Competição
artificial entre PT e PSDB, vivida como se fosse uma cruzada contra o
adversário a ser destruído nas próximas eleições, produz sempre mais
degeneração política
Por convicção, formação e
trajetória política, e também por dever de ofício, penso que política é
sinônimo de disputa e conflito, pois seu foco é a conquista do poder. O poder,
porém, é seu foco principal, mas não é o único, e talvez nem o mais importante.
A política também busca o interesse público, e isso deveria brilhar com tanta
intensidade que condicionaria e orientaria o primeiro foco. Deveria, mas...
Lembrei-me disso ao ler o
artigo publicado por Luiz Sergio Henriques no Estadão de hoje. Num texto
elegante e bem construído – marca registrada do autor, competente editor da revista eletrônica Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) –, ele parte da
constatação de que a relação entre as ideias e o mundo real não é unívoca nem
se presta a simplificações para então lembrar que o ideário da social-democracia parece instituído na realidade brasileira,
mas as correntes políticas que dele se aproximam, o PT e o PSDB, “se dividiram
em facções crescentemente irreconciliáveis, cuja conflituosidade por vezes
espanta o observador desatento aos movimentos mais profundos que orientam o
comportamento de atores individuais e coletivos, bem como a relação entre
cultura e política”.
Isso não significa que tucanos
e petistas sejam idênticos por origem ou orientação de valor, “mas as
diferenças que exibem e até exasperam não autorizam colocá-los em
compartimentos antagônicos nem sequer muito distintos, ao contrário do que
possam sugerir os tons da refrega a que se entregam”.
Luiz Sérgio sabe bem, como
todos os bons observadores da história política brasileira, que os dois atores
carregam muitas diferenças entre si. Na sua letra: “uns, mais atentos à
dimensão institucional da democracia representativa, apesar da ferida
representada pela malfadada emenda da reeleição em benefício dos então
ocupantes do poder; outros, mais cuidadosos com as urgências sociais, ainda que
o desleixo com os aspectos "formais" da democracia os tenha feito
incorrer não em episódio "comum" de corrupção, explicável pela
generalizada força do dinheiro na política contemporânea, mas sim num ataque
frontal ao Parlamento, como aquele sobre o qual o Supremo Tribunal Federal ora
se debruça novamente”.
Seria o caso de acrescentar, para
ampliar a conversa, que a própria conflituosidade entre PT e PSDB já teve mais
dignidade. Por exemplo, quando se debateu o caráter mais ou menos “neoliberal”
do governo e das reformas postas em prática por FHC. Hoje, o conflito reduziu-se
a um osso, cuja carne se perdeu por aí. É uma caricatura de debate político, um
arremedo de competição substantiva. Na falta de conteúdo, sobressaem as ênfases
hiperbólicas e os interesses pequenos, consolidados ao longo de históricas que
se cruzaram e produziram atritos que viraram feridas não cicatrizadas.
O mais interessante é a
conclusão de Luiz Sergio: “se estivermos assistindo ao confronto
desabrido entre duas vertentes da mesma social-democracia, é o caso de temer
pela qualidade das instituições, que constituem o bem mais precioso herdado das
lutas contra o regime autoritário”. Isso
porque, despojada de substância e dignidade, a peleja pode não somente levar à
morte dos dois contendores como também ao aprofundamento da degeneração do
discurso e da arena política, que a essa altura já é grave. O “espírito de
cruzada sem tréguas contra o adversário, considerado o inimigo a varrer em cada
episódio eleitoral”, como tem ocorrido entre nós, não leva a nenhum lugar
interessante.
A sociedade nada ganha com o
prolongamento dessa competição artificial. O país fica à deriva, sem um projeto
de futuro. E os cidadãos terminam com aquele travo amargo da frustração:
simplesmente não encontram qualquer sinal que indique que os políticos farão um
gesto – digamos assim – para o bem do país.
Nada é sem consequência. E deverá ser acompanhada com atenção a questão de saber como esse quadro, somado às vozes das
ruas de junho e à mediocridade generalizada da chamada “classe política”,
repercutirá em 2014.
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