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Angelo Lucas, Sampa do futuro 2. Mista, 2012 |
Ano novo, vida nova. Se o dito vale para
as pessoas, também vale para as cidades, especialmente quando elas entram em
contato com novos prefeitos, eleitos na esteira de promessas e expectativas de
mudança.
Por todo o país, os prefeitos estão agora
obrigados a traduzir suas diretrizes e seus planos de campanha em ações
efetivas de governo. Não é diferente com São Paulo. Eleito de modo convincente
em 2012, Fernando Haddad inicia sua gestão impulsionado pela adesão inicial de
milhões de eleitores que o consagraram nas urnas. Há otimismo e boas razões para se acreditar
que algumas novidades virão. Mas governar uma metrópole como São Paulo requer
mais que recursos técnicos e intelectuais, que Haddad seguramente possui. É
como a travessia de um deserto desconhecido, em que a cada passo se faz
necessário recompor as energias e projetar uma meta de chegada que não se sabe
bem onde está nem quando se efetivará. A cidade é como um enigma que se repõe a
cada instante.
O novo prefeito conta com uma equipe
formada em sua própria prancheta e integrada, na maioria, por quadros técnicos
e políticos majoritariamente qualificados, aos quais se agregaram algumas
dívidas partidárias e de campanha. A questão agora é caminhar. Na mesa de
Haddad, há uma agenda espetacular de problemas. O “muro da vergonha” que separa
ricos e pobres – tema central da campanha eleitoral – é inequivocamente o maior
deles. Desmarginalizar, integrar e aproximar são verbos que se articulam tanto
com governar de modo democrático e socialmente responsável, quanto com a
disseminação de novos valores e comportamentos. Ou seja, é tarefa do prefeito e
de seus gestores, mas também dos que vivem em São Paulo. Passa pela reeducação
dos moradores, pela eliminação da prepotência dos grandes interesses, pela
superação do que há de privatização e mau uso do espaço público, coisas que
somente frutificarão se forem induzidas pelo vértice do poder municipal, pelas
escolas, pela mídia, e impregnarem a consciência cívica da coletividade.
O governo da cidade opera mediante
grandes e pequenos gestos, mostra-se no longo e no curto prazo, precisa incidir
na estrutura urbana e no chão da vida cotidiana, tratar o que é aparentemente
menor como coisa séria. Uma via esburacada ou mal iluminada, uma parada de
ônibus mal localizada, um semáforo quebrado, uma árvore sem poda ou uma praça
abandonada infernizam a vida de muita gente. Podem até “prejudicar os
negócios”, esse mantra que tem sido repetido sempre que se precisa justificar
alguma decisão ou falta de decisão.
Há questões dilemáticas. Como seus
antecessores, Haddad herdou uma dívida que tem sido considerada “impagável”,
por estar em patamares superiores às receitas anuais. A Lei de Responsabilidade
Fiscal proíbe a prefeitura de obter novos empréstimos, impedindo-a de
acompanhar o ritmo de expansão dos investimentos públicos dos últimos anos. A
dívida soma R$ 58 bilhões, a maior parte dela com a União. Terá de ser renegociada,
ao mesmo tempo em que a Prefeitura terá de continuar gastando. Precisará
encontrar meios de incrementar suas receitas, o que não é nada fácil.
Também são dilemáticos os temas
associados ao plano político, ao social e ao da comunicação pública. Com que
partidos, vereadores e organizações políticas contará o prefeito para
auxiliá-lo? Qual o real poder de fogo de seus aliados e de sua base de
sustentação? Terá de fato o apoio da população, especialmente daquela sua
parcela a quem se pedirá algum sacrifício? Conseguirá quebrar a resistência dos
interesses que se sentirem prejudicados ou que acharem que não estarão a ganhar
tanto quanto julgam merecer? Como trazer o conjunto dos moradores para a
ocupação cívica da cidade, ou seja, para a conversão dos espaços urbanos em
ambientes civilizados (e, portanto, democráticos e compartilhados) de vida
coletiva?
Governar São Paulo não é construir
estradas, vias expressas ou obras suntuosas. Algo disso com certeza haverá,
porque a cidade continua a atrair pessoas, eventos e investimentos, e precisa
se ajustar fisicamente. O caso do centro histórico é emblemático. Abandonado há
décadas, esvaziado, empobrecido e desqualificado em termos arquitetônicos e
urbanísticos, o centro persiste “fora da cidade” mesmo após várias intervenções
públicas. Não é um ponto de referência que ajude a organizar a cidade e a
cidadania ou lhes forneça parâmetros de convivência. Precisa de obras e de
muita regulação para se tornar uma área em que se possa viver, sentir e apreciar
a história e o patrimônio da cidade. Todos
perderão sem sua arrumação e sua integração cívica.
Cidades existem para serem usufruídas,
contempladas e frequentadas. Não são locais somente para o trabalho. Precisam
ser belas, limpas, amigáveis. Sujeira, barulho e má pavimentação, por exemplo, não
combinam com elas. Parecem questão menor, mas não são. Pouquíssimos bairros
paulistanos exibem calçadas adequadas. Há falhas, desníveis e bloqueios em
excesso. Bancas de jornal, automóveis, camelôs e ciclistas dificultam a
circulação segura dos pedestres e enfeiam a paisagem.
Calçadas e pavimentação são atribuições
do poder público e requerem sua ação e sua regulação permanentes. Mas são
também bens a serem cuidados pelos moradores. Não deveríamos necessitar de uma
lei para que alguém preserve e respeite o que é comum. A cultura urbana e a
civilidade deveriam bastar, e na falta delas tudo fica muito mais difícil.
Está aí um dos mais complexos obstáculos
para o sucesso de qualquer administração. Um governar que não se combine e nem
se preocupe com a construção de vida civilizada, que se concentre
exclusivamente na gestão e na política miúda, terá menos chances de fazer a
diferença. Sem cidadãos ativos, os governantes podem pouco. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/01/2013, p.
A2].
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