Compreensível
o interesse despertado pelo lançamento da Rede Sustentabilidade, o novo partido
articulado pela ex-senadora Marina Silva, entre outros políticos e ativistas.
Se o quadro partidário brasileiro provoca tédio e desesperança, nada como uma
proposta recheada de boas intenções para que se espalhe a sensação de que algo
pode ser feito para que se melhore a política hoje prevalecente.
O
novo partido surge propondo-se a ser diferente na estrutura (uma rede), nos
procedimentos e nas ideias. Não partiu da arregimentação de lideranças
expressivas ou bancadas parlamentares preexistentes. E não está poupando
energia para convencer a opinião pública de que veio para valer, não é mero
capricho de seus idealizadores. Lançou-se, porém, com uma meta clara: dar
abrigo e sustentação à futura candidatura presidencial de Marina Silva,
principal justificativa para que a operação fundacional fosse desencadeada
agora, quando já é nítido o rufar dos tambores das eleições de 2014, um frenesi
eleitoral aparentemente intempestivo e prematuro mas que tem sua razão de ser,
como observou nessa página o cientista político
Luiz Werneck Vianna (Estado,
16/02/2013).
Tal
justaposição de objetivos – criar um novo modo de fazer política e viabilizar
uma candidatura – fará, portanto, com que os articuladores da proposta tenham
de agir para demonstrar que terão disposição para amassar o barro da política
dura, que não se sujeita nem obedece a princípios vagos, chefes supremos ou
calendários eleitorais. Não à toa o discurso de Marina insiste em enfatizar que
o novo partido existirá “para questionar a si, não para disputar uma eleição” –
não terá “espírito de manada”.
Cercada
de expectativa, a Rede chamou atenção pelo inusitado de algumas de suas ideias.
Não aceitará, por exemplo, contribuições financeiras que provenham de negócios
que agridam ou prejudiquem a saúde e o meio ambiente (bebidas alcoólicas,
cigarro, armas, agrotóxicos), o que mostra uma face simpática e sensível mas
pouco clara quanto a seus efeitos efetivos. A hipótese certamente é que o
partido consiga sobreviver eleitoralmente graças à contribuição expressiva de
seus militantes e simpatizantes, o que parece romântico demais. Vale o mesmo para
a pretensão de limitar a reeleição de seus futuros parlamentares (uma em cada
casa parlamentar) e de organizar um conselho de cidadãos que monitore com
independência a sigla e seus dirigentes. São ideias interessantes mas de efeito
impreciso, com o agravante de que podem sugerir que o partido pretende estacionar
fora da política institucionalizada, feita e vivida pelos brasileiros. Tanto a
questão é delicada que alguns de seus propositores, a começar da própria
ex-senadora, têm procurado deixar claro que o novo partido não fugirá das
alianças (desde que sejam “pontuais e em torno de ideias”) e que trabalhará
para criar novas correlações de forças no país, em vez de deixar tudo como está.
O
mais importante, porém, é a proposta abrangente da nova legenda, antes de tudo
sua disposição de funcionar como uma rede que promova a articulação entre
políticos de diferentes orientações partidárias e, ao mesmo tempo, impeça que o
partido concentre todas as decisões políticas e fique engessado em torno de
seus próprios interesses. A perspectiva tem potência, especialmente porque
proclama que é mais importante privilegiar aquilo que une e é comum do que
aquilo que distingue e opõe. Se a questão é agir “pelo bem do país” ou por uma
causa magna que esteja acima de partidos e facções, a estruturação em rede faz
total sentido. Foi mais ou menos assim que Joaquim Nabuco definiu a estratégia
do abolicionismo nos anos 1880: ativar um movimento, uma opinião, uma agitação para
“desagregar fortemente os partidos existentes, até certo ponto constituindo uma
igreja à parte composta dos cismáticos de todas as outras”.
Em
seu discurso no ato de lançamento do partido, Marina Silva pareceu emular essa
posição de Nabuco: “Não seremos nem oposição nem situação ao governo de Dilma
Rousseff. Se a presidente estiver fazendo algo bom para o Brasil, nossa posição
será favorável”. A Rede pretende "quebrar de fato o monopólio dos partidos
na política”, substituindo-o pela ação da cidadania. É um palavrório vago. A
questão é saber se esse caminhar no fio da navalha será viável diante da
natureza “partidária” da política, de sua essência agonística de luta pelo
poder, da falta de gente que trabalhe desinteressadamente por uma causa maior.
Apresentar-se
como novidade é fácil. Difícil é dar corpo e vida à nova proposta, traduzi-la
em termos políticos, intelectuais e organizacionais. Não será simples criar um
partido numa época de homens partidos e pobres de ideias políticas. Parece
faltar espaço e oxigênio para que se agregue a essa criação um projeto de
sociedade, sustentado por uma análise criteriosa do mundo e do país, que não só
revele a estrutura dos problemas como os acomode em uma agenda articulada. Em
política, não é novo o que se proclama como tal, mas o que produz coisas novas
a partir da transformação daquilo que existe. Será preciso propor soluções
positivas a partir de uma análise concreta do existente. Sem isso, a Rede irá girar
em círculos.
Mas
é ainda mais fácil falar mal daquilo que se propõe como novidade. De um modo ou
de outro, querendo ou não, o novo incomoda o que está estabelecido e desafia
hábitos mentais, rotinas e posições consolidadas. Difícil mesmo é submeter o
novo à crítica ponderada e criteriosa, ver se o que se propõe algo de
aproveitável, concedendo-lhe algum crédito de confiança para mostrar a que
veio. Se isso não é feito, tudo se resume a bate-boca, a torcida contra ou a
favor. E não se avança em direção nenhuma, ficando todos recolhidos ao mesmo
ramerrame de sempre. [Publicado em O
Estado de S. Paulo, 23/02/2013, p. A2].
Marco Aurelio. Como sempre sua reflexão é uma sensata e séria contribuição ao debate. Creio que a proposta vai ter mesmo dificuldade de se encaixar nas estruturas de poder do executivo e legislativo atuais. Tem a ver mais com uma redical visão de sociedade - hoje baseada na dominação, para uma nova perspectiva de parceria ou gilania. No livro O calice e a Espada esta é a discussão central. O mundo terá que um dia dar esta virada, acatando o Ethos feminino e, para os que gostam da mitologia, o poder da Deusa. Vou dar minha força à Rede. Ela trará novas perspectivas para o debate, mas não será fácil. Nossa estrutura e nossas cabeças estão em outro paradigma...
ResponderExcluirObrigado, Isa, pelo retorno. Que tua força à Rede ajude-a a avançar e cumprir um papel positivo. Abraço
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