vícios e ideias fixas, abrindo-se para uma
agenda mais atualizada. Aumentam assim sua contribuição ao reformismo e à
democracia.
Partidos de centro-esquerda, como o PSDB, ganham
em coerência e em pujança reformadora quando se abrem para alianças
substantivas com partidos e tradições que estão mais à sua esquerda e que podem
auxiliá-lo a evitar acomodações improdutivas. União, aproximações e entendimentos, aqui, se
feitos em nome de itens programáticos densos e não de uma somatória de
interesses imediatos, têm a vantagem de facilitar a formação de articulações
unitárias que forjem governos progressistas. No caso concreto, podem auxiliar o
PSDB a extrair, de dentro de si mesmo, o melhor da ideia socialdemocrática que
nele repousa.
O mesmo pode ser dito do PT e dos pequenos
partidos que estão à sua esquerda e o orbitam. Articulações entre eles
ajudariam sobremaneira a dar melhor perfil e poder de fogo aos que se sentem
como integrando uma corrente política “não-reformista”.
Em suma, parece ser razoável afirmar que a recriação
da ideia socialdemocrática ganhará sentido e musculatura se souber se abrir, com
generosidade e inteligência estratégica, para um conjunto de forças, ideias e
atores que nem sempre atuam em conjunto, ou de modo articulado.
Há um quê de wishfull
thinking nesta argumentação. Mas o que seria da política sem um toque de sonho, desejo e fantasia, ou sem utopias?
A construção de alternativas políticas é sempre
um conjunto de operações complicadas. Precisa passar por disponibilidades
pessoais e coletivas, por estoques de ideias, por recursos e ferramentas de
atuação política. Hoje, tal construção é um desafio. Em boa medida, porque a
sociedade atual tem demandas plurais e crescentes, e elas nem sempre se
acomodam em nichos políticos claros. Isto explica o fato de os partidos
políticos terem se tornado tão genéricos e enfrentarem tantas dificuldades de
afirmação. E sem partidos bem posicionados, qualquer operação de unidade
política torna-se problemática.
A principal voz da política está agora ainda
mais claramente posta na sociedade civil. Os cidadãos precisam se organizar mais
para aparecerem como protagonistas coletivos de proposições políticas. Este é o
norte. Não dispensa os partidos, muito ao contrário. Funciona, na verdade, como
um vetor de reorganização partidária, algo que retira os partidos do terreno
exclusivo do sistema político e os faz retornarem ao chão social de onde
nasceram e encontram sua razão de ser. A época exige, pois, que se recupere a
política como atividade coletiva. A sociedade civil (onde também moram os
partidos, diga-se de passagem) pode ser o fator que fará a reforma da política
e pressionará para que os que nos representam honrem seus mandatos. Para isto,
ela precisa ser mais do que “terceiro setor”, ou seja, pôr-se claramente no
terreno do Estado.
7 comentários:
é Marco, não esta fácil!!!! sem duvida o desejo de mudança MARCA a escolha eleitoral. Mas mudar de partido no poder não é suficiente! E a sociedade civil marcando o passo, vai demorar. Ate que o tempo mostre os acertos e erros de quem seja escolhidp, as ruas estarão vacias de opinião.
abraço Isabel
querida Isabel, muito obrigado pelo comentário. Tentei falar exatamente isso no texto: não basta mudar o partido no poder, é preciso fazer com quem os partidos se abram para outras forças e para a sociedade. Somente assim ele poderá ser renovador e fazer algo de positivo. E somente com uma perspectiva deste tipo é que as ruas poderão deixar de ser vazias de opinião. O desejo de mudança ajuda a que se tenha uma opção eleitoral, mas não é suficiente para que esta opção produza resultados. Acho que estamos falando a mesma coisa, talvez com ênfases diferentes. Abraço
Querido Marco.
Nas condições capitalistas, sejam as estruturais ou as conjunturais, em que os interesses substantivos, sem querer ser reducionista, se contrapõem mais como dualidades que pluralidades, a busca de uma terceira via na representação política tem se revelado uma quimera (ex. recentes, Ross Perot USA 1992 e 1996; A. Giddins, via Blair UK anos 90 e 2000, Marina, BR 2014,...). O que me impressiona é tua alta lucidez analítica e enorme capacidade argumentativa serem como que anuladas diante de uma realidade política que passa, segundo vejo, bem longe de tuas projeções, expectativas e wishful thinking. Apostar numa renovação democrática, socialdemocrata, vá lá, e progressista via PSDB, está mais para um oximoro do que para uma virtualidade política plausível.
Saudações fraternas e democráticas,
Remy JF
Querido Marco.
Nas condições capitalistas, sejam as estruturais ou as conjunturais, em que os interesses substantivos, sem querer ser reducionista, se contrapõem mais como dualidades que pluralidades, a busca de uma terceira via na representação política tem se revelado uma quimera (ex. recentes, Ross Perot USA 1992 e 1996; A. Giddins, via Blair UK anos 90 e 2000, Marina, BR 2014,...). O que me impressiona é tua alta lucidez analítica e enorme capacidade argumentativa serem como que anuladas diante de uma realidade política que passa, segundo vejo, bem longe de tuas projeções, expectativas e wishful thinking. Apostar numa renovação democrática, socialdemocrata, vá lá, e progressista via PSDB, está mais para um oximoro do que para uma virtualidade política plausível.
Saudações fraternas e democráticas,
Remy JF
Obrigado pelo comentário, Remy. Há muita divergência nele em relação ao texto, o que é uma indicação de que, em princípio teremos muito material para debater. Como vc não apresentou argumentos para sustentar a tua tese de que a realidade política atual "passa bem longe" das minhas projeções, fico sem ter como contra-argumentar. Toda a minha "aposta" de renovação democrática sempre esteve apoiada na ideia de que as vertentes socialdemocráticas precisam se articular melhor no Brasil. O texto reitera isso, agregando a esta "aposta" a expectativa de que esta articulação está se dando, sem clara intenção dos atores, em torno do PSDB, dada a inoperância unitária do PT. O argumento é este, e não o que vc enfatizou, qual seja, o de que a renovação democrática (deixo só assim, pois vc parece não gostar nem de socialdemocrática, nem de progressista) será feita pelo PSDB. A "virtualidade política plausivel" está, para nossa sorte, sendo alcançada independentemente da vontade dos partidos. Felizmente, eu acrescentaria. Abraço
Caríssimo Marco Aurélio, mais um texto oportuno, brilhante !!! Sempre que posso acompanho seus trabalhos pelo ESTADÃO. O nosso caro Reginaldo Forti me chamou a atenção para o seu blog. Fico gratificado com a "hipótese socialdemocrata", porque, sendo possível uma divisão, entre o esforço intelectual, para a descrição, o estudo ou a crítica de uma determinada problemática social, e a formulação de alternativas ou soluções, a "hipótese" poderia figurar na linha dos trabalhos que se preocupam em fornecer os fundamentos incentivadores de novas propostas, do próprio futuro que sonhamos. Como sou um otimista incorrigível, a "hipótese" invade as minhas perspectivas, por apostar nas conquistas de nossa Sociedade, como um "taylor made". Muito bom, absolutamente oportuno. Abração. Mário S. Pini
Carissimo Mario, vindo de vc, o comentário só pode me deixar muito orgulhoso e feliz. Estamos em sintonia no que se refere a otimismo progressista. O País tem ótimas condições de dar um salto à frente no próximo ciclo. Grande abraço
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