A fórmula seguida pelo PT para
governar encontra-se hoje saturada e em fase de esgotamento. O partido errou
demais nos últimos dois ou três anos, seja em suas alianças, seja na opção que
fez por ter presença mais forte nos gabinetes executivos do que nas ruas.
Foram opções ruins, mas não
derivaram exclusivamente de escolhas feitas por seus dirigentes. Ganharam
condições de possibilidade graças às modificações que vêm afetando, em todos os
países, o modo de vida moderno. Hoje, as sociedades em que vivemos já não
reproduzem as antigas estruturas de classes e nem a tradicional escala de
valores sociais. Nelas, a economia tem outro padrão e o capitalismo se tornou
mais sólido, selvagem e desumano do que antes, impondo-se como sistema global a
todos os Estados-nação. A individualidade se expandiu, grupos e instituições já não organizam os
indivíduos como antes. Há uma nova cultura em plena expansão, novas demandas e
novos modos de ver o mundo crescem sem cessar. Tudo isso redefiniu o lugar, o
peso e as formas da política na vida do Estado e da cidadania. Deslocou os
partidos políticos e mudou a posição deles no imaginário coletivo.
Tanto quanto os demais
partidos, especialmente os de esquerda, o PT vem pagando alto preço por ter de
se haver com esta vida que se reorganiza em alta velocidade e a partir de um
nítido vetor “desorganizador”. A renovação partidária tornou-se uma exigência
tão veemente e estratégica quanto difícil de ser praticada.
O uso prolongado do poder cria
hábitos conservadores: conservar o poder implica ter de por em curso mecanismos
de cooptação de adversários e de ampliação de bases políticas que terminam
invariavelmente por refrear planos de renovação procedimental, de formação de
novos quadros e novas lideranças e de progressão política e cultural. O poder
atrai e em boa medida convida à acumulação de mais poder e à acomodação. Força
à sua própria reprodução em escala sempre mais ampliada. É a dupla face do
poder: ele faz e pode muito, mas também fascina em excesso, vicia e
sobrecarrega seu detentor.
Ao menos até os tempos atuais,
tem-se confirmado a “maldição” hobbesiana: “É tendência geral de todos os
homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte.
E a causa disto nem sempre é que se espere um prazer mais intenso do que aquele
que já se alcançou, ou que cada um não possa contentar-se com um poder
moderado, mas sim o fato de não se poder garantir o poder e os meios para viver
bem que atualmente se possuem sem adquirir mais ainda». (Hobbes, Leviatã, 1651).
Trocas de comando ajudam a
reanimar a tropa, poder-se-ia dizer, mesmo quando operadas a partir do interior
de um mesmo partido no poder. É como periodicamente trocar o ar dos ambientes. Quando,
porém, este partido não se mostra particularmente profícuo na produção de
quadros, as trocas de comando se tornam dilemáticas, dolorosas, a inserção de
novas ideias não avança e a ação governamental tende à rotina e à mesmice.
Não é verdade que partidos de
esquerda ou progressistas sempre pratiquem políticas progressistas e tenham
sucesso garantido somente por serem progressistas. Falhas acontecem, preços
precisam ser pagos por alianças “à direita” e a fadiga de material sempre pode
terminar por se fazer sentir. Aconteceu isto, por exemplo, no final do governo
FHC, que culminou na ascensão do PT ao primeiro plano da política nacional.
Passou-se algo semelhante no ocaso da ditadura militar, que viu quase
passivamente o processo político ultrapassar o ritmo e a cadência do projeto de
abertura.
Também não é verdade que
partidos conservadores, elitistas ou que “não ligam para os pobres” sigam
sempre políticas conservadoras ou não possam adotar medidas progressistas que
mudem para melhor a face de uma sociedade. Partidos de esquerda são
indispensáveis como fatores de avanço, mas não podem garantir tudo, nem muito
menos fazê-lo sozinhos. E não são imunes a erros. A dinâmica mais geral das
sociedades também são fontes geradoras de avanços sociais, especialmente quando
apontam para a modernização e a democratização social, como ocorre em linhas
gerais desde a segunda metade do século XX. Tem sido esta dinâmica a maior
responsável pelos avanços sociais que vêm ocorrendo no Brasil. Direitos sociais
importantes (Previdência, Saúde e Educação) se fixaram no Brasil durante a Era
Vargas e, mais tarde, durante a ditadura militar, seja porque eram funcionais à
expansão do capitalismo, seja porque se ajustavam às orientações trabalhistas
que apoiavam Getúlio. O Estatuto do Trabalhador Rural foi legalizado, no
Brasil, em 1966, em plena ditadura militar. Medidas de avanço podem ser
garantidas – às vezes até com maiores chances de sucesso e sustentabilidade –
por pactos políticos e por movimentos da sociedade civil que tenham força para
condicionar as ações e as opções governamentais. Para fazer com que o Bolsa
Família avançasse, os governos Lula e Dilma precisaram recorrer a partidos não
propriamente progressistas, como o PMDB.
No famoso Política como vocação, Max Weber escreveu: “Os primeiros cristãos
sabiam perfeitamente que o mundo estava dominado por demônios e que o indivíduo
que se comprometesse com a política, isto é, com os instrumentos do poder e da
violência, estava concluindo um pacto com potências diabólicas; sabiam aqueles
cristãos não ser verdade que o bem gerasse unicamente o bem, e o mal unicamente
o mal: de fato, constata-se, antes e com muita frequência, o fenômeno inverso.
Quem não conseguir entender isto é, politicamente falando, uma criança”.
Do mesmo modo se poderia
acrescentar, seguindo aos filósofos da política: o “bom governante” não se
confunde com a pessoa caridosa que jamais peca e segue sempre os caminhos da
justiça e da bondade. Talvez ele seja bem mais o político realista e pragmático
do que o ideólogo que se orienta por princípios rígidos, já que, por atuar nas
esferas amplas do poder, sua virtude repousa na capacidade que tiver de operar,
com prudência, flexibilidade e racionalidade, sistemas, interesses, apoios e
adversários complicados. Em algum momento, poderá resvalar para o lado negro da
Força, contrariar a moral vigente ou desmentir a si próprio. Além do mais, os
atos do “bom político” podem gerar efeitos colaterais negativos ou exigir o
emprego de métodos condenáveis.
Pode ocorrer o inverso com o
“mau governante”, ou com aquele que governa de modo politicamente conservador.
Efeitos inesperados podem derivar de sua atuação e ajudarem a civilizar a
sociedade e o Estado.
Não há, por isso, que temer
trocas presidenciais. Presidentes são importantes, mas não são tudo. Exercem
seus mandatos em conjunto com outros e conforme regras e possibilidades que não
são por eles estabelecidas segundo sua vontade. Tanto quanto o leque de forças
que os acompanham, o que decide mesmo, em última instância, é o estado de ânimo
da sociedade civil, sua capacidade de ação e sua disposição para impor pautas
avançadas e controlar os governos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário