Política é cálculo e
oportunidade, paixão e frieza. Iniciativa, capacidade de preparar o futuro,
domar ventos e crises, interagir com a vida. Passa por reconhecer erros e
assumir responsabilidades. É ação coletiva: carreiras-solo dificilmente
progridem e o companheirismo, as lealdades, as amizades pesam de forma
determinante.
O coro “volta, Lula”, repetido
à boca pequena e sempre mais recorrente, é um convite à reflexão sobre a
natureza da política e especialmente sobre as chances de sucesso de suas
operações, custos e resultados devidamente considerados.
Para começar do começo: por que
cresce o coro? Sondagens de opinião não indicam declínio categórico do
prestígio da Presidente. Tem havido certas inflexões preocupantes, é verdade,
mas seu nome permanece forte. Por que então pedem a volta do ex-presidente? Por
que tamanha insistência de Lula em dizer que Dilma é a “sua” candidata pois é a
“melhor pessoa para vencer as eleições” e que ele, Lula, se pudesse registraria
em cartório a decisão de não sair candidato? Em sua visão, tudo não passaria de
uma enorme boataria, não de uma intenção.
Se o que atiça o coro não é o
ex-presidente, então temos um problema: há gente demais insatisfeita com o desempenho presidencial e
insegura com a real capacidade eleitoral de Dilma. Petistas, empresários,
banqueiros e peemedebistas pedem o retorno do ex-presidente. Há, também, os que
usam a situação para negociar novos espaços, promover acertos de contas ou
simplesmente tumultuar o ambiente. Mas é um fato que o mal-estar está instalado
em Brasília.
Motivos certamente não faltam.
Problemas desgastantes sucedem-se sem parar. Petrobrás, crise energética
iminente, André Vargas, inflação emergente, CPIs, riscos e tropeços da Copa:
tudo desaba sobre a Presidente e se converte imediatamente em fato político. E
Dilma, pouco afeita aos humores e exigências da política, tende a submergir, a
silenciar ou a tartamudear. Não passa confiança, nem firmeza.
Lula foi direto ao ponto: seria
preciso “ir prá cima”, enfrentar a oposição, defender o governo “com unhas e
dentes”, reagir antes que seja tarde demais. Salvar a Presidente é garantir o
futuro.
Como há um componente congelado
no cenário – o estilo, a personalidade e a biografia de Dilma, que não mudarão –,
o contraste se agiganta. Dilma é enfezada, não tem carisma nem empatia, não
sabe lidar com as pessoas. Lula é puro charme, transpira humildade e
autenticidade, é franco, simples e didático. A astúcia em pessoa. Levanta
multidões, agrada e sabe cortejar quem dele se aproxima. Alimenta uma legião de
fãs e muitas expectativas. Perto dele, Dilma é opaca, não agrega nem
entusiasma.
Os “sebastianistas” acreditam
que Lula descongestionaria o ambiente, abriria novos espaços e daria novo
fôlego a tudo. Animal político por excelência, Lula gerenciaria com mais
competência as relações Estado/sociedade, acalmando tanto a movimentação social
quanto o desarranjo e a pressão político-institucional, o que Dilma não tem
conseguido fazer. Estão preocupados com o déficit de articulação e coordenação
política que se evidenciou no país e que ameaça a estabilidade econômica, a
intermediação política, a continuidade das reformas, os arranjos
político-sociais estruturados desde 2002 e, evidentemente, os negócios. Sem a
resolução desse déficit, ficaria abalado o pacto informal entre as grandes
empresas nacionais e multinacionais, os bancos, o agronegócio e a grande
agricultura, a política tradicional e parte dos interesses organizados do mundo
do trabalho.
Como esse pacto foi articulado
por Lula, por que então não pedir a ele que embale a criança e injete oxigênio
no que está ofegando? Com ele, seria possível voltar a sonhar; com Dilma, o
sono continuaria agitado, instável. A aposta é que Lula tem personalidade,
estilo e biografia para resgatar aquilo que fez a fortuna de seus dois
governos, atualizando-os à nova fase do país.
Trata-se de uma construção
mental que excita os ambientes, criando a sensação de que existe interna corporis, ao alcance da mão, uma
alternativa para que o projeto de poder se reponha em melhores condições.
Há, porém, um custo alto na
hipotética operação.
Primeiro, porque a mera
cogitação dela ajuda a enfraquecer o governo e a piorar ainda mais a situação.
Quanto mais Lula diz não querer o cargo, mais passa a impressão de que nem
mesmo ele acredita em Dilma.
Segundo, porque ela
escancararia uma grosseira falha de estratégia: teria sido um erro entronar
Dilma como sucessora de Lula. Com ela, o país não seguiu na mesma toada. Ao ser
“deslulizado”, entristeceu. E o pacto que sustenta o governo ficou com maiores
dificuldades operacionais.
Terceiro, porque nunca é fácil
trocar o piloto com o avião em pleno voo. Turbulências e trepidações serão
certamente inevitáveis, figurinos e discursos precisarão ser refeitos às
pressas, aliados perdidos terão de ser novamente agregados.
Quarto, porque Lula, precisamente por ter muita sagacidade e
talento (além de muito capital político), deve estar pensando se vale a pena
entrar na disputa agora e por essa porta, ou seja, derramando sangue interno.
Ele precisaria sacrificar Dilma, o que não é fácil nem propriamente
dignificante. E precisaria concorrer num quadro que não se mostra tão tranquilo
assim, ou seja, no qual teria tantas possibilidades de vitória glorificadora,
quanto de derrota.
Há,
por fim, uma questão que complica o cálculo. Bastaria um bom timoneiro para que
o navio volte a singrar os mares sem sobressaltos? A qualidade da nave e da
marujada também pesa, e quase sempre de modo categórico. O mesmo vale para a
cartografia que orienta o capitão: um mapa malfeito, desatualizado ou
imperfeito pode levá-lo na direção de rochedos implacáveis ou deixá-lo à
deriva.
Como
se trata de política, o mapa é o que costumamos chamar de projeto. E ele não
existe de modo claro e suficiente. [Publicado em O Estado de S. Paulo, Caderno Aliás, p. E9, 13/04/2014].
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