Com a baixa – previsível, mas
surpreendente pelo grau em que ocorreu – das manifestações que desde junho
sacudiam o país, a política nacional voltou ao ritmo de sempre. Nada garante
que continuará assim, pois o alerta emitido pelas ruas ainda está vivo e as
forças que o determinaram permanecem ativas. O noticiário e as discussões,
porém, revelam o retorno daquilo que tem sido a tônica da vida política: quedas
de braço entre o Executivo e o Legislativo, nomeações e afastamentos,
bate-bocas no Supremo Tribunal Federal à sombra da revisão das penas do
mensalão, denúncias de corrupção e esquemas ilícitos (o cartel paulista), a via crucis de Marina Silva e os
embates intrapartidários, motivados sobretudo pela aproximação do ano
eleitoral. Vida que segue.
Não há porque estranhar o
refluxo das ruas. Elas estão sempre aí, ora ativas, ora em silêncio. Não podem
se mobilizar de modo permanente e somente conseguem manter regularidade se
estiverem acompanhadas de sujeitos políticos qualificados para criar pontes com
o Estado. Os partidos, porém, não estão em condições de ajudá-las nisso, e nem
são aceitos por elas. A busca de autoexpressão, que tipificou parte das
manifestações, não organiza consensos nem agendas. Ao menos no curto prazo e
movidas pelo clamor espontâneo, as ruas não têm como ir muito longe ou como
impor mudanças substantivas, que mexam na estrutura da sociedade, que é onde
está a raiz dos problemas. Ainda não se entendem sobre as razões que as
ativaram e nem sobre os passos políticos que terão de ser dados.
Há novas convocações sendo
feitas para setembro, e elas poderão alterar cálculos e previsões. Mas o
sistema parece ter voltado ao controle da situação.
Tem havido um pouco de tudo nas
últimas semanas.
O confronto protagonizado pelo presidente
do STF, Joaquim Barbosa, e pelo ministro Ricardo Lewandowski na retomada do
julgamento de recursos dos réus do mensalão foi dessas coisas que jamais se
esquecerão. Pela violência verbal, pela grosseria e pelo ambiente em que tudo
ocorreu. A perplexidade e o constrangimento
foram gerais. Está certo que os dois juízes tentaram dar a briga por superada,
mas o episódio mostrou que não dá para santificar o STF e muito menos seus
integrantes. E mostrou que também ali se faz necessária uma reforma, no mínimo
procedimental.
O caso de Marina Silva chama
atenção por ser paradoxal. Favorecida, mais que qualquer outro, pelo novo ritmo
do país e pelas dificuldades dos demais postulantes à Presidência, Marina sofre
para obter o registro legal de sua Rede. Situação delicada, porque se não
conseguir criar seu partido terá de desistir da candidatura ou buscar asilo em
alguma outra legenda, o que enfraquecerá dramaticamente sua imagem de política
que flutua sobre os partidos e busca apresentar uma alternativa ao que
considera ser a dimensão problemática do atual formato partidário. Se se filiar
a um partido “normal”, terá de explicar muita coisa ao eleitorado e perderá
força. Se desistir de tudo, jogará fora o que talvez seja sua única grande
oportunidade.
De tudo o que despontou depois
de junho, o mais surpreendente é a reposição ampliada da luta interna no PSDB.
Ampliada, em primeiro lugar, pelas repercussões das denúncias que revelaram a
existência de um cartel que operava as licitações da rede metroferroviária paulista.
Em segundo lugar, pelo prolongamento pouco compreensível e nada razoável da
novela da indicação do candidato tucano às presidenciais de 2014.
Quando tudo parecia caminhar
para a escolha de Aécio Neves, eis que o ex-governador José Serra ressurge com
sua recorrente postulação. Seus movimentos são largos: vão da pressão pela
realização de prévias internas (de resto previstas nos estatutos do PSDB) à
indicação de que poderá pedir abrigo em outra legenda. Consta que teria até
mesmo recebido convite do PPS, que também flerta com Marina – fato que, se vier
a se confirmar, somente mostrará a improvisação e a leviandade das partes
envolvidas. Agindo com os olhos fixos em seus próprios umbigos, Serra e o PPS
caminhariam celeremente rumo ao fracasso conjunto, num verdadeiro abraço de
afogados.
A cereja do bolo em termos de
surpresa é, portanto, o PSDB. O partido não se acerta e não se entende, sequer
no básico. Despreza as janelas que se abrem à sua frente. Descarta trunfos como
se pudesse voltar a acumulá-los assim que desejar. Não consegue reagir aos
tombos que sofre. Parece dilacerado por questiúnculas associadas a luta por
espaço e a personalismos pouco justificáveis. Disso também é feita a política,
com certeza, mas seria de esperar que um partido que se diz vinculado à social-democracia
oferecesse à sociedade e ao Estado bem mais do que esse espetáculo comezinho de
protagonismos que não se compõem. Alguma ideia, algum projeto, alguma visão de
futuro: seria o mínimo.
Por refugar da posição de líder
das oposições e se deixar arrastar para a margem, o PSDB queima os cartuchos de
que dispunha para ser competitivo em 2014. Mostra-se frágil até para disputar
São Paulo, seu troféu principal.
O sistema recuperou o controle.
Mas, por continuar o mesmo, permanece improdutivo e gera mais problemas que
soluções, expondo-se ao risco de ser novamente desafiado pelas ruas.
As vozes de junho não foram
genéricas nem alienadas. Foram claras: queremos um Estado aberto para as
pessoas, menos dependente de multinacionais, bancos e empresários. Mais social
e menos econômico: com serviços e políticas melhores, não somente com obsessão
por crescimento e oferta de bens. Os que protestaram, no fundo, pediram mais
cidadania e menos consumo, mais Estado e menos mercado.
É uma agenda básica, que
converge para a reformatação do Estado e desafia a inteligência política. Se
for enfrentada com as práticas de antes, não será sequer arranhada. E o
mal-estar persistirá. [O Estado de S.
Paulo, 24/8/2013, p. A2].
Que data estranha tem seu artigo, Marco! Ele será publicado em setembro ou sou eu que estou presa ao passado e não percebi?
ResponderExcluirVenho ao seu blog para olhar a política com menos repulsa, ou pelo menos tentar sentir algo mais construtivo a respeito dessas deploráveis pessoas.
Há anos que penso em deixar de votar no Serra, mas, para evitar alguém ainda pior acabo votando nele, repetindo o que fiz na minha vida inteira de eleitora, sempre votando no "menos pior". Triste e desanimadora sina esta minha e, como tenho mau temperamento, acabo por sentir aversão e raiva deles todos...
Me tornei preconceituosa em relação aos políticos. É político? Não dá para confiar, só pensam em si mesmos, não nos seus umbigos, como vc disse acima mas nos seus bolsos.
Abraços da Olga
A data saiu errada, Olga. Já corrigi. Preconceito contra políticos me parece mau negócio: precisamos deles, e nem todos são ruins. Melhor é buscar os melhores, achá-los e apoiá-los. Em geral, não são somente os políticos que olham para os próprios umbigos. As pessoas fazem isso também, e cada vez mais. Os políticos as copiam. Não deveriam fazer isso, pois são servidores públicos. São públicos, mas defendem interesses particulares, a começar dos de seus partidos.
ResponderExcluirEm suma, é algo complicado. Impossível de se resolvido com raiva e aversão. Mas isso vc sabe. Abraço