quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Embargos e infringências



O custo político da aceitação dos infringentes pelo STF será dividido entre muitos,  mas não de modo igualitário. A decisão fará com que o Supremo permaneça politizado e contestado. Será usada como prova de que ilícitos podem proliferar. Dificultará a que se enterre o mensalão e se siga em frente. Mas o país permanecerá sem ganhar nem perder e sem luz no fim do túnel.


 Falta um voto, mas a essa altura já se dá como certa a aceitação pelo STF dos embargos infringentes que poderão a um novo julgamento do mensalão.
Interessante como dialética decisional no âmbito da justiça penal e com alguma importância no âmbito do Direito, a questão dos embargos infringentes não chega a ser propriamente empolgante. Boa parte disso se deve ao fato de que a medida é basicamente um recurso protelatório, destinado a retardar o cumprimento de uma decisão que, por não ter sido tomada com unanimidade, pode ser interpretada como ensejando algum prejuízo ao réu.
Protelar uma decisão judicial é recurso universal de todo e qualquer condenado, uma espécie de prova de que ele lutará até o fim pela sua não condenação ou por sua honra.
A medida emergiu nos dias correntes envolta em antipatia, pois visa protelar aquilo que a opinião pública considera merecedor de rápida e incontestável conclusão: o julgamento dos réus do mensalão e o cumprimento das penas a que foram condenados. Está sendo interpretada como manobra diversionista da defesa dos réus, como desejo de justiça pelos condenados e como “vingança” dos muitos inimigos de Joaquim Barbosa e do STF. Funciona como uma bomba de efeito inesperado na vida política, algo que não beneficia rigorosamente a ninguém, sequer aos condenados, que não podem se livrar da exposição negativa a que vêm sendo submetidos desde que o julgamento do episódio começou.
Previstos no regimento do Supremo Tribunal Federal, os embargos podem levar a um novo julgamento do crime em que o condenado tenha obtido ao menos quatro votos favoráveis. Há alguma dúvida a respeito de sua validade, pois não constam da lei de 1990 que regulou as ações no Supremo.  Por possibilitarem a reanálise de provas, podem mudar o mérito da decisão do Supremo e propiciar aos réus a reversão das penas recebidas.  Dos 25 condenados pelo Supremo, 12 têm direito aos infringentes:  João Paulo Cunha, João Cláudio Genú, Breno Fischberg (condenados por lavagem de dinheiro),  José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado e Simone Vasconcelos (condenados no crime de formação de quadrilha). Todos receberam ao menos quatro votos favoráveis.
Embargos desse tipo encontram respaldo na pulsão que leva todo condenado a lutar pelo reconhecimento de sua inocência. Os que são julgados e apenados raramente aceitam sua condição e sempre buscam nos meandros jurídicos alguma chance de alívio ou reparação.  No caso do mensalão, como o STF é a última instância, não há outro caminho que não o da colocação em dúvida da lisura e da constitucionalidade do julgamento. A falta de unanimidade é a porta por onde entra o argumento. Não podendo recorrer a nenhuma outra instância, trabalha-se pelo embargo do processo alegando infringência de termos processuais ou normas jurídicas.
Trata-se de uma tática que segue via política e não jurídica. Dilatar o tempo do desfecho para, com isso, mexer no imaginário social e interferir na percepção dos juízes. No caso atual, a tática se mostrou possível graças à substituição de alguns ministros do STF por outros. Os novos decidiram rever o que os velhos fizeram, usando critérios distintos de julgamento. Os juízes, em maioria apertada, aceitaram esse jogo, seja porque concluíram que o primeiro julgamento foi político, seja porque acharam que vale a pena, agora, retomar o processo para dirimir dúvidas e corrigir excessos pontuais.
Agiram, em suma, impulsionados pelo sangue novo carreado por dois novos ministros – que alteraram o equilíbrio de forças no plenário e trouxeram novos argumentos para a consideração da Corte – e pelo entendimento de que o prolongamento do julgamento é politica e juridicamente justo e proveitoso para todos, não somente para os réus.
Entre a conveniência política e a conveniência jurídica, ficaram com as duas. Como se estivessem a dizer: quem manda aqui somos nós, não as nossas decisões anteriores ou a opinião pública. Fazemos nossas próprias regras e nossos cálculos. Não aceitamos pressões, e assim por diante.
A questão, agora, é saber que desdobramentos e efeitos terá a decisão. O Palácio do Planalto emitiu, discretamente, sinas de preocupação com o fato, que significa catapultar para 2014 e além uma discussão que, nos cálculos meticulosos dos estrategistas, não ajuda aos planos eleitorais de Dilma-PMDB. Não dá para saber direito se o novo julgamento ajuda ao PT, pois não dá para antecipar o que será decidido pela Corte. Se os 12 réus vierem a ser absolvidos ou tiverem suas penas reduzidas, ponto para o partido, que mostrará forçar a diluirá parte da mancha que macula sua história. Se o novo julgamento referendar o primeiro, péssimo para o PT.
De qualquer modo, a manutenção do tema na agenda não é confortável para o governo e para o PT, pois as águas turvas e conturbadas do processo respingarão nas operações governamentais e na opinião pública. E tenderão a continuar produzindo desgaste.
A sensação de que a Justiça olha com benevolência e tolerância para os mais fortes, em detrimento dos comuns, poderá crescer, misturando-se com a convicção hoje generalizada de que a impunidade dos “de cima” é uma cláusula difícil de ser alterada.
Os ministros do STF aceitaram pagar para ver. E o Planalto, agora, torcerá para que consigam manter represadas as águas turvas do caso.
Em termos de análise política, o fato é simples. A aceitação dos infringentes não coonesta a corrupção ou a impunidade, nem antecipa uma absolvição. Será contestada, assim como foi contestado o primeiro julgamento. Beneficia a José Dirceu, antes de todos, pois foi ele quem mais se valeu do julgamento para ficar em evidência e circulação. Mas esse benefício poderá ser enganoso e sair pela culatra. Deixará Dirceu na berlinda e não necessariamente o livrará da pena.
O custo político da operação será distribuído por muitos protagonistas, mas não de modo igualitário. A decisão do STF fará com que o Supremo permaneça politizado e contestado. Fará crescer sobre ele a sombra de ter se convertido em instrumento dos interesses governamentais, quebrando a imagem de independência que havia acumulado até então. Será empregada como prova de que ilícitos ainda têm livre curso entre nós. E dificultará a que se enterre o mensalão, se vire a página e se siga em frente.
Quanto ao país, bem, esse permanecerá vivo, sem ganhar nem perder e sem luz no fim do túnel.

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