sábado, 31 de agosto de 2013

Cruzada sem tréguas




Competição artificial entre PT e PSDB, vivida como se fosse uma cruzada contra o adversário a ser destruído nas próximas eleições, produz sempre mais degeneração política

 

Por convicção, formação e trajetória política, e também por dever de ofício, penso que política é sinônimo de disputa e conflito, pois seu foco é a conquista do poder. O poder, porém, é seu foco principal, mas não é o único, e talvez nem o mais importante. A política também busca o interesse público, e isso deveria brilhar com tanta intensidade que condicionaria e orientaria o primeiro foco. Deveria, mas...
Lembrei-me disso ao ler o artigo publicado por Luiz Sergio Henriques no Estadão de hoje. Num texto elegante e bem construído – marca registrada do autor, competente editor da revista eletrônica Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) –, ele parte da constatação de que a relação entre as ideias e o mundo real não é unívoca nem se presta a simplificações para então lembrar que o ideário da social-democracia  parece instituído na realidade brasileira, mas as correntes políticas que dele se aproximam, o PT e o PSDB, “se dividiram em facções crescentemente irreconciliáveis, cuja conflituosidade por vezes espanta o observador desatento aos movimentos mais profundos que orientam o comportamento de atores individuais e coletivos, bem como a relação entre cultura e política”.
Isso não significa que tucanos e petistas sejam idênticos por origem ou orientação de valor, “mas as diferenças que exibem e até exasperam não autorizam colocá-los em compartimentos antagônicos nem sequer muito distintos, ao contrário do que possam sugerir os tons da refrega a que se entregam”.
Luiz Sérgio sabe bem, como todos os bons observadores da história política brasileira, que os dois atores carregam muitas diferenças entre si. Na sua letra: “uns, mais atentos à dimensão institucional da democracia representativa, apesar da ferida representada pela malfadada emenda da reeleição em benefício dos então ocupantes do poder; outros, mais cuidadosos com as urgências sociais, ainda que o desleixo com os aspectos "formais" da democracia os tenha feito incorrer não em episódio "comum" de corrupção, explicável pela generalizada força do dinheiro na política contemporânea, mas sim num ataque frontal ao Parlamento, como aquele sobre o qual o Supremo Tribunal Federal ora se debruça novamente”.
Seria o caso de acrescentar, para ampliar a conversa, que a própria conflituosidade entre PT e PSDB já teve mais dignidade. Por exemplo, quando se debateu o caráter mais ou menos “neoliberal” do governo e das reformas postas em prática por FHC. Hoje, o conflito reduziu-se a um osso, cuja carne se perdeu por aí. É uma caricatura de debate político, um arremedo de competição substantiva. Na falta de conteúdo, sobressaem as ênfases hiperbólicas e os interesses pequenos, consolidados ao longo de históricas que se cruzaram e produziram atritos que viraram feridas não cicatrizadas.
O mais interessante é a conclusão de Luiz Sergio:se estivermos assistindo ao confronto desabrido entre duas vertentes da mesma social-democracia, é o caso de temer pela qualidade das instituições, que constituem o bem mais precioso herdado das lutas contra o regime autoritário”.  Isso porque, despojada de substância e dignidade, a peleja pode não somente levar à morte dos dois contendores como também ao aprofundamento da degeneração do discurso e da arena política, que a essa altura já é grave. O “espírito de cruzada sem tréguas contra o adversário, considerado o inimigo a varrer em cada episódio eleitoral”, como tem ocorrido entre nós, não leva a nenhum lugar interessante.
A sociedade nada ganha com o prolongamento dessa competição artificial. O país fica à deriva, sem um projeto de futuro. E os cidadãos terminam com aquele travo amargo da frustração: simplesmente não encontram qualquer sinal que indique que os políticos farão um gesto – digamos assim – para o bem do país.
Nada é sem consequência. E deverá ser acompanhada com atenção a questão de saber como esse quadro, somado às vozes das ruas de junho e à mediocridade generalizada da chamada “classe política”, repercutirá em 2014.

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