sábado, 14 de junho de 2014

As vaias, as ofensas e as vozes dos estádios




A presidente Dilma agiu bem ao reagir às vaias e aos xingamentos que recebeu na abertura da Copa. Poderia ter deixado prá lá, mas achou melhor responder. Foi imperativa como sempre, mas mostrou firmeza. Disse que não são palavrões toscos que farão com que se intimide ou desista. Em lembrou que os brasileiros são um povo “generoso e educado”.
Já Lula, fiel a seu estilo provocador mas sempre calculado, chutou o pau da barraca: para ele, “a parte bonita da sociedade” mostrou que não tem educação e está conseguindo “o que nunca conseguimos: despertar ódio de classes”.
Para ambos, a vingança virá nas urnas, com a consagração do longo período petista no governo.
Dilma não foi o primeiro nem será o último governante a ser vaiado em praça pública. Só para ficar no âmbito dos estádios, aconteceu o mesmo com Aécio Neves no Mineirão, anos atrás. Quem hoje deplora as agressões verbais a Dilma deve ter aplaudido quando elas se dirigiram ao ex-governador mineiro. Vaias fazem parte da democracia. Xingamentos e palavrões pesados, não. São ofensas, puras e simples, pouco simbolizam em termos democráticos. Mas dizem alguma coisa e precisam ser decodificados. No mínimo, devem ser contextualizados.
As vozes brasileiras dos estádios não são generosas nem educadas. Não deveríamos sobrecarregá-las de expectativas. Uma coisa é o caráter do povo, tido como “cordial” (o que não é totalmente verdade, se se tomar a palavra pelo seu sentido mais próximo da ideia de lhaneza e da gentileza), outra coisa, bem diferente, é o povo convertido em torcedor. Aí não há visão romântica que sobreviva aos fatos. As mães dos juízes que o digam, assim como os próprios jogadores, muitas vezes difamados, agredidos e ofendidos pelos torcedores. A banana jogada para Daniel Alves mostra, aliás, que o problema não é só brasileiro. Torcidas organizadas, hooligans e brucutus existem em toda parte.
Há quem pense que não se deveria esperar isso da “parte bonita da sociedade”. É um preconceito às avessas. Por que não? Acaso ela seria melhor ou pior do que as partes mais “feias” da sociedade? Seria verdade que o povo brasileiro, na sua multiplicidade de tipos, seria no todo marcado pela generosidade, este é de fato um traço eloquente de nosso identidade nacional? Sei não, desconfio... Aqueles que vaiaram são os mesmos que se opõem às políticas sociais e àquilo que se considera os acertos dos governos petistas? Não se sabe. Talvez sim. Mas ali, dentro de um estádio de futebol? Impossível estabelecer com clareza. Portanto, valeria a pena ir mais devagar na associação das vaias ao padrão cívico das diferentes classes da sociedade ou mesmo ao teor daquilo que opõe os agressores à presidente.
Os que xingaram a presidente devem ser criticados, porque se valeram de uma forma de expressão que não integra o universo da política. O que teriam querido dizer? Não ficou claro, e também por isso as ofensas caíram no vazio. Poder-se-ia pensar que foram um espasmo de mau-humor diante de tanto oba-oba em torno da Copa, de descontentamento com a inflação ou de decepção com o montão de dinheiro gasto no Mundial. Pode ter sido manifestação de uma antipatia pessoal. Pode até ser que os caras fossem ódio puro e se sentissem mesmo como a “elite branca” que tanto incomoda ao PT. Dá prá pensar, ainda, que as ofensas nasceram de uma combinação de tudo isso.
Jamais saberemos com precisão.
No entanto, dá para afirmar que as ofensas foram improdutivas. Tiveram efeito bumerang: voltaram-se contra quem as praticaram. Além disso, vitimizaram a presidente, gerando uma corrente de solidariedade a ela.
Pode ser que tenham tentado copiar as vozes rotineiras dos estádios, usando palavrões comuns nas disputas futebolísticas mais acerbas. Como a Copa foi excessiva e indevidamente politizada, futebol e política se misturaram na cabeça das pessoas. Hoje, além do mais, a intolerância e a agressão verbal fazem parte de todos os ambientes e são compartilhados por todas as classes e segmentos sociais. A baixaria é geral. Os palavrões estão presentes na vida cotidiana: às vezes como palavrões mesmo, às vezes como grosseria verbal tida como “adequada”, tipo a daqueles que para te contestarem procuram te estigmatizar, que dizem, por exemplo, que tuas posições são "estúpidas" ou que não aceitam o teu direito de argumentar.
Os xingamentos do dia 12 de junho vieram evidentemente de oposicionistas, de pessoas que talvez não entendam direito as regras da democracia, que talvez sejam egoístas e queiram ver sangue, ou que brinquem com coisa séria. Mas não representam as vozes da oposição política. A tentativa de associá-las ao PSDB ou ao PSB é malandragem pura, pior que o pênalti cavado pelo Fred.
Reagir com discernimento e critério aos xingamentos, responder a eles de modo elevado, com firmeza e sem eleitoralismo, é a melhor forma de mostrar a ineficácia daquela manifestação. Fazer o contrário é colocar mais lenha na fogueira, explorar uma divisão de classes que Lula diz repudiar e pavimentar a estrada para uma disputa eleitoral de baixo nível. Que nada agrega de bom e tensiona artificialmente a sociedade.
O Brasil não é hoje um país dividido entre uma “elite” branca e rica contrária ao Estado e uma “massa” de miseráveis explorados dependente dos governos. Não há dois blocos desse tipo, até porque nas ações políticas e governamentais concretas está tudo bem misturado. Os blocos que se opõem na atual política brasileira são diferentes: têm componentes de classe, com certeza, mas eles não são os únicos nem são os predominantes. E não serão eles a determinar o resultado das urnas ou os debates que se farão durante o processo eleitoral.

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