Acaba de ser publicado no
Brasil o brilhante livro de Leonardo Rapone, O jovem Gramsci. Cinco anos que parecem séculos. 1914-1919. A
edição é da Contraponto e da FAP, com tradução de Luiz Sérgio Henriques.
A começar da bela capa, o
cuidado editorial impulsiona o livro. Mas o que mais chama atenção nele é a
densidade do texto, a argúcia do pesquisador, a capacidade que teve de
perscrutar a trajetória de Gramsci num momento decisivo de sua formação. Para
quem se interessa por marxismo e especialmente pela criatividade marxista de
Gramsci, o livro é obrigatório.
Reproduzo abaixo o texto que
escrevi para as abas da capa, com a expectativa de que ajude a realçar o que o
livro tem de fundamental.
" A
recepção da obra de Antonio Gramsci e o diálogo com seu legado estiveram apoiados
em movimentos nem sempre entrelaçados ou simultâneos. A rápida disseminação dos
textos de Gramsci colaborou para a diversificação desses movimentos, até mesmo
porque se fez acompanhar de uma forte inflexão acadêmica que converteu esses
textos em passagem quase obrigatória de certas disciplinas especializadas.
Hoje,
em linhas gerais, dois grandes esforços de reconstrução organizam o vasto campo
de estudos gramscianos. Antes de tudo, tem-se buscado reter a específica
contribuição teórica e conceitual do marxista sardo, mediante abordagens que
seguiram ou as trilhas da epistemologia ou a tradução do aparato conceitual
introduzido por Gramsci especialmente nos Cadernos do Cárcere (1929-1935). O segundo movimento de
reconstrução tem buscado o Gramsci prático, o dirigente político, e segue seus
passos como militante socialista na juventude e líder comunista depois da
formação do PCI em 1922.
Especialmente
na Itália, nos últimos anos, têm sido frequentes as abordagens que tentam
acrescentar fatos novos à intensa atividade política de Gramsci, com objetivos
nem sempre nobres ou criteriosos, que oscilam, por exemplo, entre a denúncia de
certos aspectos tidos como escusos da direção comunista e a exploração dos
relacionamentos afetivos e pessoais de Gramsci, antes e durante seu período de
encarceramento. Trata-se de uma “leitura” que procura as luzes fáceis do
escândalo, da “revelação” e da reinterpretação. Mais que elucidar o que não se
sabia, tais abordagens dão prioridade à polêmica de tipo revisionista, não raro
dedicada a reconstruir ou a desmontar legados históricos e políticos
sedimentados.
O
livro de Leonardo Rapone filia-se à historiografia, mas não se deixa levar
pelas facilidades espetaculares da denúncia e da revisão. Mergulha fundo num
esforço para reunir, de forma histórico-sistemática, biografia intelectual e
biografia política. Seu foco é o Gramsci da juventude, em um período de formação
(1914-1919) que, como sempre, deixou-se marcar por muitas influências teóricas
e políticas: Benedetto Croce, Henri Bergson, Georges Sorel, Robert Michels,
Antonio Labriola, Max Weber. Em meio a essas influências cruzadas, é preciso
descobrir o fio lógico que acabou por prevalecer, estruturando seu pensamento e
forjando sua identidade.
Valendo-se
da argúcia de pesquisador e de um sofisticado aparato especializado, Rapone
acompanha Gramsci do aprendizado universitário à Primeira Guerra, à Revolução Russa
e aos conselhos de fábrica, buscando entender o impacto que esses grandes
acontecimentos tiveram em sua formação, em sua desprovincianização e em sua
adesão ao socialismo. Do amplo diálogo intelectual que o jovem Gramsci manterá
até seu encontro com o marxismo (e com Lênin em particular) emergirá o pensador
antipositivista, hostil a determinismos estruturais rígidos, fascinado pela
dimensão da vontade e da iniciativa humana, atento ao peso dos conflitos e das
lutas de classes, um apaixonado observador da história de sua época. Descortina-se
assim a formação de um militante e de um intelectual que, com o tempo,
impulsionado em especial pela Revolução de 1917, passa a compreender e a
valorizar o lugar da política e do Estado na transformação social e na modelagem
daquilo que, para ele, seria a “sociedade regulada”.
O
belo livro que o leitor tem em mãos oferece uma plataforma decisiva para que se
possa compor uma imagem unitária de Gramsci, ajudando-nos a assimilar os Cadernos
do Cárcere como momento de elaboração teórica marcada pela originalidade e que
deita raízes em uma história prévia que precisa ser compreendida e integrada."
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