Há um frisson pouco justificável por aí. Tudo parece indicar
que a aceitação dos embargos não terá muito efeito prático, ainda que possa ter
algum efeito simbólico de curto prazo.
Conheço muita gente que
aumentou a dose de ansiolíticos e anda se entupindo de chás e maracujina para
suportar a expectativa do voto do juiz Celso de Mello, amanhã.
Deve ser excesso de interesse
por dramas de tribunal, área em que o cinema e as séries norte-americanas são
imbatíveis. Law and Order está aí
prá quem quiser verificar.
Não consigo ver tanta
importância assim no que fará o juiz. Não me parece que a aceitação dos
embargos infringentes levará a que os condenados livrem a cara ou saiam melhor
na foto. Isso não deverá acontecer nem que a nova maioria do STF (uma maioria
quase ad hoc, diga-se de passagem)
resolva alterar as penas. O fato – chamemo-lo de crime, corrupção ou caixa
dois, tanto faz – já figura no imaginário popular como evidência de que a
política no Brasil não é coisa para amadores: que o jogo é pesado e as armas
afiadas e contundentes, o que faz com que a legalidade seja atropelada com
extraordinária facilidade. A política, por aqui, também é aquele espaço em que
os poderosos sempre vencem, sejam eles os homens do dinheiro ou do poder
governamental. Há pouca punição e quase nenhuma cadeia para quem está por cima.
A população sabe disso, despreza isso mas segue em frente, distanciando-se mais,
a cada passo, dos políticos e da política.
O imaginário popular assimilou
uma frustração adicional quando percebeu que essa escandalosa privatização do
público não era atributo exclusivo das elites conservadores, mas de todas as
elites, inclusive das assim tidas como progressistas. Percebeu que ficou tudo
efetivamente dominado, que ninguém pode dizer que dessa água não beberá, ainda
que todos o façam e digam.
Muitos defensores dos
condenados – ou a moçada que acha que o mensalão não passou de caixa dois –
pensam que eles, os condenados, sofreram “linchamento moral” e foram vítimas de
um julgamento “político”, que os massacrou sem direito de defesa e com detalhes
de humilhação. Não penso assim, porque não consigo ver onde isso aconteceu de
fato. Que o STF, pela mão meio enraivecida de Joaquim Barbosa, usou o caso para
se valorizar e tentar exercer “ação pedagógica” foi evidente. Isso talvez tenha
reduzido o rigor jurídico das avaliações, especialmente porque incorporou o tal
“domínio do fato” como critério. Mas o STF é um tribunal político,
especialmente quando está em tela uma suspeita de crime político. Bobagem achar
que trabalharia exclusivamente pela via de uma hermenêutica tradicional,
simples. Ontem como hoje, aliás: os que defendem os infringentes alegam seguir
suas próprias consciências individuais como juízes e a letra da lei, ou daquilo
que acham ser a lei, ou as grandes tradições jurídicas liberais, os direitos
humanos, etc. Dizem que os infringentes se justificam porque o que está sendo
julgado são pessoas que merecem plena defesa, não são somente meros servidores
públicos ou membros de partidos. Apesar disso, estão fazendo política, seja com
o voto em favor dos embargos, seja com a consequência que isso terá para a
sociedade.
Há um frisson pouco justificável por aí. Tudo parece indicar que a aceitação
dos embargos não terá muito efeito prático, ainda que possa ter algum efeito
simbólico de curto prazo. Pode até mesmo ser que funcione para produzir o
contrário do que se imagina: em vez de absolver os condenados ou reduzir suas
penas, aumentar a dose de culpabilidade deles. De qualquer modo, um novo
julgamento não seria ruim para ninguém. Mostraria que os juízes têm coerência
e, se for o caso, humildade para reconhecer que erraram. Deixaria claro que os réus
tiveram direito amplo de defesa. Se vierem a ser absolvidos com base em novas
provas e em bons argumentos de sustentação, a justiça se fará. Se for por algum
cambalacho, todo mundo perceberá. E se não forem absolvidos e tudo se
confirmar, ninguém poderá dizer que o STF agiu de modo indevido.
Acompanho aqui a opinião
expressa por Renato Janine Ribeiro, em artigo publicado no Valor Econômico de ontem: “Como os próprios defensores da punição
presta e severa dizem que o julgamento é político, eu afirmo: político é dar a
máxima chance de defesa aos réus, não só porque individualmente têm esse
direito, mas porque apenas assim a sociedade se convence de sua culpa. Não
sendo assim, a sociedade sai do julgamento como entrou: uns os acham inocentes
vítimas, outros detestáveis culpados, e outros, ainda, discordam do que acham
ter sido um teatro. Não ganha a Justiça”.
Está se fazendo muito barulho
por pouca coisa. Seja qual o voto de Celso de Mello, todos poderão ganhar. E se
houver perda, será coletiva, não deste ou daquele. ‘Tamo junto!
Sempre a se ver, claro.
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