Falta um voto, mas a essa
altura já se dá como certa a aceitação pelo STF dos embargos infringentes que
poderão a um novo julgamento do mensalão.
Interessante como dialética
decisional no âmbito da justiça penal e com alguma importância no âmbito do
Direito, a questão dos embargos infringentes não chega a ser propriamente
empolgante. Boa parte disso se deve ao fato de que a medida é basicamente um
recurso protelatório, destinado a retardar o cumprimento de uma decisão que,
por não ter sido tomada com unanimidade, pode ser interpretada como ensejando algum
prejuízo ao réu.
Protelar uma decisão judicial é
recurso universal de todo e qualquer condenado, uma espécie de prova de que ele
lutará até o fim pela sua não condenação ou por sua honra.
A medida emergiu nos dias correntes
envolta em antipatia, pois visa protelar aquilo que a opinião pública considera
merecedor de rápida e incontestável conclusão: o julgamento dos réus do
mensalão e o cumprimento das penas a que foram condenados. Está sendo
interpretada como manobra diversionista da defesa dos réus, como desejo de
justiça pelos condenados e como “vingança” dos muitos inimigos de Joaquim
Barbosa e do STF. Funciona como uma bomba de efeito inesperado na vida
política, algo que não beneficia rigorosamente a ninguém, sequer aos
condenados, que não podem se livrar da exposição negativa a que vêm sendo
submetidos desde que o julgamento do episódio começou.
Previstos no regimento do
Supremo Tribunal Federal, os embargos podem levar a um novo julgamento do crime
em que o condenado tenha obtido ao menos quatro votos favoráveis. Há alguma
dúvida a respeito de sua validade, pois não constam da lei de 1990 que regulou
as ações no Supremo. Por possibilitarem
a reanálise de provas, podem mudar o mérito da decisão do Supremo e propiciar
aos réus a reversão das penas recebidas.
Dos 25 condenados pelo Supremo, 12 têm direito aos infringentes: João Paulo Cunha, João Cláudio Genú, Breno
Fischberg (condenados por lavagem de dinheiro),
José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia
Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado e Simone
Vasconcelos (condenados no crime de formação de quadrilha). Todos receberam ao
menos quatro votos favoráveis.
Embargos desse tipo encontram
respaldo na pulsão que leva todo condenado a lutar pelo reconhecimento de sua
inocência. Os que são julgados e apenados raramente aceitam sua condição e sempre
buscam nos meandros jurídicos alguma chance de alívio ou reparação. No caso do mensalão, como o STF é a última
instância, não há outro caminho que não o da colocação em dúvida da lisura e da
constitucionalidade do julgamento. A falta de unanimidade é a porta por onde
entra o argumento. Não podendo recorrer a nenhuma outra instância, trabalha-se
pelo embargo do processo alegando infringência de termos processuais ou normas
jurídicas.
Trata-se de uma tática que
segue via política e não jurídica. Dilatar o tempo do desfecho para, com isso,
mexer no imaginário social e interferir na percepção dos juízes. No caso atual,
a tática se mostrou possível graças à substituição de alguns ministros do STF
por outros. Os novos decidiram rever o que os velhos fizeram, usando critérios
distintos de julgamento. Os juízes, em maioria apertada, aceitaram esse jogo,
seja porque concluíram que o primeiro julgamento foi político, seja porque acharam
que vale a pena, agora, retomar o processo para dirimir dúvidas e corrigir
excessos pontuais.
Agiram, em suma, impulsionados
pelo sangue novo carreado por dois novos ministros – que alteraram o equilíbrio
de forças no plenário e trouxeram novos argumentos para a consideração da Corte
– e pelo entendimento de que o prolongamento do julgamento é politica e
juridicamente justo e proveitoso para todos, não somente para os réus.
Entre a conveniência política e
a conveniência jurídica, ficaram com as duas. Como se estivessem a dizer: quem
manda aqui somos nós, não as nossas decisões anteriores ou a opinião pública. Fazemos
nossas próprias regras e nossos cálculos. Não aceitamos pressões, e assim por
diante.
A questão, agora, é saber que
desdobramentos e efeitos terá a decisão. O Palácio do Planalto emitiu,
discretamente, sinas de preocupação com o fato, que significa catapultar para
2014 e além uma discussão que, nos cálculos meticulosos dos estrategistas, não
ajuda aos planos eleitorais de Dilma-PMDB. Não dá para saber direito se o novo
julgamento ajuda ao PT, pois não dá para antecipar o que será decidido pela
Corte. Se os 12 réus vierem a ser absolvidos ou tiverem suas penas reduzidas,
ponto para o partido, que mostrará forçar a diluirá parte da mancha que macula
sua história. Se o novo julgamento referendar o primeiro, péssimo para o PT.
De qualquer modo, a manutenção
do tema na agenda não é confortável para o governo e para o PT, pois as águas
turvas e conturbadas do processo respingarão nas operações governamentais e na
opinião pública. E tenderão a continuar produzindo desgaste.
A sensação de que a Justiça
olha com benevolência e tolerância para os mais fortes, em detrimento dos
comuns, poderá crescer, misturando-se com a convicção hoje generalizada de que
a impunidade dos “de cima” é uma cláusula difícil de ser alterada.
Os ministros do STF aceitaram
pagar para ver. E o Planalto, agora, torcerá para que consigam manter
represadas as águas turvas do caso.
Em termos de análise política,
o fato é simples. A aceitação dos infringentes não coonesta a corrupção ou a
impunidade, nem antecipa uma absolvição. Será contestada, assim como foi
contestado o primeiro julgamento. Beneficia a José Dirceu, antes de todos, pois
foi ele quem mais se valeu do julgamento para ficar em evidência e circulação.
Mas esse benefício poderá ser enganoso e sair pela culatra. Deixará Dirceu na
berlinda e não necessariamente o livrará da pena.
O custo político da operação
será distribuído por muitos protagonistas, mas não de modo igualitário. A
decisão do STF fará com que o Supremo permaneça politizado e contestado. Fará
crescer sobre ele a sombra de ter se convertido em instrumento dos interesses
governamentais, quebrando a imagem de independência que havia acumulado até
então. Será empregada
como prova de que ilícitos ainda têm livre curso entre nós. E dificultará a que se enterre o mensalão, se vire a página e se siga em frente.
Quanto ao país, bem, esse
permanecerá vivo, sem ganhar nem perder e sem luz no fim do túnel.
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