quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Gramsci cobiçado

Acabo de ler o excepcional livro de meu amigo Guido Liguori, Gramsci conteso. Interpretazioni, dibattiti e polemiche 1922-2012 (Roma, Editori Riuniti University Press, 2012). Na verdade, foi uma nova leitura, pois se trata da segunda edição de um texto publicado em 1996 e que agora reaparece atualizado e reforçado.
O título -- que poderia ser traduzido por "Gramsci cobiçado", ou Gramsci em disputa, algo assim -- diz muito do que pretende o autor: mostrar e analisar como, ao longo do tempo, Gramsci foi um marxista disputado por muitas correntes de pensamento e posturas políticas. A tal ponto que em determinados momentos pareceu que ele estaria sendo ejetado para fora do universo marxista-comunista, como quando Croce (o filósofo hegeliano italiano) escreveu que Gramsci "foi um dos nossos". Liberais, socialdemocratas, comunistas de A a Z, conservadores e até gente de direita foram a Gramsci reivindicar algum tipo de sociedade com ele, com certos de seus conceitos ou então contra ele.
Todos, de certa forma, dialogaram com Gramsci. E continuam a fazê-lo, de modo crescente.
A recepção de Gramsci disseminou-se pelo mundo, sem fronteiras, o que é uma demonstração cabal do fascínio e da amplitude de seu pensamento. E ainda que tenha sofrido oscilações, nunca deixou de estar firmemente ancorada na tradição marxista, da qual ele próprio se via como parte. Hoje, o marxismo de Gramsci está revitalizado e poucos são os que o contestam. Para isso, contribuíram as pesquisas desenvolvidas por estudiosos espalhados por diversos países, referenciados especialmente pelo que fazem a Fondazione Gramsci (onde está Giuseppe Vacca) e a seção italiana da International Gramsci Society, da qual Liguori é o principal animador.
Liguori também é professor de História do Pensamento Político Contemporâneo da Universidade da Calábria e redator-chefe da revista de cultura política Critica Marxista, de Roma.
Seu livro passa em revista a história da recepção de Gramsci, especialmente na Itália. Acompanha 90 anos de interpretações, polêmicas e debates, fornecendo assim um mapa para que nos orientemos e possamos entender a difusão da obra de Gramsci, assim como as diferentes "traduções" que conheceu. O Gramsci de Bobbio, de Althusser, do pessoal dos cultural studies e dos subaltern studies, da moçada politicista, dos antropólogos, pedagogos e etimologistas, e assim por diante.
Como, no Brasil, Gramsci é uma referência importante e está presente em tantas vertentes político-partidárias, intelectuais e de atuação profissional, o livro de Liguori certamente faria muito sentido por aqui. Até porque, no correr de suas páginas, não encontramos somente uma análise das diferentes "leituras" recebidas por Gramsci, mas também um caminho a mais para pensarmos em sua teoria, em seus conceitos e no significado de sua obra.
Gramsci conteso é um convite à reflexão sobre o legado do marxismo para os nossos dias, legado esse visto pela obra de um de seus mais importantes representantes. É dedicado à memória de Carlos Nelson Coutinho, o intelectual marxista que mais contribuiu para tornar Gramsci conhecido e estudado no Brasil. 

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