Como escreveu meu amigo Luiz Mir num post que trocamos pelo Facebook, precisamos deglutir com vagar a visita de Barack Obama ao Brasil.Mir observa com acerto que “o mais relevante dessa visita é que ao certificar publicamente a liderança do Brasil na parte sul do continente, Obama nos sobrecarrega de preocupações e custos -- quando o império elege, ele cobra”. É por aí mesmo. O Brasil se tornou um player importante, reconhecido e destinado a pesar cada vez mais no contexto internacional. Sairá de uma posição tutelada, e nessa medida, protegida e “sem responsabilidade”, para outra, impregnada de compromissos e exigências. A primeira consequência disso afeta a diplomacia, que terá de ser ainda mais qualificada. Estamos bem servidos nessa área. Outra consequência afeta a política interna: políticos, técnicos e governantes terão de levar mais a sério a política externa, rompendo definitivamente com a tradição de ignorar o que se passa além-fronteiras. Levar a sério significa, claro, estudar mais, pensar mais, ter maior competência intelectual para compreender a estrutura do mundo.A viagem de Obama é importante pelo que representa em termos de reconhecimento do protagonismo brasileiro e de aceitação, pelos EUA, da realidade multilateral do mundo. Num de seus discursos na recepção a Obama, a presidente Dilma Roussef tocou no ponto: “Aqui não nos move o interesse menor da ocupação burocrática de espaços de representação. O que nos mobiliza é a certeza de que um mundo mais multilateral produzirá benefícios para a paz e a harmonia entre os povos”.A viagem de Obama ao Brasil não trará grandes novidades em termos efetivos ou no curtíssimo prazo, mas deverá demarcar nova etapa nas relações entre os dois países e deles com os demais. Esse o tom, creio, do excelente artigo do professor Tullo Vigevani no Estadão: “A relação dos EUA com o Brasil tem essencialmente a ver com o novo que há no mundo contemporâneo”, escreveu (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110320/not_imp694529,0.php). O que significa considerar um lote de questões e interesses complicados, no plano comercial e no estratégico geral. A China, que muitos acham ser a parceira preferencial do Brasil em diversos terrenos, é a bola da vez. Mas a China, vista como o gigante que se projeta, pode não ser tão sustentável assim (seu “capitalismo comunista” é uma incógnita a toda prova) e há outros gigantes por aí. O capitalismo não corre perigos, embora seja a cada dia mais deletério e nefasto, e ao se reproduzir impõe regras de conduta e de relacionamento não propriamente favoráveis a um mundo melhor.É impressionante a quantidade de bobagens que foram ditas, escritas e praticadas sobre a visita de Obama. Maria da Conceição Tavares detonou o cara dizendo que ele virou escravo do "bordel conservador". Outros, num acesso de furor antiimperialista, viram a visita como indício de que novos grilhões estão sendo ativados. Há os que escracham o estilo "soft power" de Obama sem saber do que se trata e os que atiram molotovs para protestar contra a situação líbia.Isso prova que ainda patinamos no entendimento da nova estrutura do mundo. Prova, também, que a dialética social existe. Ao mesmo tempo em que Obama visita o Brasil no melhor estilo soft power, os EUA ajudam uma “coligação árabe-ocidental” a descarregar bombas e torpedos em Kadafi, ameaçando abrir uma frente de batalha na Líbia na velha linha do "big stick". São incoerências e paradoxos de um país imperial e de um mundo que, salvo melhor juízo, não comporta posturas muito “racionais” e exige, por isso mesmo, para ser compreendido, procedimentos intelectuais renovados e arejados.Fernando Gabeira escreveu dias atrás no Estadão: "O século nos empurra para uma diplomacia preventiva. Qualquer passo nessa direção será bem-vindo, como bem-vindo é Obama". Teve gente que não gostou, achando que a frase faz excessivas concessões à diplomacia norte-americana. Da minha parte, digo que frases são frases e que essa permite que se preste atenção num traço que parece ter condições de se fixar no mundo contemporâneo. Pode-se chamar isso de soft power e dizer que Obama o encarna como poucos. Ou empregar outros valores e categorias. O que não dá é prá achar que as coisas continuam as mesmas como dantes e que Obama nada mais é que um Bush jovial e simpático.
Porque a política democrática administra o presente mas retira sua poesia da construção consciente do futuro.
domingo, 20 de março de 2011
Obama, o Brasil e o mundo
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